Marcelo Raffo
Neurologista e neurofisiologista do Hospital Moinhos de Vento, do Rio Grande do Sul
A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença rara, causada por alterações genéticas que afetam os neurônios que controlam os diversos músculos do corpo. Como consequência, as pessoas com essa condição apresentam acometimento da sua capacidade motora.
Grande parte da sociedade conhece a AME por meio das redes sociais, nas quais pais, mães e cuidadores, constantemente, fazem relatos comoventes das histórias de bebês acometidos pela doença. A causa é, inquestionavelmente, nobre e exige toda visibilidade possível.
Mas também é urgente a necessidade de chamarmos atenção para os demais tipos de AME, que afetam jovens e adultos. Digo isso porque, infelizmente, existe uma lacuna educacional muito grande neste sentido. De maneira geral, acaba ficando em segundo plano uma parcela significativa de pessoas que também sofrem com os impactos dessa doença e isso pode levar a sociedade à ideia equivocada de que a AME afeta apenas bebês e crianças.
A atrofia muscular espinhal é subdividida clinicamente em cinco tipos (de 0 a 4), definidos basicamente pela idade de aparecimento dos sintomas e as habilidades motoras atingidas.
O tipo 0 é a forma mais grave. Tem início no período pré-natal e, além de acometimento motor e respiratório, pacientes podem apresentar alterações cardíacas e cerebrais.
A AME tipo 1 é a mais comum, correspondendo a cerca de 60% dos casos reportados em literatura. Sinais e sintomas têm início antes dos 6 meses de vida, e os pacientes nunca chegam a se sentar de forma independente.
A forma intermediária da doença é classificada como tipo AME tipo 2, em que os sintomas se manifestam entre os 6 e 18 meses de idade. E os pacientes chegam a se sentar de forma independente, mas perdem essa habilidade com o tempo.
Já o tipo 3 atinge cerca de 13% dos casos e os primeiros sintomas aparecem após os 18 meses de idade e a progressão da doença pode levar, por exemplo, à perda da capacidade de andar.
E por fim, a forma mais branda (mas não menos impactante), a AME tipo 4 é também uma das mais raras, representando menos de 5% dos novos casos. Os primeiros sintomas aparecem a partir da segunda ou terceira década de vida e as pessoas frequentemente apresentam sinais de fraqueza e fadiga muscular.
Em jovens e adultos, a AME tem entre suas características a perda gradual e cumulativa de funções motoras. Os sinais e sintomas podem ser identificados justamente em pequenas ações do dia a dia, a partir de dificuldades progressivas e, muitas vezes, até sutis. Com o passar do tempo, ações consideradas simples, como levantar-se do chão, subir escadas ou mesmo andar, se tornam cada vez mais difíceis. E, neste sentido, precisamos lembrar que jovens e adultos com AME são pessoas que estão em momento de vida extremamente produtivo: estamos falando de indivíduos que trabalham e estudam, cidadãos participativos, que contribuem, efetivamente, com a sociedade.
Para entender as dores dessas pessoas é fundamental que a sociedade esteja apta a escutá-los. Isso só é possível através da promoção do conhecimento sobre a doença, suas variedades e impactos. Além da evidente necessidade de capacitação adequada de profissionais de saúde, para promover o diagnóstico precoce e tratamento multidisciplinar adequado.
A progressão da doença, especialmente em jovens e adultos, invariavelmente, impacta todas as áreas da vida deles, bem como a das pessoas que compõem a família e a rede de apoio. Tudo está interligado. O cuidado adequado da AME gera uma infinidade de compromissos terapêuticos, que por sua vez geram custos, além de tempo e dedicação de pessoas da família, que muitas vezes abdicam dos seus trabalhos (ou se ausentam com frequência) para atender as demandas impostas aos pacientes, principalmente pelas limitações físicas. Esse conjunto de dificuldades pode levar a complicações psicossociais graves para quem tem atrofia muscular espinhal e todos que o cercam.
A jornada do diagnóstico, a adolescência, a vida adulta, o impacto social, físico e mental, sexualidade, planejamento familiar, inclusão e acessibilidade, autonomia e qualidade de vida da pessoa com AME são temas fundamentais e que carecem de visibilidade.
Faz-se urgente a necessidade de envolver e engajar todas as esferas da sociedade neste debate e na promoção de mudanças para acolher mais e melhor a comunidade de AME, independentemente do tipo, idade e nível de acometimento.