Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu como legítimo o casamento homoafetivo, equiparado à união estável entre homens e mulheres. A decisão do STF foi por unanimidade. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução nº 175, determinou aos cartórios que convertessem a união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento e celebrassem-no. A decisão da Justiça foi um grande passo para acabar com os conflitos sobre heranças e benefícios decorrentes da morte de um dos cônjuges do mesmo sexo. Representou também um avanço contra a homofobia. Em síntese, deu proteção legal à relação entre pessoas do mesmo sexo.
Em um país com vasto portfólio de preconceitos e intolerância – racismo, misoginia, machismo, homofobia, etarismo, patriarcalismo, capacitismo e outros –, não surpreende que, em meio a tantas necessidades sociais e econômicas, deputados construam um projeto de lei para proibir o casamento homoafetivo. O Brasil sofre com enormes mazelas em diferentes setores, como falta de saneamento básico, acesso a água, moradia, segurança, hospitais, escolas, creches e tantos outros equipamentos públicos que fariam profunda diferença na qualidade de vida dos brasileiros.
Em meio a tantas carências, eis que emerge, na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, o debate em torno do relatório sobre Projeto de Lei (PL) 5.167/2009, de autoria do estilista Clodovil (morto em 2009), que estava parado na Câmara. O relator da proposição, deputado Pastor Eurico (PL-PE), defende a inserção do casamento homoafetivo no artigo 1.521 do Código Civil, que proíbe a união entre pais e filhos ou entre pessoas casadas.
Como justificativa, o parlamentar argumenta que o casamento “representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo”. A prevalecer a lógica do pastor Eurico, homens ou mulheres estéreis também não poderão se casar, pois não haveria como contribuir para a preservação da espécie humana. Registre-se ainda, como lamentável, o baixíssimo nível do debate promovido pelos deputados – cena, por sinal, que tem se tornado recorrente – com trocas de ofensas e ironias descabidas.
Hoje, os homossexuais representam 12% da população – cerca de 19 milhões de pessoas –, segundo o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas pessoas estudam, trabalham e têm importância social e econômica para o país, embora componham uma parcela pequena da sociedade. No setor de turismo, tanto as políticas públicas quanto a iniciativa privada criaram roteiros considerando as predileções do público LGBTQIA+. A Parada Gay, realizada anualmente em São Paulo e outras capitais, se tornou um evento que atrai milhões do Brasil e do exterior, o que impacta positivamente na arrecadação dos governos. Esses movimentos representam, ainda, a crescente visibilidade dessa parcela da população que trabalha, paga impostos e vota, entre outros direitos e obrigações.
Em 2015, o STF autorizou os casais gays a adotarem crianças e adolescentes. A decisão elevou em 113% o número de menores adotados em todo o país, segundo o Sistema Nacional de Adoção do CNJ. Ou seja, milhares de crianças deixadas em instituições de abrigo vivem em um lar, frequentam escola, recebem carinho e atenção, como deve ocorrer em qualquer família. Uma conquista desejada por muitas crianças e adolescentes, nem sempre alcançada em uma família de casal de héteros.
À luz dos avanços obtidos nos últimos anos, a iniciativa de parlamentares negacionistas da diversidade constitui claro retrocesso, que não pode prosperar.