Tatiana Pimenta
CEO da Vittude
Quando se trata de saúde mental, nossas empresas ainda vivem o modelo de gestão criado na era da Revolução Industrial. Com foco na produtividade a qualquer custo, o impacto nos trabalhadores nessa época nem era considerado nessa equação. Hoje evoluímos nos métodos de trabalho, nos organizamos em equipes colaborativas e entendemos a importância da criatividade e da inovação para as demandas do negócio na era digital. Mas pouco avançamos na pauta de saúde mental.
A cada semana, converso com pelo menos 10 empresas de grande porte. Quando pergunto a gestores e líderes de RH quais são os indicadores do FAP (Fator Acidentário de Prevenção) nos três últimos anos, ou quantos pedidos de afastamento por CID-F (código internacional de doenças relacionados aos transtornos mentais) a empresa teve no último ano, vejo quase invariavelmente a mesma cara de paisagem como resposta. Se pergunto como eles avaliam a qualidade da saúde mental dos seus colaboradores, ouço com frequência que há alguns “casos isolados” de transtorno, mas que no geral tudo está bem. Insisto no questionamento e pergunto como eles medem o nível de engajamento dos funcionários e se acompanham os motivos pelos quais acontecem as demissões voluntárias. A resposta continua invariavelmente evasiva.
O resultado desse descaso com a saúde mental dos colaboradores volta na forma de presenteísmo, turnover, dias perdidos de trabalho e em um fenômeno conhecido como “quiet quitters”, em que funcionários só entregam o mínimo esperado para sua manutenção no emprego.
As empresas que iniciam uma jornada de saúde mental começam normalmente pelo estágio de conscientização, depois transformam o cuidado com os colaboradores em estr atégia. Poucas estão no estágio de reinvenção, como conto logo abaixo.
1º) Conscientização - A grande maioria das organizações, 95% delas, está no estágio inicial, de conscientização. Elas ainda não medem os KPIs que comentei acima, não sabem da importância de um programa estratégico estruturado e não imaginam o impacto positivo em aumento de produtividade e lucratividade que poderiam ter ao investir em saúde mental.
Por isso chamo essa etapa de conscientização. Algumas empresas podem até ir além do básico exigido pela lei trabalhista, e oferecem soluções isoladas, como uma palestra de conscientização no Setembro Amarelo, a concessão de benefício de aula de meditação ou pilates.
Costumo dizer que aqui há apenas gasto com ações desconectadas e nenhum investimento.
2º) Estratégia - Empresas que já estruturam programas estratégicos de saúde mental são 4,9% do total. O nível de conscientização e entendimento do tema está na agenda do C-Level e existem KPIs de negócio atrelados à saúde mental. As empresas têm programas claros, coordenados e consistentes no tema e calculam o ROI dos investimentos.
Aliás, é bom dizer que essas empresas recebem até 4 vezes o retorno do valor investido nos programas, além de melhorar sensivelmente a qualidade da saúde mental dos colaboradores, a segurança psicológica do ambiente de trabalho e consequentemente o aumento do engajamento e da produtividade das equipes.
3º) Reinvenção - Apenas cerca de 0,01% das empresas estão nesse estágio. Sabe aquelas empresas que investem em um Chief Happinness Office, pensam em novos modelos de trabalho e criam novos designers organizacionais?
Essas empresas estão reinventando a forma de liderar pessoas e colocam a saúde mental no centro dessa discussão. Elas saíram da gestão da era industrial lá do início do texto.
As organizações que chegam nesse estágio ainda não têm a receita do bolo, mas estão testando, medindo e ajustando. Elas verdadeiramente entenderam que saúde mental e futuro do trabalho caminham lado a lado e é a única forma sustentável de fazer negócios.
Meu sonho grande é que a maioria das empresas chegue a esse estágio no futuro próximo. Até porque, se as pessoas não tiverem saúde mental, não haverá futuro do trabalho.