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Estado de Minas editorial

Uma armadilha diplomática

O Tribunal de Haia reagiu e afirmou que o Brasil, por ser signatário, tem obrigação de cumprir suas determinações


17/09/2023 04:00
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A lista de atrocidades cometidas pelas forças russas na invasão da Ucrânia é longa. Desde fevereiro de 2022, quando os militares liderados pelo presidente Vladimir Putin entraram no país vizinho, as acusações incluem ataques a hospitais, tortura, estupro e assassinato de civis e de soldados inimigos rendidos. Mas nenhuma é tão séria quanto o envio de crianças ucranianas para a Rússia. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 16 mil meninos e meninas foram deportados contra sua vontade das áreas ocupadas pelos russos, majoritariamente da região do Donbass. 

A situação é tão grave que levou Putin a ser condenado pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, nos Países Baixos. O órgão também emitiu uma ordem internacional de prisão para o presidente russo, decisão que deve ser cumprida por todos os signatários do Estatuto de Roma, o tratado internacional que fundou o TPI – incluindo aí o Brasil. 

A decisão fez Putin restringir ainda mais sua mobilidade internacional, que já estava limitada após o início da invasão na Ucrânia. A ausência do presidente russo foi sentida na reunião da Cúpula do Brics – grupo de países que inclui Brasil, Índia, China e África do Sul, além da Rússia – em agosto, em Joanesburgo, e no encontro do G20, em setembro, em Nova Déli, na Índia. 
Pois foi nesse atoleiro que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu entrar. Com o Brasil sediando o próximo encontro do G20, em julho do ano que vem, e após assumir a presidência do grupo, Lula achou por bem afirmar que Putin não seria preso caso decidisse ir ao Rio de Janeiro para a reunião de 2024. "Acredito que o Putin pode ir facilmente ao Brasil. Eu posso te dizer que, se eu sou o presidente do Brasil e se ele vem para o Brasil, não tem por que ele ser preso", disse Lula, no encerramento do G20. 

A fala, claro, caiu muito mal. O Tribunal de Haia reagiu e afirmou que o Brasil, por ser signatário, tem obrigação de cumprir suas determinações. Três dias depois, Lula recuou e disse que é a Justiça do Brasil quem deveria decidir sobre uma eventual prisão de Putin. Ele ainda atacou o TPI, dizendo não entender os motivos de o Brasil ser parte do acordo – ratificado, segundo ele, apenas por países "bagrinhos" – e potências como EUA, China e a própria Rússia, não. Vale lembrar que o próprio Lula chegou a recorrer ao TPI quando estava preso em Curitiba.

Diante de uma situação cada vez mais complexa e delicada entre Rússia e Ucrânia, com um aprofundamento do apoio dos países ocidentais ao governo do presidente Volodymyr Zelensky, Putin hoje é visto por boa parte dos países do mundo como um personagem tóxico, que contamina tudo que toca e em crescente isolamento. Ao estender a mão, Lula, que é figura benquista na geopolítica internacional, queima parte de seu capital político e da boa vontade dos outros governos com o Brasil e sua gestão, e causa dificuldades para o corpo diplomático brasileiro, ocupado com a reconstrução das conexões internacionais que foram perdidas durante a conturbada gestão de Ernesto Araújo à frente da chancelaria. 

A reconstrução da imagem do Brasil diante do resto do mundo demanda um esforço conjunto. A presença de Lula nos eventos globais é fundamental, mas é necessário confiar também nas medidas de sua equipes diplomáticas, para aprofundar o diálogo e a cooperação diante dos desafios complexos nas relações internacionais. É com uma contribuição para a estabilidade e a paz mundial que o país voltará a ser um ator respeitado e confiável no cenário internacional. n


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