Jornal Estado de Minas

Envelhecer e seus desafios

Gilson E. Fonseca
Consultor de empresas

Bertrand Russel imaginou, poeticamente, as fases de nossa vida como as de um rio: nascendo pequeno e despretensioso, cheio de correntezas na adolescência, cachoeiras na juventude, mas depois desaguando mansamente para tornar-se, na velhice, um grande lago calmo e sereno. Sabemos, entretanto, que muitas vezes as correntezas e cachoeiras, se não há crescimento espiritual em todas as etapas, irão aparecer justamente no final de nossas vidas, e, o que é pior, a vida pode tornar-se pouco prazerosa. A pandemia que assolou o Brasil e o mundo, inegavelmente, alterou nosso estado de espírito, potencializando ansiedades e medos. Dessa forma outros desafios surgiram junto ao enfrentamento do envelhecimento.





Pessoas há que parecem crescer apenas biologicamente, mesmo assim porque a natureza se encarrega sozinha de fazê-lo. Nenhuma busca do equilíbrio entre as dificuldades do envelhecimento físico pode ser conseguida sem o crescimento do espírito. Caso contrário, qual satisfação ficaria reservada para os mais velhos? Rugas enfeando o rosto, reumatismos, dores na coluna e outras dificuldades, só podem ser superadas e esquecidas com tolerância, desprendimento, perdão e outras virtudes que, em consequência, servirão de referência positiva para os mais jovens. A educação ocidental é muito desfavorável para lidar com o binômio vida x morte. Nossa compreensão não tem a firmeza dos orientais. Na Grécia antiga já encontramos registros dessa preocupação. Conta a mitologia grega que Janos, o deus do tempo, possuía faces bifrontais; uma virada para a frente para enxergar o futuro e a outra oposta para ver o passado. A face da frente relutava em encarar a realidade da morte, porque ela significava a perda total de tudo e continha a ideia da substituição e, ninguém quer ser substituído. Muitas pessoas só faltam, como na famosa ficção do livro “O retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, fazer um pacto com o diabo, prometendo-lhe a alma para ficar sempre jovem.

A velhice não pode ser vista como a caixa de pandora, onde moram os males e as tristezas. Muitas pessoas, na idade madura, perdem a oportunidade de viver alegremente, esperando obcecadamente a morte que, na maioria das vezes acontece mais tarde do que elas imaginaram. O competente diretor de cinema Akira Kurosawa, no filme intitulado “Viver”, retratou com muita fidelidade essa situação. Um funcionário público japonês, sem motivação para o trabalho e para a vida, diante da constatação do envelhecimento, só " acordou " ao saber que estava com uma doença incurável. Despertado pelo que deixara de fazer e com forte motivação, " viveu " em 6 meses o que deixara de fazê-lo por quase toda a vida.

Temos muitos exemplos de pessoas que, aproveitaram a longevidade não apenas para contar o tempo cronológico, mas para viver intensamente sem medo da idade e do envelhecimento. Basta lembrar-nos de Austregézilo de Athayde que, como membro da Academia Brasileira de Letras parecia realmente imortal. O ator americano George Burns, viveu 100 anos contando piada e fumando charutos. O jornalista Barbosa Sobrinho faleceu aos 103 anos e fez tanto barulho pelas causas sociais que parecia ter apenas 30 anos. Quem acredita na dualidade, isto é, no corpo e na alma, poderá como Janos ter duas faces, mas enxergar a velhice como uma grande preparação para uma vida futura maior e duradoura.





Um banqueiro americano de nome Don Taylor disse certa vez que só conhece duas coisas que melhoram com o tempo: " vinho e juros compostos ". Pela vida das três pessoas citadas, creio que podemos acrescentar uma terceira: a sabedoria. Essa tese é reforçada pelo antropólogo francês Alexis Carrel no seu famoso livro “O homem perante a vida” quando diz que nossa existência é regida por três leis (ou instintos): conservação, propagação e ascese. No dia a dia, exercitamos claramente a conservação da vida, diante de qualquer objeto que ameaça cair sobre a gente, independentemente do tamanho, imediatamente cobrimos a cabeça com as mãos. Também somos compelidos a propagar a vida, sem temer ter filhos doentes, enfrentar um luto, etc. A ascese que é o crescimento espiritual é a mais interessante pois, simboliza a sabedoria. Sem ela, como vamos competir com os mais jovens?

Assim, podemos rejeitar definitivamente o provérbio latino “Senectus et morbus” (a velhice é doença). A Velhice, essencialmente, só acontece quando faltam projetos, quando se vão os sonhos ou quando se perdem as esperanças. Em um encontro casual com um senhor já idoso, mineiro tipicamente do interior, ao elogiar sua disposição, disse-me ele: “O velho é tão bom quanto pau de candeia, só solta a casca.” É importante também compreendermos melhor Guimarães Rosa no seu livro “Grande sertão: veredas” quando disse, noutro contexto, “viver é perigoso”. Ele apenas quis dizer dos desafios inexoráveis a que estamos sujeitos, sobretudo, na velhice. Portanto, a vida é uma dádiva que recebemos e nos cumpre preservá-la.