Jornal Estado de Minas

editorial

CNJ dá meio passo à equidade na Justiça


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, apesar das resistências, a paridade de gênero no Judiciário. A decisão estabelece que as cortes devem utilizar duas listas para promoção por merecimento, sendo uma exclusiva de mulheres e, alternadamente, outra mista, como tradicionalmente ocorre. Não deixa de ser um avanço, mas, ainda assim, retardará a formação equânime dos tribunais de segunda instância, tornando igual o número de mulheres e homens que aplicam as leis.




 
A mudança de meio passo para a equidade de gênero em todas instâncias está longe de dar cumprimento à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, editada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1979, e ratificada pelo Brasil em 1984, com caráter constitucional. A Constituição Federal de 1988 também contempla paridade de gênero em todas as instâncias de poder, mas também não é cumprida como, supostamente, pensaram os constituintes.
 
Entre os marcos legais e a realidade, há um fosso sistêmico construído e mantido pelo patriarcalismo. A regra é sublimar a capacidade masculina e depreciar as potencialidades femininas. Uma norma que destoa das leis e ignora a composição do tecido demográfico nos aspectos étnico e de gênero. Prevalece a inspiração eurocêntrica e machista, em que homens brancos são os mais competentes e, portanto, indicados para os cargos de poder. Muito eventualmente, uma mulher ou homem afrodescendente chega aos postos de decisão na estrutura do Estado.
 
Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem uma composição hegemonicamente masculina. Ao longo dos seus 138 anos, a Corte teve só três mulheres que ocuparam uma cadeira da Alta Corte – Ellen Gracie Northfleet (2000-2011), Cármen Lúcia (desde 2006) e Rosa Weber (2011 até este ano), e igual número de homens negros – o último deles foi o ministro Joaquim Barbosa, hoje aposentado. Com a aposentadoria da presidente, ministra Rosa Weber, 108,7 milhões de mulheres e 38% delas entre os 16 mil magistrados estarão representadas só pela ministra Cármen Lúcia.




 
A alteração desse cenário, para que haja equidade de gênero e étnica, independe da  vontade dos integrantes do STF. A composição da Corte se dá por indicação do presidente da República e aprovação do Senado Federal. Se o chefe do Executivo escolher um homem para compor o Supremo, a desigualdade fica preservada. Aliás, este tem sido o padrão dos presidentes, que optam por homens brancos para o Supremo, uma tradição firmemente construída e difícil de ser substituída por uma decisão voltada à paridade de gênero.
 
Com a saída da ministra Rosa Weber, há claros sinais de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manterá o padrão: indicará um homem branco para a vaga da ministra. Ele declarou que não pretende considerar gênero nem etnia para a sua escolha. Presume-se que a movimentação das mulheres, como a das ministras do STF, das que estão no Executivo e da sociedade civil, não será capaz de levar o presidente a escolher uma mulher branca ou negra para sentar na cadeira de Rosa Weber. Aliás, nenhuma preta chegou neste patamar, embora muitas, na atualidade, tenham formação e estejam capacitadas, pela atuação no Judiciário, para ocupar uma vaga no STF.
 
A queda das barreiras à ascensão de mulheres e negros não ocorrerá tão cedo em um Brasil que cultiva, às vezes, por descuido, outras, premeditadamente, os valores coloniais, como o machismo, a misoginia, o racismo, enfim, um elenco de preconceitos. Sem um expurgo desses valores superados, o país terá dificuldades de efetivamente ser democrático, justo e orgulhoso pela sua diversidade. n