Você já ouviu falar em manejo sustentável da terra? Esse é um procedimento baseado em estudos que visam à integração da gestão da terra, água, biodiversidade e de outros recursos ambientais para atender às necessidades humanas e, ao mesmo tempo, sustentar os serviços e meios de subsistência do ecossistema.
A Fundação Renova, organização responsável pela reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, na região de Mariana, usa esse conceito para executar uma série de ações que têm apresentado novos horizontes aos produtores rurais com propriedades atingidas pelo desastre.
A iniciativa foca na reparação dos primeiros 100 km atingidos, pautada em práticas produtivas mais sustentáveis e adequadas às condições ambientais previstas na legislação. Gabriel Kruschewsky, especialista em programas socioambientais da Fundação Renova, explica as primeiras ações tomadas para o início do trabalho de reparação.
“Essas regiões tiveram uma grande deposição de rejeitos e, por isso, foram priorizadas. Como ação emergencial, trabalhamos com a revegetação com espécies de rápido crescimento, que foi capaz de evitar que os rejeitos chegassem às margens dos rios”, esclarece, acrescentando que também foram executados trabalhos de bioegenharia para recuperação das margens e das calhas dos rios.
Para que essas práticas cheguem ao produtor rural, a Renova conta com a atuação de parceiros como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater/MG). O órgão de assistência técnica mantém um banco de dados prévio com informações que vão desde produtores familiares até propriedades mais robustas, que ajudam a definir as prioridades do trabalho.
Primeiros passos de reparação
A estratégia de reparação busca envolver os produtores em rotinas de aperfeiçoamento que disseminem práticas agroecológicas, diversificação da produção, gestão da propriedade, manejo racional da produção agropecuária, além da conservação de recursos naturais, como solo e água.
Neste sentido, Gabriel Kruschewsky ressalta que a participação dos produtores é imprescindível. “Após o projeto de revegetação, o segundo passo foi trabalhar na recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs). Essa etapa é extremamente importante e, para isso, foi fundamental a ajuda dos produtores locais, que participaram de maneira voluntária na recuperação das matas ciliares”, esclarece Kruschewsky.
A partir das ações emergenciais, o banco de dados da Emater foi acionado para definir as próximas fases. De acordo com o coordenador técnico estadual de Irrigação da Emater (MG), João Guimarães, duas análises foram feitas para que fosse possível traçar o melhor plano de recuperação.
“O diagnóstico foi realizado com uma ferramenta conhecida como ISA (Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas), usada junto ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e, baseado no diagnóstico, apresentamos o plano de adequação e recuperação das propriedades”, explicou o coordenador técnico.
Por meio do ISA, indicadores como fertilidade do solo, gerenciamento de resíduos, diversificação da paisagem e vegetação nativa são analisados ao longo dos recintos rurais. Para isso, elas recebem notas que variam de 0 a 1.
Ainda segundo João Guimarães, também foi realizado o Zoneamento Ambiental Produtivo (ZAP) de quatro sub-bacias hidrográficas, entre a barragem de Fundão e a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como Candonga. “O ZAP disponibiliza uma base de dados com informações para subsidiar o aprimoramento da gestão ambiental por sub-bacia hidrográfica. Isso envolve a elaboração de planos, pactos e ações, além da definição de indicadores para acompanhamento e avaliação. O ZAP ajuda a fazer uma análise das propriedades em sua totalidade”, conclui.
Além da Emater, outras entidades colaboram na construção de soluções, como a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas de Gerais (Epamig) e a Universidade Federal de Viçosa (UFV), para fomentar a integração das ações.
Ao todo, 235 propriedades estão envolvidas. Nelas, 246 km de cercas foram refeitos, 180 hectares de pastagens com maior produtividade foram plantados e 12,6 mil toneladas de silagem para alimentação dos animais foram distribuídas.
Também foram elaborados diagnósticos (ISA) em 204 propriedades, cadastros ambientais de 229 e há 196 projetos conceituais de Plano de Adequação Socioeconômica e Ambiental (Pasea), entregues pela Emater.
Desde 2017, já foram realizadas ações de recuperação das Áreas de Preservação Permanentes (APPs), como cercamento e plantio de espécies nativas; práticas conservacionistas como construção de barraginhas e caixas secas, recuperação de pastagens com correção e preparo do solo, adubação e semeadura, plantios agrícolas, Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) e implantação de Unidades Demonstrativas (UDs).
O produtor rural Ricardo Sávio, do distrito de Chopotó, em Ponte Nova (MG), ressalta que o trabalho próximo tem garantido mais tranquilidade, principalmente porque tem mostrado avanços. “A gente tá mais tranquilo porque já temos as nascentes cercadas com árvores plantadas. O piqueteamento do gado já está pronto e já estamos levando algumas vacas em alguns piquetes e a área às margens do rio já está cercada. Também temos barraginhas prontas para acumular água, é uma beleza!”, comenta.
