O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma amanhã o julgamento da tese do marco temporal. Na visão do ruralista e de outros setores anti-indígenas do país, os povos originários só teriam direito às terras ocupadas em 5 de outubro de 1988, antes da promulgação da Constituição Federal. A tese ignora as invasões dos não indígenas em territórios históricos e antropologicamente pertencentes às comunidades que foram vítimas da grilagem e de outras atrocidades de autoria dos não indígenas desde o período colonial.
O julgamento foi interrompido em 31 de agosto último. Até o momento, votaram contra a tese os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso. A favor, votaram os ministros Nunes Marques e André Mendonça, indicados ao cargo pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Desde janeiro, a política do governo federal tem sido favorável à defesa e à garantia dos direitos dos povos originários. Na campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu demarcar os territórios ocupados pelos indígenas. De acordo com a Constituição de 1988, o governo federal deveria ter concluído essa tarefa em 1994. Ou seja, cinco anos após a promulgação da nova Carta Magna.
No entanto, os sucessivos governos negligenciaram o mandamento constitucional. Facilitaram não só as invasões, mas também as explorações das terras. Tornou-se política pública postergar uma solução definitiva, há muito cobrada pelos povos originários, instituições e segmentos da sociedade conscientes dos direitos dos primeiros habitantes do país, desrespeitados pelos colonizadores. Os conflitos sangrentos, a eliminação de líderes e de seus defensores – verdadeiros massacres – não mereceram, da maioria dos governantes, a atenção e as providências necessárias à salvaguarda dos povos originários.
O ministro Moraes defende que os ocupantes de boa-fé das terras indígenas sejam indenizados pelas benfeitorias e terras que ocupam. Embora a ponderação do magistrado seja uma opção para o apaziguamento do conflito que o tema envolve, ela exigiria do poder público uma apuração rigorosa para indentificar quem são os reais ocupantes de boa-fé. A proposta do ministro, considerada uma alternativa pelos contrários ao marco temporal, não considera as expulsões violentas de comunidades indígenas de seus territórios ao longo do tempo.
Entre os muitos casos que ilustram essa fuga, estão os guarani-kaiowá e ñandeva, cujo líder Marçal de Souza Tupã-in, foi executado na porta de casa, no interior de Mato Grosso, há 40 anos. O crime ocorreu um ano depois de ele pedir ao papa João Paulo II que interviesse em favor do seu povo, massacrado por invasores de terra. O mesmo ocorreu com ngelo Kretã, o primeiro indígena eleito vereador, em Pato Branco (PR). Ele foi morto por defender o território da comunidade kaingang, em 1980.
O Supremo Tribunal Federal, como corte responsável pela defesa e cumprimento dos mandamentos constitucionais, precisa considerar o marco temporal, como mais um dos muitos artifícios que, ao longo dos tempos, colocam em risco a integridade dos povos originários. Se todos são iguais perante a lei, como estabelece o artigo 5º da Carta Magna, impõe que a equidade se sobreponha à iniquidade contida no marco temporal.