Jornal Estado de Minas

Detroit morreu já: antes Detroit do que Beagá

Leon Myssior
Arquiteto e urbanista
 
Outrora uma das cidades mais ricas e pujantes dos Estados Unidos, Detroit é, atualmente, terra arrasada. População em declínio há décadas, bairros abandonados, casas e prédios invadidos, comércios fechados, escolas abandonadas, insegurança e pobreza para todo lado. 




 
Optaram por demolir as construções vazias (para tentar um recomeço), mas o defeito estava no software. Era uma morte anunciada porque, em vez de endereçar os problemas que toda cidade tem, optaram – todos, poder público e população – por incentivar o espalhamento e a mudança para os bairros mais afastados. Como eu disse, o problema era o software.
 
E, se não sobra ninguém para consumir, os comércios fecham, as pessoas e empresas vão se mudando. A produção cultural definha até deixar de existir. 
 
Detroit não morreu por falta de infraestrutura, prédios de escritório, atividades culturais, áreas de lazer, comércio ou serviços; morreu, apesar deles, por falta de gente morando nas áreas centrais. Morreu porque ninguém quis morar em prédios, mas numa casinha (ou casa, ou casona), sozinho num lote, e cada vez mais longe.
 
Se você já leu alguma coisa que eu tenha escrito sobre arquitetura, urbanismo e cidades, se me acompanha aqui na coluna Geleia Urbana, do Estado de Minas, ou no site Caos Planejado, já entendeu onde esse texto vai chegar: sim, em Belo Horizonte, cujo Centro apresenta hoje várias das características que Detroit apresentava 30 e poucos anos atrás.




 
A prefeitura tem se mobilizado nesse sentido, é verdade, mas a eterna desconfiança que o poder público tem do mercado imobiliário mancha – e tira a potência – de qualquer plano. A despeito da grande quantidade de prédios subocupados e vazios no Centro, a dificuldade de revitalizar esses prédios é enorme, e desanimadora. 
 
Mas Detroit está logo ali, à espreita; não convém menosprezar.
 
Numa casa, quanto mais gente para dividir um bolo, maior o problema; numa cidade densa e vitalizada, acontece o contrário: quanto mais gente, mais o bolo cresce e os custos (de fazer o bolo) diminuem.
 
Parece estranho, mas é simples: quanto mais gente vivendo e trabalhando num determinado espaço geográfico (um bairro), menor o custo do transporte público; é mais gente sendo transportada ao mesmo tempo, e com trajetos menores (menores porque, com densidade e sem restrição de uso, os empregos estão logo ali).




 
O mesmo vale para a infraestrutura de abastecimento de água (redes de abastecimento com percursos menores), para as redes de esgoto e drenagem, internet, energia e gás. E continua valendo para o asfalto, passeio, meio-fio, iluminação pública, placas e sinalização.
 
Vale, ainda, para o consumo de combustível e emissão de poluentes, já que menos ônibus estarão circulando, mais carros estarão nas garagens e mais gente se deslocará a pé ou de bicicleta (como fazem, atualmente, os europeus).
 
Sempre a mesma lógica.
 
E para quem achava que eu estava falando de mercado imobiliário, ledo engano; estamos falando de gestão de recursos públicos, produtividade, inclusão e cidadania.




 
Enquanto várias coisas são reduzidas, outras podem aumentar, como por exemplo a quantidade de pessoas usando os parques e praças públicas, participando da programação cultural, usufruindo do sistema educacional, do lazer, exposições, museus e centros culturais, sem falar da proximidade com os hospitais e centros de saúde. 
 
Mais importante, garante igualdade de condições e oportunidades, a partir do momento em que todos têm acesso à mesma infraestrutura, lógica igualmente válida para os hospitais e centros de saúde, para as atividades culturais, para os espaços de lazer e, importantíssimo, proximidade e acesso aos melhores empregos.
 
Um cidadão “integral”.
 
E, se o município pretende perseguir objetivos como inclusão e cidadania, só atualizando o software.  n