Jornal Estado de Minas

OPINIÃO

Ilha de calor

Por Cláudia Pires 
Arquiteta urbanista, professora, colunista da Rádio CBN-BH, ex-presidente do IAB-MG, membro do Metrods e Rede ODS Brasil


O arquiteto Mauricio Andrés me ensinou a pensar a ecologia dos homens com dois textos sobre nossa prática profissional: "Uma cidade se forma" e "Migrações de um arquiteto". Tive a honra de, 20 anos depois, prefaciá-los em uma edição compilada, intitulada "Ecologizar".




 
Em leituras de estudiosos adeptos do progresso social com a vida no centro, aprendi qual seria o posicionamento esperado contra ações que, alteram com violência, o estado original da natureza. Vivemos o antropoceno. Na sua condição de modificador da natureza, não só a altera como a danifica. Tudo criado por bilhões de anos se destrói em menos de um século. A consequência deste processo é a alteração no clima com formação de ilhas de calor até mesmo em Belo Horizonte, outrora “Cidade Jardim”.
 
Os diversos avisos sobre os desequilíbrios climáticos ao redor do planeta são observados em nosso microuniverso urbano. Belo Horizonte apresenta-se como uma metrópole extremamente impactada pelo desequilíbrio ecológico. Pesquisadores estudam ilhas de calor como resultante e seus efeitos nefastos no território. O painel de mudanças climáticas local associado a organismos internacionais, agências ambientais foi voltado para a discussão do tema urgente. O Plano de Ação Climática foi lançado no fim de 2022, embora sem maiores envolvimentos da participação popular no drama da emergência climática.
 
Quando penso nos mais pobres, que enfrentam o desafio climático alijados dos aparatos das políticas públicas, me apavoro. As ondas de calor, de frio, a variação climática dos últimos tempos, associadas à impermeabilização do solo, contraposto ao discurso do desenvolvimentismo alienado, assumem proporções assustadoras com desafios a enfrentar. Em especial, nas periferias onde a desigualdade prevalece.




 
Venda Nova é um local onde a impermeabilização e a ausência de cobertura vegetal trouxeram um acréscimo de até seis graus em relação a outras regiões do município, segundo dados deste jornal. Outro local que chama atenção é o Belvedere. Na sanha de desenvolvimento a qualquer custo, criou-se uma estranha barreira de edifícios com interrupção da circulação de ventos que alterou o clima. Esta região possui serras, biomas no entorno que permanecem sob ataques do mercado imobiliário, mesmo que protegidos por lei. A relação dos vazios e cheios, quando o assunto é o meio natural, parece definidor da atenuação das alterações climáticas. A forma urbana tem relação com a redução dos impactos do clima sobre o território.
 
Algo a se observar no relacionamento direto entre a regulação e os investimentos públicos e privados no território. Desenvolvimento de baixo carbono, soluções baseadas na natureza, para pessoas, resiliente e circular estão previstas no plano. Mas como implantar?
 
O Legislativo retrocede em leis que garantem a equidade de direitos, os conselhos são atropelados nos avanços democráticos e os ecologistas lutam pelo sistema verde municipal tendo contra si uma resistência peremptória de grupos avessos a esta pauta.
 
Tampar rios, destruir topos de morro, minerar montanhas, abrir avenidas para carros, verticalizar são indicativos da não aderência do assunto enquanto o plano trata suavemente esta desproporção causada por uma urbanização predatória. A agenda é lenta ao mitigar os impactos nefastos do antropoceno. O plano previu ação continua até 2050, mas, honestamente, tenho dúvidas sobre a sua efetividade.
 
Ouvindo referências no assunto, faz-se urgente refletir sobre novos caminhos. Sair do discurso e tentar exercer a empatia ambiental. Meio ambiente é coisa séria. A temperatura aumentada ameaça o futuro da vida, aumenta as crises de escassez, instala estado de finitude, ameaçando a existência. São ilhas de calor, podem se transformar em arquipélagos, depois continentes. Prestemos bastante atenção nisto.