O Brasil deu um passo enorme com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da reforma tributária. Cabe, agora, ao Senado ratificar as mudanças no mais complexo sistema de impostos do mundo, para que, enfim, o país entre em um novo e consistente processo de crescimento econômico, com mais empregos e renda. Sabe-se que há várias imperfeições na proposta elaborada pelo relator Aguinaldo Ribeiro, mas pior seria a frustração de um debate enterrado pela demagogia, pelo fisiologismo e pela ideologia. A reforma tributária é um projeto de Estado, não de governos ou de lideranças políticas específicas.
O cipoal de alíquotas e regras que hoje inibem o ambiente de negócios e os investimentos produtivos será substituído pelo imposto sobre valor agregado (IVA), composto por apenas dois tributos, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), resultado da fusão do IPI, do PIS e da Cofins, e o Imposto sobre Bens e Consumo (IBS), integrando o ICMS estadual e o ISS municipal. Além de evitar aberrações como a cumulatividade de impostos e os impagáveis créditos tributários, o futuro sistema deixará explícito à sociedade o quanto ela recolhe aos cofres públicos sobre tudo o que consome. É assim na maior parte do mundo civilizado.
Além da simplificação, que dará transparência ao regime tributário, a reforma resultará em mais justiça fiscal. Em termos proporcionais, os pobres e a classe média pagam mais impostos do que os ricos. Dados da Receita Federal apontam que, de tudo o que entra no caixa do Tesouro Nacional, 75% são impostos sobre o consumo e a renda do trabalho. Essas distorções vêm sendo debatidas há mais de 30 anos, mas só agora se teve a coragem de se enfrentar os lobbies poderosos que sempre embarreiraram o discurso em favor de um ajuste no sistema de impostos do país. Não havia mais porque se render a uma minoria que grita alto e fechar os olhos e ouvidos para a injustiça com a maioria da população.
E há de se registrar: esta é a primeira reforma tributária realizada desde que o Brasil se livrou da ditadura militar. É emblemático. Contudo, a proposta que saiu da Câmara com apoio estrondoso e deverá ser ratificada em breve pelos senadores é apenas a primeira etapa de mudanças mais profundas que devem ser feitas. O que se está corrigindo agora é a tributação sobre o consumo. O passo seguinte será reduzir as desigualdades nos impostos que incidem sobre a renda. Apenas a correção da tabela do Imposto de Renda pode livrar quase 20 milhões de contribuintes que ganham até R$ 5 mil por mês das garras do Leão. O que essas pessoas deixarão de pagar será mais do que compensado pela tributação sobre lucros e dividendos. Apenas Brasil e Estônia não taxam essa fonte de recursos usada pelos mais ricos para fugir do Fisco.
Há de se pontuar, ainda, a importância de os parlamentares, em sua maioria, não terem se rendido aos disparates propagados pela extrema-direita. Líderes desse grupo radical acreditaram ter força para manter o Brasil com os dois pés fincados no atraso. Não só saíram menores desse episódio, por total falta de credibilidade, como viram o surgimento de uma direita moderada, que entende as demandas da população e está disposta a manter o equilíbrio necessário dentro do sistema democrático.
Daqui por diante, é vital que a sociedade eleve a pressão sobre o Congresso para que a reforma tributária efetivamente passe a valer, respeitando seus prazos — a CBS e o IBS serão adotados gradualmente em 2026, passando a valer, integralmente, em 2033. A gritaria dos que gostam de exceções será forte — alguns, infelizmente, mantiveram os privilégios —, mas esse movimento será calado pela racionalidade e pelo real desejo de um Brasil menos desigual e com potencial maior de crescimento. Estima-se que a reforma tributária elevará o Produto Interno Bruto (PIB) em 20 pontos percentuais nos próximos 15 ano. É muito.