Sandra Regina Goulart Almeida
Reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Uma caminhada pelo campus Pampulha revela muito da história de uma das maiores e melhores universidades do país. Detalhes de sua paisagem passam, por vezes, despercebidos dos olhares mais apressados. Esse é o caso de um monumento formado por quatro troncos instalado, em 2004, no gramado próximo à Reitoria, que simboliza quatro vidas ceifadas prematuramente. Gildo Macedo Lacerda, Idalísio Soares Aranha Filho, José Carlos Novaes Mata Machado e Walkíria Afonso Costa eram estudantes da UFMG quando foram mortos pela ditadura militar.
O monumento é um tributo à memória desses jovens que defendiam os ideais democráticos e sonhavam com um Brasil melhor. Eles e tantos outros, que tiveram o mesmo destino trágico, representam uma universidade que nunca se curvou ao arbítrio, como profetizou o nosso primeiro reitor, Francisco Mendes Pimentel: “Nestas terras moças da América, ela [a Universidade] não será cúmplice passiva de tiranias”.
O vaticínio de Mendes Pimentel se confirmaria em vários momentos da história da UFMG, que completa 96 anos neste 7 de setembro, celebrados no mesmo dia em que foi proclamada a Independência do Brasil. Nossos pioneiros escolheram a data de 7 de setembro de 1927 para inaugurar a então Universidade de Minas Gerais com a finalidade de demarcar a convergência de dois projetos simbióticos: o de um Brasil livre e soberano e o de uma universidade autônoma e democrática, na qual uma vida nova sempre principia, como diz o lema da instituição, incipit vita nova.
Ao longo de sua história, a atuação de dirigentes e de sua comunidade conduziu a UFMG para a defesa inarredável da democracia e contra o arbítrio. É imperiosa a lembrança do reitor Aluísio Pimenta, que defendeu a instituição contra intervenções. Deposto em 9 de julho de 1964, Pimenta empreendeu uma articulação política que o reconduziria ao cargo. No entanto, teve, como muitos docentes de universidades, decretada sua aposentadoria compulsória pelo AI-5, em 1968.
Em 1977, o país vivia um clima de distensão, e o movimento estudantil estava se reorganizando. A tentativa de refundar a União Nacional dos Estudantes (UNE) naquele que seria o 3º Encontro Nacional dos Estudantes, marcado para 3 de junho, na sede do DA da Faculdade de Medicina, foi duramente reprimida. O cerco policial acabou após 24 horas de vigília dos 400 estudantes, que foram levados para a delegacia. A saída dos estudantes foi negociada pelo então reitor Eduardo Osório Cisalpino. Uma foto emblemática do episódio mostra cinco estudantes cercados pelos militares e um discreto trio que “escoltava” os jovens – o próprio Cisalpino, o secretário de Educação de Minas Gerais, José Fernandes Filho, e o diretor do ICB, Marcello de Vasconcellos Coelho.
Com a redemocratização em marcha, novos ventos sopravam sobre o país. Chegara a hora de uma nova constituição, e a UFMG contribuiu ativamente. A Assembleia Nacional Constituinte teve seu trabalho escrutinado pelo Centro de Acompanhamento da Constituinte (Ceac), criado por iniciativa do reitor Cid Veloso, que reunia 13 universidades mineiras. Representantes dessas instituições redigiram a Carta de Minas, na qual defendiam a educação como dever do Estado, princípio que acabou consagrado na Constituição Cidadã, promulgada em 1988, e que continua nos inspirando.
Nas décadas seguintes, o Brasil parecia ter encontrado o caminho da construção democrática. Na segunda década deste século, porém, o país experimentou uma onda de práticas lesivas ao estado democrático de direito. Várias universidades foram afetadas por esse processo, que resultou, em 2017, no trágico suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, da UFSC, e na condução coercitiva de dirigentes da UFMG. Passados mais de cinco anos, todos os processos foram arquivados, e os dirigentes, inocentados. As marcas da violência simbólica persistem nas mentes e nos corações que ainda aguardam uma forma de reparação. Mais uma vez, nossa comunidade se mobilizou em defesa da democracia, resistindo bravamente.
As ameaças à democracia hoje se materializam no fenômeno da desinformação, que vem corroendo as instituições. No ano passado, nossa universidade instituiu o Programa UFMG de Formação Cidadã em Defesa da Democracia, que se desdobra em várias frentes. Ao lutar contra a desinformação, a UFMG está, ao mesmo tempo, defendendo a democracia e as instituições e ajudando a proteger a sociedade.
Comprometida com a democracia, a UFMG abriu-se, nos últimos 20 anos, a segmentos historicamente alijados, como negros, indígenas e pessoas com deficiência. Uma miríade de novos sujeitos aqui se faz presente, e sua inserção requer esforço para acolher novas identidades, coletividades e demandas, cumprindo sua missão de ser uma instituição de excelência, inclusiva e sempre a serviço da sociedade. Longa vida à UFMG.