Jornal Estado de Minas

A cor do sistema


Rachel Aparecida de Aguiar Passos 
Defensora Pública do Estado de Minas Gerais. 
Mestre em Administração Pública pela Escola de Governo Professor Paulo Neves - Fundação João Pinheiro-MG 



Com a terceira maior população carcerária do mundo (ICPS, 2022), o sistema prisional brasileiro é formado por uma população autodeclarada de pretos e pardos muito superior à dos que se declaram brancos.




A criminalidade é um fenômeno explicado por várias razões, mas a cor do sistema prisional, quando se olha para os encarcerados, pode ser explicada pelas escolhas de políticas públicas que desfavorecem historicamente a população mais vulnerável institucionalizada, a dos pretos e pardos.

Analisando a autodeclaração de cor e raça nos dados colhidos junto ao Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional, do Departamento Penitenciário Nacional – Sisdepen –, Ministério da Justiça, Poder Executivo Federal, verifica-se que 462.567 dos 644.305 indivíduos, mulheres e homens privados de liberdade do sistema prisional, são pessoas que se declaram pretas e pardas, segundo diagnóstico do 14º Ciclo – Infopen Nacional, da população carcerária. Brancos, amarelos e indígenas são 195.967, 6.909 e 1.542, respectivamente (BRASIL, 2023).

A maioria de presos são pessoas pretas e pardas, que englobam os afrodescendentes, em comparação com os brancos, amarelos e indígenas encarcerados no país. A cor do sistema é explicada pela falta de acesso a direitos pelos afrodescendentes no país. Desde a abolição da escravidão, os negros tiveram negado os seus direitos individuais, políticos e sociais, desencadeando na falta de acesso à cidadania por parte dessa população. Nesse sentido, José Murilo de Carvalho escreveu: “Os cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos". (CARVALHO, 2002, p.9).





A desigualdade social ocasionada pela falta de políticas públicas de acesso a direitos aos afrodescendentes os alijou dos direitos de cidadania sob a ótica de uma necropolítica, que é a moderna forma de subjugar a vida e o poder em relação à morte por meio de escolhas políticas (MBEMBE2018), reforçada pela ideia falaciosa de democracia racial (FREYRE, 2006) no Brasil. Políticas públicas desiguais criaram condições desiguais e cidadãos brasileiros desiguais, tendo os afrodescendentes como a massa popular sem acesso a bens de consumo, trabalho e direitos, portanto alvos da criminalidade, que nesse caso é fruto do racismo estrutural.

O racismo estrutural constitui-se em processos de privilégios e desigualdades não naturais, originados de preconceitos, inseridos nas camadas sociais, políticas e econômicas, obstáculos ao acesso à cidadania, por opção legislativa, costumeiras e culturais em desfavor de pessoas afrodescendentes. O preconceito racial apresenta-se pela diferenciação nas características físicas “preconceitos de marca” (Nogueira, 2007, p.287). Já o racismo traz a ideia de discriminar e preconceber de modo pejorativo, excluir a partir de uma ideia anterior para justificar o processo de dominação sobre o negro. É estruturado, arraigado nas relações e instituições sociais, como a falta de acesso a determinados cargos/profissões por negros, amparado por forças repressivas, classificando afim de justificar a exclusão (Assis, 2018). O racismo estrutural é cristalizado na cultura de um povo, mantém a exclusão e a subordinação em um nível social rebaixado, por meio da aceitação generalizada da sociedade. 

Os pretos e pardos encarcerados têm a Defensoria Pública como instituição de acesso a direitos de cidadania, instrumento de garantia de acesso à justiça, constituindo direito fundamental (artigo 5º, inciso LXXIV da CRF/88). A Defensoria Pública deve observar a vulnerabilidade dessa população, buscando a inteireza dos seus direitos, como custus vulnerabilis, que é a verdadeira inclusão dos necessitados no processo de tomada de decisões democráticas (BRAZ, 2021), tentando superar a desigualdade social reverberada na falta de igualdade de tratamento dos cidadãos.

A superação do racismo por meios de políticas públicas de igualdade e de acesso à cidadania reflete na busca da garantia dos direitos humanos no sistema prisional, desponta o conceito de democracia e cidadania, dentro de uma sociedade política de garantia dos direitos fundamentais. É papel da Defensoria Pública instrumentalizar a inclusão cidadã e democrática desses encarcerados em busca de dignidade, incentivando a redução de indivíduos autodeclarados pretos e pardos no sistema prisional.