Éverlan Stutz
Jornalista, poeta e professor
“A banalização da barbárie é algo bem brasileiro. A cordialidade atribuída ao Brasil não passa de um conto de fadas enfadonho, coisas de intelectuais de gabinete que não vivenciaram a cara da barbárie brasileira nos becos e escadas das favelas deste país-continente. Quando assisti ao vídeo em que o congolês Moïse Kabagambe foi morto, com 14 pauladas, senti uma vergonha medonha de ser brasileiro.
Somos bárbaros quando ficamos indiferentes à execução da vereadora Marielle Franco, somos bárbaros quando ignoramos os oitenta tiros disparados contra um homem negro, somos bárbaros quando banalizamos a morte da travesti Dandara, espancada e morta a tiros no Ceará. Somos bárbaros quando ignoramos a morte, a pedradas, de uma garota trans de 13 anos. Somos bárbaros quando não demonstramos profunda indignação pelo assassinato de um jovem gay do MST que teve o corpo carbonizado. Somos bárbaros quando consentimos as falas preconceituosas de um genocida negacionista que negligenciou a pandemia da COVID-19 desde o início. Somos bárbaros quando aceitamos a intolerância e a violência direcionadas a grupos historicamente vulnerabilizados.
Somos bárbaros quando não percebemos que nossa dor é coletiva, que a violência é gerada a partir da imensa desigualdade social do Brasil, uma discrepância carregada de sangue negro e de trabalho escravo. Somos bárbaros quando não reagimos a grupos de extrema-direita que são contra as cotas em universidades públicas. Somos bárbaros quando negamos nossa barbárie histórica. Somos bem bárbaros quando aceitamos o mal que o atual desgoverno fez ao Brasil em tão pouco tempo. Somos bárbaros quando negamos a ciência e o trabalho incansável do SUS para conter o avanço da pandemia, apesar da barbárie institucionalizada pelo atual desgoverno. Somos bárbaros quando não reagimos à banalização da barbárie. Somos bárbaros quando não aceitamos a diversidade, seja ela qual for. O problema é: até quando?”