Jornal Estado de Minas

editorial

Mais rigor contra o feminicídio




No primeiro semestre deste ano, ocorreram 1.153 feminicídios no Brasil, 72% a mais do que em igual período de 2022 (669). Na capital federal, ocorreu aumento de 70,6% (29 casos)  em 10 meses, na comparação com todo o ano passado (17 mortes). Em Minas Gerais, foram 20 crimes até agora, contra 19 em 2022 (alta de 5,3%). O clima de insegurança que afeta a sociedade brasileira torna-se mais denso em torno das mulheres, em boa parte depreciadas, coisificadas ou ignoradas. As políticas públicas, de um modo geral, e, em especial, as de segurança pública não têm conseguido domar a fúria masculina contra a companheira ou ex-parceira.





A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) estabeleceu as punições para a violência doméstica. Em seguida, foi complementada pela Lei do Feminicídio (13.104/2015), que tornou esse crime homicídio qualificado e o inseriu na lista de crimes hediondos, com penas mais altas, de 12 a 30 anos de privação de liberdade. Neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.550/2023, que modificou a Lei Maria da Penha, acrescentando a determinação de que às medidas protetivas de urgência sejam concedidas de maneira sumária, ou seja, no momento em que a vítima fizer denúncia perante a autoridade policial.

Não faltam leis nem decisões judiciais. Ainda assim, as mulheres são vítimas da violência incontida dos homens. Para a primeira brasiliense a assumir uma cadeira de ministra do Superior Tribunal de Justiça, Daniela Teixeira, os níveis de feminicídios envergonham o Brasil. "É algo que precisa de uma solução de todos: Executivo, Legislativo, Judiciário, escola, imprensa", afirmou a ministra.  

Quando a mulher chega ao ponto de recorrer à Justiça em busca de  medida protetiva, ela revela não suportar mais a carga crescente das etapas da violência doméstica. O conflito começou com discussões e, a partir daí, descambou para as agressões psicológica, moral, patrimonial e física (tapas, pontapés, estupro). Na realidade, a vítima antevê que a próxima briga não ficará restrita a xingamentos e surra, mas, provavelmente, poderá ser a última, com a sua morte, por arma branca, de fogo ou estrangulamento. 

Esse desfecho comum não pode ser aceito nem banalizado. Pelo contrário, o final infeliz pode e deve ser evitado, como afirmou a ministra, desde que a polícia aja com seriedade e o juiz aplique com rigor a lei. À mulher, deve ser dado um "botão do pânico", para que tenha meios de alertar a polícia quando o agressor desrespeitar a medida protetiva. 





Nas delegacias, devem existir painéis que permitam fiscalizar os homens a distância, assim como há para o controle remoto do trânsito de veículos. Qualquer passo rumo à residência ou ao trabalho da mulher deverá ser motivo suficiente para contê-lo, evitando mais uma morte por gênero, dando cumprimento à medida protetiva. Condenar o agressor à pena máxima, após o assassinato da companheira ou da ex-parceira, é medida de pouco efeito, pois mais uma vida foi perdida, crianças e adolescentes ficaram órfãos de mãe e marcada pela vergonha e pelos traumas provocados por um pai prisioneiro.

Aumentar o rigor das leis e das punições é decisão insuficiente. O machismo, força propulsora do comportamento inadequado dos homens, exige uma reeducação deles para a vida em família e em sociedade. Hoje há projetos exitosos nesse sentido. Os agressores de mulheres são obrigados a passar por esse processo, a fim de compreender que a superioridade masculina é uma farsa, criada a fim de subjugar, depreciar a mulher e torná-la submissa aos interesses do sexo oposto. É preciso romper essa falsa compreensão, que sustenta um ciclo nefasto e custa muitas vidas. 

Impõe-se imprescindível educar dentro da cultura de equidade de gênero. Exemplos devem partir do Estado, garantindo à mulher espaço nas instâncias de poder, para que a paridade de gênero deixe de ser um anseio, mas uma realidade no Estado democrático de direito.