Ele também destaca o relacionamento facilitado com os técnicos responsáveis pelo acompanhamento. “A turma que vem trabalhar é gente boa. A gente se dá bem. Já estamos em processo final e, graças a Deus, não tenho nada a reclamar. Todo o pessoal que trabalha aqui desenvolve uma relação de respeito com o outro. São nota 10”, frisa.
Readequação ambiental das propriedades
A Fundação Renova tem trabalhado junto aos produtores rurais a partir do Plano de Adequação Socioeconômica e Ambiental. O objetivo é orientar os produtores a realizarem mudanças na forma de trabalhar, seja na produção, na comercialização, no manuseio da terra ou na propriedade de forma geral. Neste sentido, o Pasea orienta a comunidade produtiva acerca do que precisa ser melhorado, dos investimentos necessários e demais detalhes em consonância com as normas do Novo Código Florestal.
A participação é uma decisão exclusiva do produtor, que pode apresentar, ou não, interesse em ser incluído no plano. Atualmente, 184 planos executivos do Pasea foram elaborados e estão em processo de distribuição.
As ações diretamente relacionadas ao Pasea foram iniciadas, ainda em 2016, logo após a fase emergencial. De lá para cá, as equipes técnicas realizaram, entre 2016 e 2018, o Zoneamento Ambiental Produtivo (ZAP). Já em 2017, iniciou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), ação que segue até 2022, cumprindo exigência do governo federal para todas as propriedades rurais do país.
Também desenvolveu visitas para levantamento dos Indicadores de Sustentabilidade em Agrossistemas, conhecendo a forma como as terras vinham sendo trabalhadas em cada local; iniciou as ações de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER); ministrou as primeiras capacitações dos produtores e iniciou a etapa de adequação ambiental com restauração florestal de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e recuperação de nascentes.
Mas o trabalho não parou por aí. Ainda em 2018, foram dados os primeiros passos para integrar os produtores rurais às rotinas de manejo ecológico de pastagens, sistemas agroflorestais e plantio de mudas nativas para fins econômicos. Além disso, conscientização e capacitação em práticas de conservação e de uso do solo e da água fizeram parte do cronograma e seguem até 2021.
Outras atividades também estão no calendário futuro do Pasea, como plantio de hortas e pomares, captação e distribuição de água, retomada das atividades agropecuárias, recuperação e incentivo à produção agropecuária e fases de reforma e construção.
O produtor Sebastião Salvador, do município de Rio Doce, explica que possui duas propriedades e uma delas, às margens do rio Carmo, foi incluída no Pasea. Segundo ele, das ações previstas já foram executadas as de melhoria de acesso à propriedade, cercamento da Área de Preservação Permanente (APP), construção de 12 barraginhas para captação de águas de chuvas, além do início da calagem das pastagens.
“Outras ações também estão previstas, como a construção de curral, cercamento da Reserva Legal, divisão de pastagens, construção de cômodo para picadeira, construção de galinheiro, instalação de caixa d’água com 10 mil litros para o bombeamento e fornecimento de água para o curral, bem como a construção de saleiros e de embarcadouro para bois”, lista Sebastião Salvador.
Propriedades modelo
Uma estratégia dessa frente de atuação é o desenvolvimento de 25 unidades demonstrativas de produção sustentável dentro de áreas atingidas. Elas ocorrem em 21 propriedades e servirão como modelo de produção sustentável dentro das áreas atingidas, atuando como referência para outras 235 propriedades.
Os modelos serão divididos em pastagem ecológica com 15 unidades; silvicultura de nativas com cinco unidades e, por fim, sistemas agroflorestais, com outras cinco unidades. As diretrizes do Pasea são consideradas em todos os casos. A iniciativa é fruto da parceria com a WRI Brasil, Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (ICRAF) e Fazenda Ecológica.
Melhoramento genético
Vários programas de geração de renda e melhoria de vida vêm sendo implantados, como ajuda aos produtores locais. O melhoramento genético do gado foi um deles. O programa atende a 170 proprietários rurais de Mariana, Barra Longa, Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce e Ponte Nova.
“A maior parte dos produtores locais é de leite.A gente tem ajudado a melhorar geneticamente esses animais, além de auxiliar em todos os processos de produção, seja com equipamentos ou treinamento”, comenta Gabriel Kruschewsky, especialista em programas socioambientais da Fundação Renova.
Segundo produtores locais, os resultados têm se mostrado cada vez melhores. “Após o rompimento da barragem, a nossa média era de 8 litros, por vaca. Hoje nossa média é superior a 10 litros , por vaca. Mas, eu pretendo chegar a 20 litros por animal”, comemora o produtor rural Wagner Luís Rezende, de Barra Longa (MG).
Vale ressaltar que, além do melhoramento genético dos animais, o programa também avalia as condições sanitárias e de nutrição dos rebanhos. Os produtores também recebem assistência técnica e orientação para administrar as terras. “Antes eu fazia só a anotação do leite que tirava no dia. Hoje, a gente tem cadastro de todos os gastos, custos fixos da propriedade e do concentrado gasto com as vacas. Aí, conseguimos fazer um balanço melhor ao fim do mês”, conclui Wagner Luís.
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