Jornal Estado de Minas

AÇÕES DE REPARAÇÃO

Famílias atingidas planejam como serão suas vidas em reassentamentos

Moradoras de Bento Rodrigues durante visita às obras de reassentamento - Foto: Fundação RenovaOs impactos às comunidades de Mariana e Barra Longa (MG) ocasionados pela passagem dos rejeitos do rompimento da barragem do Fundão, em 2015, envolvem aspectos sociais e culturais que vão além da perda material. Localizadas nos 113 quilômetros iniciais (de Fundão até a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como Candonga), região que recebeu o maior volume de lama, os subdistritos Bento RodriguesParacatu de Baixo e Gesteira foram destruídos integral ou parcialmente. Isso fez com que as famílias precisassem deixar o local e fossem acomodadas em moradias temporárias até que suas casas definitivas sejam entregues pelo programa de reassentamento, uma das frentes mais importantes do processo de reparação e compensação executado na região pela Fundação Renova.
 
Ao todo, cerca de 430 famílias farão parte dos reassentamentos coletivos. Bento Rodrigues reúne o maior público, com cerca de 220 famílias. Paracatu de Baixo vem na sequência, com quase 150. Outras 37 famílias serão reassentadas em Gesteira. Atualmente, a Fundação Renova aluga casas para cerca de 300 famílias na região de Mariana e Barra Longa.
 
O objetivo do processo de reassentamento é o retorno dos costumes e da organização das comunidades que perderam suas casas nos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira. As moradias e as áreas onde estarão os equipamentos públicos atenderão às necessidades levantadas pelos futuros moradores, preservando seus hábitos, relações de vizinhança e tradições culturais e religiosas.
 
O diálogo para reconstrução das áreas teve início ainda em 2016.
De lá para cá, foram registradas 1.800 manifestações das famílias que serão reassentadas e foram realizadas mais de 1.900 reuniões coletivas e individuais dessas famílias com os arquitetos da Renova. Para a escolha do local, foram analisadas mais de 24 propriedades e a aprovação dos projetos urbanísticos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo aconteceu em assembleia com participação das famílias.
 
Em Bento Rodrigues, o terreno escolhido, chamado de Lavoura, com 398 hectares, foi sugerido por “Seu” Zezinho Café, morador do subdistrito, e escolhido pela comunidade entre três terrenos em 2016. Em fevereiro de 2018, depois de 14 oficinas, o projeto urbanístico foi aprovado pela comissão dos atingidos com 99,4% dos votos.
 
Para Paracatu de Baixo, um terreno com 390 hectares, chamado de Lucila, também foi escolhido em votação pelas famílias que serão reassentadas. E em setembro de 2018, com 97% dos votos favoráveis, as famílias aprovaram o projeto conceitual urbanístico em assembleia.
 
O terreno para o reassentamento de Gesteira foi comprado em dezembro de 2018. O projeto segue em desenvolvimento e aguarda aprovação.
 

Reconstrução individualizada para cada família

 
Com os terrenos e projetos urbanísticos aprovados, como é o caso das comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, começam os trabalhos de planejamento das moradias. A proposta elaborada pela Fundação Renova deve garantir condições de habitabilidade e acessibilidade, além do respeito ao estilo de vida familiar e comunitário. Somente após ser considerado satisfatório pelos moradores, o projeto é enviado para a Prefeitura de Mariana, para fins de emissão de alvará.
 
A individualização na concepção das casas é uma diretriz.
Cada futuro morador é atendido por um arquiteto contratado pela Renova. “Toda família tem um arquiteto. Hoje, são 40 profissionais diretamente ligados ao atendimento, além de arquitetos de suporte e auxiliares”, ressalta Alfredo Zanon, especialista em projetos e obras da Renova.
 
“A primeira fase do projeto é o encontro das famílias com o arquiteto. Nessa fase, a Renova esclarece para os moradores, de maneira coletiva, como será o processo de atendimento, todos os direitos das famílias e fala da importância de se ter um projeto arquitetônico. Na segunda etapa, que chamamos de “lembrar”, ocorre o encontro individual do arquiteto com a família. Eles fazem o exercício de recordação, para que os moradores descrevam como era a casa. Os arquitetos fazem croquis, as famílias levam fotos etc.”, elucida o especialista.
 
A partir dessa escuta, é desenvolvido um projeto, que é submetido ao futuro morador. Só quando se chega a um resultado satisfatório e aprovado, o projeto é considerado pronto para ser licenciado, junto à respectiva prefeitura.
 
“Esse processo já está em andamento em Bento Rodrigues e será implementado também em Paracatu de Baixo e Gesteira.
As casas projetadas têm em média 130 m² e seguem os preceitos de dignidade e de moradia preconizados pela ONU, como número de banheiros compatíveis com a quantidade de moradores, quartos separados para os filhos de cada sexo etc. Todas as moradias serão entregues mobiliadas”, esclarece Zanon.
 
O projeto de reassentamento e todas as ações de reparação, definidas em conjunto com os próprios moradores, respeitam os aspectos sociais, econômicos e individuais. O modelo aprovado prevê não apenas a reconstrução das casas, mas também a retomada do modo de vida e das relações de vizinhança.
 
Além disso, os projetos envolvem as especificidades de cada família. “Como ela ocupava o quintal? Havia horta, pomar? Galinheiro? Quantos cômodos havia? Existe alguém com necessidades especiais que demande adaptação das casas? Havia cômodos suficientes para todos os integrantes da família? São detalhes importantes no processo de reconstrução. Nem sempre as famílias querem que as casas sejam construídas de forma idêntica às antigas, muitas querem novas estruturas”, pontua.
 
