Sacha Calmon
Advogado, doutor em direito público (UFMG). Coordenador do curso de especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular das faculdades de direito da UFMG e da UFRJ. Ex-juiz federal e procurador-chefe da Procuradoria Fiscal de Minas Gerais. Presidente honorário da ABRADT e ex-presidente da ABDF no Rio de Janeiro. Autor do livro “Curso de direito tributário brasileiro” (Forense)
No direito alemão, o princípio da legalidade (Gesetzmassigkeit) é igualmente encarado como a obrigação de o Estado cumprir a lei por ele mesmo elaborada, com implicações no próprio equilíbrio constitucional. Induz à administração, em síntese, como acentuam os autores alemães (Otto Mayer, Fleiner, Turegg etc). No sistema do common law (Inglaterra e Estados Unidos), embora historicamente pertencentes à mesma “família”, algumas nuances determinam a consagração do princípio que se denomina nesse sistema, de rule of law."
Por todo o orbe civilizado é assim. No Brasil também.
O respeito que deve ter o contribuinte à ação fiscal, oferecendo todos os elementos de que dispõe para esclarecer as situações duvidosas, é um ângulo ao qual corresponde outro dentro do mesmo contexto: o respeito que deve ter a Administração pelo contribuinte. Bem por isso, aliás, a Corte Fiscal alemã denomina o sujeito passivo do tributo de "cidadão contribuinte" (steuerburger), evidenciando toda a consideração que pode e deve ter o Fisco pelo devedor. E, àquele contribuinte que sofre a ação ilegal do fisco, os autores alemães denominam, com muita propriedade de "steuerburger leidend", ou seja, cidadão contribuinte sofredor, ou que padece de um mal que poderá consumi-lo.
Mas, por outro lado, não é possível aceitar-se uma ação fiscal meramente teórica. Pode e deve o Fisco utilizar de todos os meios legais na descoberta da verdade e, por isso, está munido de uma série de faculdades previstas em leis especiais e, baseadas nessas, nos regulamentos administrativos. O que não pode a administração é agir contra legem ou, em muitas situações, caracterizadas pela precipitação de elementos nem sempre bem orientados, sine lege.
Agindo a administração contra e apesar da Constituição como interpretada pela Suprema Corte brasileira, afigura-se como litigante de má fé, pratica excesso de poder, fere os princípios da legalidade, da separação de poderes e da segurança jurídica. Na medida em que age sine lege e contra legem, abala as bases do Estado de Direito e da República. Várias consequências se impõem:
1- Anulação dos atos administrativos de lançamento
2- Restabelecimento do status quo ante (creditamento) e indenização pelos danos advindos da litigância de má-fé.
Sobre o tema da litigância de má-fé, registra Humberto Theodoro Júnior:
“Dentro da sistemática do processo civil moderno, as partes são livres para escolher os meios idôneos à consecução de seus objetivos.
Mas essa liberdade há de ser disciplinada pelo respeito aos fins superiores que inspiram o processo, como método oficial de procura da justa e célere composição do litígio.”
Daí a exigência legal de que as partes se conduzam segundo os princípios da lealdade e da probidade, figuras que resumem os itens do art. 14 (do CPC), em sua acepção mais larga.
Segundo ensina Andrioli, as noções de lealdade e probidade não são jurídicas, mas sim da experiência social. “A lealdade é o hábito de quem é sincero e, naturalmente, abomina a má-fé e a traição; enquanto a probidade é própria de quem atua com retidão, segundo os ditames da consciência.
Ocorre, outrossim, violação do dever de lealdade em todo e qualquer ato inspirado na malícia ou má-fé e principalmente naqueles que procuram desviar o processo da observância do contraditório. Isto se dá quando a parte desvia, astuciosamente, o processo do objetivo principal e procura agir de modo a transformá-lo numa relação apenas unilateral onde só os seus interesses devam prevalecer diante do juiz.
Da má-fé do litigante resulta o dever legal de indenizar as perdas e danos causados à parte prejudicada (art. 16).”
Os danos sofridos pelas vítimas da sanha arrecadatória do Fisco justificam o dever de indenizar. O simples ajuizamento de pedido de falência tem, como é cediço, efeitos ruinosos sobre o bom nome de um comerciante, afetando sobremaneira a normalidade de suas relações com fornecedores e clientes, em prejuízo de sua solvabilidade e da continuidade de seus negócios. A injusta ameaça de prisão, ainda quando não concretizada, é causa inequívoca de prejuízo moral para a pessoa, quer individualmente considerada, quer tomada em sua inserção social.
O dever de recompor o dano moral, de há muito consagrado pela doutrina na leitura do art. 159 do Código Civil, obteve guarida constitucional, conforme se verifica da análise dos seguintes incisos do art. 5º da CF/88:
“Art. 5º. X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.”
A responsabilização criminal dos agentes fiscais, ordenadores de atos ilegais e abusivos, está no art. 316, § 1º, do Código Penal, a saber: “Art. 316, § 1º. Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza... Pena - reclusão de três a oito anos, e multa.”