Sacha Calmon
Advogado. Ex-professor titular das Faculdades de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ex-juiz federal, ex-procurador chefe da Procuradoria Fiscal de Minas Gerais. Foi também presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) no Rio de Janeiro. Autor do “Curso de Direito Tributário Brasileiro” (Forense)
Estou lendo que o ex-presidente Bolsonaro se adonou de 128 presentes dados ao presidente do país e não a ele. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se apropriou indevidamente de pelo menos 111 presentes recebidos de autoridades estrangeiras durante seu mandato.
Outros 17 presentes, segundo a área técnica do tribunal, são de "elevado valor comercial" e também deveriam ter sido incorporados ao Patrimônio da União. A Secretaria de Controle Externo do TCU pede que a Presidência da República reavalie todos os presentes recebidos pelo governo Bolsonaro. E também que o atual governo instaure um procedimento para descobrir se existem "outros possíveis bens ofertados ao ex-presidente da República, à ex-primeira-dama, a parentes do ex-presidente ou a quaisquer outras pessoas ou agentes públicos que tenham feito parte de comitiva presidencial, ou representado o ex-presidente em eventos oficiais no Brasil ou no exterior.
O documento diz, na prática, que o ex-chefe de Estado é apropriador contumaz de joias pertencentes à presidência.
Os presentes não se revestem da característica de natureza personalíssima ou de consumo direto pelo presidente da República, razão pela qual deveriam ter sido incorporados ao patrimônio da União".
De acordo com o TCU, Bolsonaro recebeu 9.158 presentes. 295 foram dados por autoridades estrangeiras. Desses, 240 foram incorporados ao patrimônio privado de Bolsonaro e 55, ao patrimônio da União.
Dos 240, o TCU afirma que 111 foram incorporados por Bolsonaro indevidamente e sem qualquer justificativa. E, dos 129 restantes, 17 têm "alto valor comercial" e deveriam ter sido entregues ao patrimônio da União. Portanto, Bolsonaro se apropriou indevidamente de 128 presentes dados por autoridades estrangeiras. Essa conduta não condiz com a respeitabilidade de um ex-presidente. Nos EUA, Trump apropriou-se de objetos e papéis da presidência e, por isso, está sofrendo quatro processos judiciais. Foi um presidente autocrata e induziu a invasão do Capitólio, ou seja, o Congresso dos EUA.
O governo Bolsonaro não apresentou nenhuma justificativa para se apropriar dos presentes, em vez de registrá-los como patrimônio da União, diz o relatório da Secretaria de Controle Externo do TCU. O ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten, que trabalha na defesa do ex-presidente, disse que "o presidente Bolsonaro jamais teve qualquer ingerência na classificação de presentes". Segundo ele, era o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GA-DH) quem fazia a classificação e a destinação dos presentes...
No Twitter, Wajngarten disse que Bolsonaro "jamais teve acesso às informações sobre os presentes, quem os recebeu, quem os catalogou e muito menos aferir seus valores ou quem ficou com a guarda dos mesmos". Ora, essa é de dar risada! Mas é a linha de defesa do advogado.
Wajngarten escreveu no Twitter que "não há o que delatar", referindo-se ao acordo de delação premiada proposto pela defesa do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, aceito pela Polícia Federal. É muita prepotência!
A defesa de Mauro Cid, que estava preso desde 3 de maio, pediu a soltura do cliente e obteve êxito. A solicitação foi enviada ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que concordou. Há já informes suficientes, não há razão mais para mantê-lo preso.
A Polícia Federal aceitou um acordo de delação com os militares e enviou o trâmite para o Ministério Público Federal (MPF) e para Moraes, para eventual homologação de acordo.
Com o acordo, a expectativa é de que ele tenha benefícios no processo em que deve responder, e seja liberado para cumprir pena em liberdade.
Alexandre de Moraes determinou a soltura de Max Guilherme Machado de Moura, ex-segurança e assessor do ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Ele foi preso também em 3 de maio e é investigado no âmbito da apuração sobre a inserção de dados falsos no cartão de vacina do ex-presidente, a mesma operação que prendeu o ex-ajudante de ordens da Presidência..
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Pensávamos ter um presidente direitista, mas honesto. Estamos a ver agora o contrário. O viés autoritário permanece, embora silente em razão das circunstâncias.
Mas o mais importante de tudo é que haja provas materiais, documentais e testemunhais, para que não se diga que as condenações serão “políticas”. E que Bolsonaro possa dizer a Alexandre de Moraes “que ele está condenado a condená-lo”, como disse Lula na cara de Moro. Esse havia se tornado um juízo universal. Sem limites territoriais nem materiais. Era como Marat ou Robespierre na época do terror na França dos 1.700 do milênio findo.
Desta feita, o processo ocorrerá à risco.
Mais uma vez Bolsonaro está internado por causa de aderências de alças intestinais e outros problemas.
Desejamos que o ex-presidente se reestabeleça de uma vez por todas. Que sua operação, a quinta, seja exitosa e que viva o suficiente para responder pelos seus atos na esfera política. A “res publica” assim quer.