A pandemia da COVID-19, em todo o planeta, deixou milhões de óbitos e elevou de 613 milhões (2019) para 735 milhões o número de pessoas que passam fome, segundo o relatório "O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (Sofi)". No Brasil, também cresceu o número de brasileiros em situação de insegurança alimentar severa. Passou 1,9%, entre 2014 e 2016, para 9,9% entre 2020 e 2022 — um aumento de 4 milhões para 21 milhões. No total, são 70,3 milhões com dificuldade de conseguir alimentos no dia a dia, contra 37 milhões em relação à década passada. Ainda no Brasil, a fome absoluta caiu na comparação com 20 anos atrás, quando a taxa de desnutridos afetava de 6,4% da população brasileira (12,1 milhões) e, agora, chegou a 4,7% (10,1 milhões). O país volta a ganhar visibilidade no Mapa Mundial da Fome.
O estudo elaborado por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU): Alimentação e a Agricultura (FAO), Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Programa Mundial de Alimentos (WFP). Além da crise sanitária, o relatório aponta os impactos das mudanças climáticas e da guerra entre Rússia e Ucrânia. Os dirigentes das instituições preveem que, se mantido o atual cenário, dificilmente será possível atingir, até 2030, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de erradicar a fome no mundo.
A situação das crianças brasileiras é bastante séria. A desnutrição infantil avançou nos últimos 10 anos. Entre 2012 e 2022, passou de 6,3% para 7,2% nesse segmento da sociedade. Atualmente, um milhão de crianças passam fome no Brasil. Ao lado delas, 48 milhões de cidadãos não dispõem de recursos para garantir uma alimentação saudável – em 2019, eram 39 milhões. No ano passado, 148 milhões de crianças (22,3%) com menos de cinco anos revelavam atraso no crescimento, devido à má ou à falta de alimentação adequada.
A retomada das políticas de combate à fome e à miséria pode atenuar a realidade nacional. Ainda que seja uma ação positiva do poder público, ela será insuficiente se não for acompanhada de medidas que assegurem aos excluídos condições dignas – educação, saúde, profissionalização, entre outras necessidades reprimidas – de obtenção de renda, a fim de romper a dependência de cestas básicas e outros benefícios do Estado.
O retorno ao Mapa da Fome é vergonhoso, considerando que o Brasil se destaca no cenário internacional como detentor de enorme área agricultável (mais de 660 mil km²), invejável por várias nações. Hoje, os agricultores se gabam e anunciam que têm capacidade de produzir o suficiente para alimentar 1 bilhão de pessoas. E por que ainda há fome e miséria no país? É uma indagação natural que precisa ser respondida tanto pelo poder público quanto pelos médios e grandes produtores rurais.