O morador Antônio do Nascimento, conhecido como Da Lua, relata que a fase de alinhamento entrou no quarto ano e, no entanto, apenas três casas tiveram a construção iniciada e nenhuma concluída. “Dentro desse prazo, já deveríamos estar com 50% do projeto concluído. Mas, hoje, nem a terraplanagem foi concluída e os prazos foram reajustados. A casa da minha família, por exemplo, que é a da minha mãe, ainda não foi iniciada. Eles fizeram os desenhos da casa, mas ainda não foi aprovado pela prefeitura”, postulou o morador. 
 
Segundo a Fundação Renova, os prazos do reassentamento são diretamente influenciados pelo processo coletivo e deliberativo definido para tomada de decisões, estabelecido nas diretrizes do reassentamento definidas com a comunidade, comissão de atingidos e assessoria técnica, com acompanhamento do Ministério Público. Todos os assuntos que podem impactar os prazos do reassentamento estão sendo tratados no âmbito de uma Ação Civil Pública, em discussões realizadas em audiências judiciais que contam com a participação do Ministério Público, mantenedoras, representantes dos atingidos, além da Fundação Renova.
Vale ressaltar que se trata de um processo de aprendizado mútuo e que, a partir das definições coletivas, os processos individuais avançam. Atualmente, as previsões de conclusão foram revistas para o final de 2020. 
 
 
 
São quatro etapas principais de alinhamento para a construção das casas. A primeira busca definir a área de direito de cada núcleo familiar e como era a apropriação do espaço. Depois, a família inicia a criação do projeto com o acompanhamento do arquiteto. Uma terceira fase marca o período de ajustes, tendo em vista que muitos projetos passam por alterações, devido às condições de execução ou solicitações diretas da família. 
 
Por fim, vem a escolha dos materiais para construção e entrega, momento em que os reassentados definem os acabamentos da residência. Para isso, uma área com mostruário de todos os materiais foi estruturada com pisos, revestimentos, tintas, torneiras, pias e outros recursos de representantes locais. A área funciona de forma semelhante a uma loja, onde as famílias vão, escolhem o que mais gostam e a compra é feita pela Fundação Renova.
 

Participação social em todo o processo

 
Perder família ou amigos, sua casa, seu bairro e sua vila da noite para a dia é um processo profundamente traumático. Além de toda a dor da perda, as famílias foram obrigadas a se mudar para um local provisório em que não havia o apoio de suas comunidades da mesma forma que antes. Devido a esse momento ímpar que os moradores de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira vivem, o lado social do processo de reassentamento se torna crucial.

Segundo Raineldes Melo, gerente social do programa de reassentamento, a etapa de mediação é uma das mais importantes do processo de reassentamento.
 
“Nós temos um corpo técnico multidisciplinar que faz o gerenciamento social. Ou seja, a intermediação junto às famílias, assessoria técnica, comissão, todos os espaços de participação popular, no sentido de mediar as discussões para aplicação das diretrizes que foram pactuadas.
Toda a parte de acompanhamento da família, desde a moradia temporária até a conclusão do projeto, passa pelo processo social”, explica.

Ainda de acordo com a gerente social, a assistência social é atuante em todas as etapas do processo de reassentamento.
 
“Nós estamos presentes em todas as reuniões, fazemos toda a escuta com as famílias atingidas, esclarecemos as diretrizes acordadas e negociamos quando surge qualquer tipo de demanda por parte dos moradores. Os arquitetos, por exemplo, trabalham juntamente aos assistentes sociais, para que seja possível chegar a um acordo mediante a expectativa de cada família”, relata Raineldes.
 
Outro ponto importante desse processo participativo é que a cada 15 dias, normalmente aos sábados, as famílias se reúnem para visitar as obras do reassentamento e acompanhar o andamento dos projetos. O processo de construção das novas vilas também tem um acompanhamento diário de quem vai morar nos locais. Isso porque a iniciativa gerou cerca de 4 mil postos de trabalho, que foram direcionados prioritariamente à população de Mariana. Assim, muitos assentados participam diretamente da construção de suas futuras casas.
 
Profissionais durante construção das primeiras casas em Bento Rodrigues - Foto: Fundação Renova
 
A reconstrução das áreas de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira devem levar em conta as características culturais que ajudam a manter vivas as tradições de cada uma das comunidades. As igrejas, por exemplo, são um ponto essencial para a organização comunitária.
 
Em Bento Rodrigues, por exemplo, foram criadas várias maquetes com opções de estrutura para a comunidade opinar e escolher. No entanto, quando os moradores viam o projeto, queriam saber onde estavam localizadas as igrejas de Nossa Senhora das Mercês e de São Bento.
 
“Foi quando percebemos que as igrejas eram verdadeiras referências para os subdistritos, indo muito além do cunho cultural e religioso. Os moradores perguntavam onde as igrejas iriam ficar e, a partir da visualização, conseguiam ter noção sobre onde suas casas seriam reconstruídas. Além disso, a procissão era realizada saindo da igreja de Mercês, que ficava na parte alta do distrito, e terminava na igreja de São Bento, na parte baixa. No entanto, havíamos invertido a localização delas no projeto e os moradores destacaram, prontamente, que queriam as igrejas posicionadas como estavam originalmente”, frisa Zanon, especialista em projetos e obras da Renova, explicando que a mudança foi feita como pedido. 
 
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