No primeiro semestre deste ano, ocorreram 17.500 abusos sexuais de crianças e adolescentes no país – aumento de 70% na comparação com igual período de 2022 –, segundo registros do Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Muito pouco ou nada a comemorar nesta quinta-feira, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) completou 33 anos. O ECA, criado para garantir proteção desse segmento da sociedade bastante vulnerável e que passa por fases de intenso desenvolvimento psicológico, físico, moral e social, é desrespeitado e as políticas públicas não têm provocado os efeitos necessários exigidos pela lei. A insegurança para eles está em todos os lugares – dentro de casa, nas ruas e até nas escolas.
A cada 10 crianças violentadas sexualmente, oito foram vítimas de parentes próximos ou amigos da família. Os registros são subnotificados. Os familiares não registram queixa contra o agressor. Preocupa as autoridades e os profissionais de saúde o fato de que cerca de 70% das adolescentes ficam grávidas após serem violentadas. A interrupção da gravidez não ocorre entre boa parte das vítimas, seja por falta recursos financeiros, seja por ignorar seus direitos, seja devido à proibição por dogmas religiosos seguidos pela família.
Em 2022, 2.555 crianças e adolescentes foram assassinados. Outros 19.136 foram vítimas de maus tratos, segundo Fórum Brasileiro de Segurança. A cada ano, cresce a violência contra crianças e jovens menores de 18 anos. Além das agressões sexuais físicas e por meios virtuais, como bullying e cyberbullying, eles são alvo de negligência e abandono, pornografia, tortura (lesões físicas e mentais), trabalho precoce e tráfico. Os dados são subnotificados, principalmente em casos de estupro, praticado por alguém da família e amigos, que são os mais comuns e vitimam as crianças. Em boa parte, o estuprador não é denunciado pelos familiares.
Nos primeiros meses de 2023, no Rio de Janeiro, 31 pessoas morreram por bala perdida. Deste total, morreram cinco das 11 crianças atingidas e três adolescentes, entre os 12 baleados, também não resistiram aos ferimentos, conforme levantamento da organização não governamental Fogo Cruzado. Quase sempre as tragédias ocorrem nas periferias do estado, durante os confrontos entre as forças de segurança pública e o crime organizado. Na manhã de quarta-feira última, o número aumentou. Um menino de 11 anos, a caminho da escola, foi morto por um tiro nas costas, durante um embate entre policiais e bandidos na região metropolitana do Rio de Janeiro.
O público infantojuvenil não está seguro nem nas escolas. Neste ano, ocorreram dois casos, com um total de cinco vítimas. No primeiro semestre deste ano, o Instituto Sou da Paz constatou que ocorreram sete ataques aos colégios no país com armas de fogo. Um recorde, considerando-se o período desde 2002 até até o ano passado, quando ocorreram 25 casos. Em 2019, foram três atentados a instituições de ensino. Diante desse aumento, o Ministério da Justiça e Segurança Pública editou medidas para reforçar a segurança nas escolas.
As dificuldades do público infantojuvenil são muito maiores, se somadas aos obstáculos para acesso à saúde, educação, saneamento básico, entretenimento, moradia e tantos outros serviços que garantiriam vida digna e saudável para crianças e adolescentes. Não basta afirmar que crianças e jovens são o futuro do Brasil. Impõem-se políticas públicas para que, de fato, eles tenham futuro.