Na semana passada, os moradores do Distrito Federal testemunharam, pela 25ª vez este ano, uma mulher perder a vida pelas mãos de um homem. O assassinato de Andreia Crispim, de 50 anos, evidenciou de maneira dolorosa que a violência contra mulher é uma calamidade nacional. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado recentemente, o país registrou um aumento de 6,6% nos casos de feminicídio em 2022, na comparação com o ano anterior. São Paulo concentra o maior número de registros, com 195 mortes. Minas Gerais também contabilizou uma maior ocorrência de feminicídios – foram 171 mulheres assassinadas em 2022, contra 155 óbitos no ano anterior, em um incremento de 9,9%.
E esses números referem-se apenas a um tipo específico de crime. O feminicídio é o ato derradeiro de uma escalada de violência contra a mulher. As primeiras agressões podem se manifestar de diversas formas – psicológica, patrimonial, moral, sexual – até atingirem o nível mais perigoso, o dos ataques físicos. Especialistas costumam descrever essa degradação das relações humanas na forma de um ciclo, dividido em quatro fases: encantamento, tensão, violência e arrependimento. No início do relacionamento, o agressor começa com gentilezas. Aos poucos, entretanto, começam a surgir tensões no relacionamento, até descambarem nas agressões físicas. Após a explosão de violência, o agressor é tomado de arrependimento. E recomeça a aproximação com a vítima.
O problema da violência contra a mulher é que, frequentemente, ele se perpetua em forma de espiral. Quando o homem volta a cometer brutalidades, após as fases de arrependimento e reaproximação, os ataques vêm ainda mais violentos. As medidas protetivas, determinadas pela Justiça, buscam interromper a continuidade das agressões. Mas elas têm se mostrado insuficientes para coibir a sanha dos covardes. Andreia Crispim, a vítima do Distrito Federal citada acima, estava formalmente protegida pelo benefício. Mas, na vida real, o ex-companheiro ignorou os avisos da lei. Na quinta-feira, abordou novamente a mulher e deu o aviso final: “Você merece morrer”.
Fenômeno complexo e multifatorial, a violência de gênero é face abominável da mentalidade machista e patriarcal que subsiste em diferentes estratos e segmentos da sociedade brasileira. Nas últimas duas semanas, vereadoras e deputadas estaduais mineiras têm sofrido ameaças recorrentes por defenderem bandeiras progressistas ou em razão da opção sexual. Além de atacar até as filhas das parlamentares, os autores do crime utilizam termos abomináveis, como “estupro corretivo” para “curá-las” do “homossexualismo feminino”. Ao Estado de Minas, a vereadora de Belo Horizonte Iza Lourença (PSOL) resumiu: “Vivo hoje sob violência psicológica”. Negra, bissexual e mãe de uma menina de 3 anos, a parlamentar de 29 anos é vítima dos extremistas da misoginia. Ameaças de teor semelhante também foram dirigidas a mulheres parlamentares do Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Não se trata, pois, de fenômeno isolado. A violência de gênero exige uma mobilização nacional, que vai muito além de ações do poder público. É preciso que governos municipal, estadual e federal atuem de maneira firme em políticas para combater o machismo, a intolerância e a violência doméstica. Integrantes de assembleias também podem contribuir com uma legislação que complemente o arcabouço já definido pela lei Maria da Penha e pela lei do feminicídio. Por fim, passou da hora de escolas, empresas, associações comunitárias – a sociedade, enfim – darem um basta a tanta violência. O Brasil precisa iniciar urgentemente uma cruzada contra o feminicídio e a violência de gênero. Basta de tanta brutalidade.