Patrícia Helena Gambogi Boson
Belo Horizonte
“Você é a(o) culpada(o)!?
Cai no golpe da transferência de dinheiro. Por quê?
Você é burra, é a resposta imediata, de você para você mesma, ou daqueles com quem você teve coragem de confessar tamanha burrice. Ninguém consegue enxergar uma vítima. Você é a(o) culpada(o). Ainda dizem, acompanhando os adjetivos nada elogiosos sobre sua inteligência e sagacidade, o golpe está aí, cai quem quer. Lendo sobre o tema (há tratados), descubro que todos nós somos aptos a cair em golpes, especialmente financeiros, repassando valores e informações para bandidos, os verdadeiros culpados. Em minhas buscas, descubro, por exemplo, que um especialista que escreveu um livro sobre por que somos enganados caiu em um dos maiores golpes financeiros da história. Achei também estudo que comprova que a inteligência e experiência não protegem ninguém contra os golpes, segundo David Modic, acadêmico da Universidade de Cambridge que estuda a psicologia por trás dos golpes de internet (fonte: BBC Future). Impressionante que há casos em que a vítima cai no golpe, após cinco ou mais tentativas frustradas por ela mesma, e em nada muito diferente das outras. Verifico, também, que todos nós temos os mesmos sentimentos, em maior ou menor grau, de culpa e vergonha. Tanto assim que um estudo de 2020 da Comissão Europeia revelou que 40% das vítimas de fraudes não contam o que aconteceu para ninguém, o que alimenta novos golpes e aumenta as estatísticas de vítimas.
Sendo eu mesma uma vítima e conversando com outras, além das buscas de estudos sobre o tema, verifico que na maioria dos casos há todo um contexto que mexe o emocional e proporciona situação de veracidade. Assim, fora os casos em que a vítima quis benefícios sem esforço correspondente, mais raros, o golpe está sempre ancorado em fatos como: um irmão descontrolado que vive apertado de grana; um cartão de alguém próximo recentemente clonado; um cônjuge que destrata a incapacidade de controle financeiro da(o) parceira(o), fraqueza verdadeira junto à culpa e vergonha sobre esse descontrole e à necessidade de provar que é mentira; um líder familiar que distribui afeto e oportunidades de encontros, mas, sem demonstrar, muito carente do afeto que distribui; um nível de cansaço intelectual, de alma e físico grandes; a possibilidade de o bandido conhecer suas pequenas fraquezas e necessidades via redes sociais... Enfim, sempre a coincidir um estado emocional, temporário ou permanente, que desprotege, e um fato. Mas, o que pega mesmo, tempestade perfeita, especialmente para as mulheres e mães, são duas estações emocionais juntas: carência de afeto e altruísmo. Carência momentânea, um dia frágil, ou permanente, solidão mesmo, e muita generosidade, predisposição e vontade de ajudar. Console-se, então, não foi falta de inteligência e nem domínio de suas fraquezas, ‘humano, demasiado humano’, foi excesso de fé na vida e na humanidade, excesso de alegria pela oportunidade de poder ajudar quem se ama. Ou, no máximo, um dia egoísta, no qual você se permitiu escutar palavras doces, acolhedoras, mesmo que falsas, mas há muito escassas. Como, especialmente no Brasil, este tipo de crime tem impunidade quase garantida (não é incrível que com tanta tecnologia não tenham ainda solução para isso?), não sejamos piores, menos crentes e menos generosos para evitar golpes, vamos confiar, conforme o poeta, que o acaso venha nos proteger enquanto andarmos distraídos, até que a busca pela punição para os verdadeiros bandidos seja uma vontade de fato das lideranças competentes.”