Jornal Estado de Minas

ARTIGO

Precisamos falar sobre arbitragem


Suzana Cremasco 
Doutora em Direito pela UFMG, professora de processo civil do Ibmec e sócia-fundadora do escritório Suzana Cremasco Advocacia


Arbitragem é um método extrajudicial de solução de conflitos, por meio do qual pessoas capazes – no exercício da sua autonomia privada – fazem a opção por submeter disputas relativas a direitos patrimoniais e disponíveis a um ou mais árbitros que são por elas indicados e que têm a sua confiança para atuar como tal. Esses árbitros são considerados “juízes de fato e de direito” e a sua sentença “não está sujeita a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário”, embora possa ser objeto de ação anulatória, desde que presentes uma das hipóteses legais previstas no art. 32 da Lei 9.307/96, que há mais de 25 anos, disciplina a arbitragem entre nós. 





O Brasil tem, na sua origem, um dos sistemas mais modernos e avançados de arbitragem do mundo e, ano após ano, tem se dedicado à formação de profissionais qualificados para atuarem com o instituto. Não por outra razão, o país ocupa uma das principais posições em número de usuários de arbitragem, vem vendo crescer o número de arbitragens e valores custodiados ano após ano, vem recebendo o ingresso de novos atores e é considerado na comunidade internacional como um local “arbitration friendly”. 

Entre os seus diferenciais, a arbitragem é um método de solução de conflitos ágil – pois as decisões finais são alcançadas de forma bem mais célere que no Poder Judiciário –, que entrega decisões de qualidade – proferidas por profissionais especializados nos temas objeto das disputas e seguro – na medida em que a legislação existente garante a observância do contraditório e da ampla defesa em favor das partes, a imparcialidade dos árbitros no desempenho das suas funções e a necessidade de fundamentação das suas decisões. 

Mas justamente por ser um sistema ágil e contar com o julgamento de questões complexas por especialistas, o uso da arbitragem passou a impor derrotas acachapantes a litigantes que outrora se valiam do Poder Judiciário e de seus muitos desafios (número excessivo de recursos, demora nas decisões e carga de trabalho excessiva de magistrados, por exemplo) para protelar as suas disputas e, não raro, vencê-las. E foi ao alcançar esses litigantes e contrariar os seus interesses, que a arbitragem passou a sofrer, ao longo dos últimos anos, ataques quanto a “parcialidade dos árbitros”, “falta de transparência” e “insegurança”, numa tentativa de descredibilizar o instituto e proporcionar um desvio de narrativa que nem de longe corresponde àquilo que acontece nas centenas de procedimentos arbitrais em curso no país – e o irrisório número de sentenças arbitrais anuladas entre aquelas sentenças proferidas e que são objeto de ação anulatória é dado evidente disso. Como evidente também é quem são os agentes por trás dos ataques, seus interesses e suas motivações cinzentas. 





Não se tem dúvidas de que a arbitragem pode e deve continuar evoluindo, como vem ocorrendo ao longo das últimas três décadas, para que se torne cada vez melhor e mais eficiente. Mas essa evolução, contudo, deve passar pelo debate sério – e especialmente técnico – de eventuais propostas de mudança, que tome em conta a experiência daquilo que é a realidade da arbitragem no país – e não um cenário fantasioso –, e que busque aproximar o sistema brasileiro, cada vez mais, das melhores práticas internacionais e não pretender lançá-lo às trevas e destruí-lo, com prejuízos inimagináveis aos investimentos e aos negócios no país.