Jornal Estado de Minas

MEDICINA DO FUTURO

Desafios do trabalho diário no combate ao novo coronavírus

* Especial para o EM

O que tem sido mais difícil para a enfermeira Aguida de Almeida, de 47 anos, é o fato de os filhos cobrarem gestos afetuosos como abraços e beijos e ela não poder dá-los. Com 20 anos de profissão, a coordenadora do setor neonatal de um hospital público da Região Metropolitana de Belo Horizonte nunca viu tantas mudanças desde o anúncio dos primeiros casos de COVID-19 no Brasil.



A rotina de cuidados da enfermeira neonatóloga sempre foi constante. Ela e o marido são enfermeiros e mesmo antes da pandemia, os dois, antes de chegar em casa, retiravam a roupa e os calçados.

Hoje, o casal percebe que a maior mudança está relacionada às questões do afeto. “Não é fácil a distância de convívio dos meus familiares e amigos. Meus pais moram no interior, são idosos e pertencentes ao grupo de risco, bem como a família do meu esposo. Desde o início do ano não os vejo, assim como meus irmãos.”
 
 
 
O carinho recebido pelo sobrinho de 2 anos, por meio de beijos e abraços, foi o que recarregou as energias da técnica de enfermagem Vanessa Soares, de 37.

Ela passou o mês de junho em casa, após o Hospital Vila da Serra, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, adotar, entre outras medidas, as férias como prevenção à COVID-19. Quando voltou, Vanessa se deparou com um cenário totalmente diferente. “Já são cinco funcionários confirmados, um deles é o coordenador do CTI, que está internado e intubado.”

A técnica de enfermagem acredita que o vai e volta da flexibilização em Nova Lima fez com que muitos moradores e visitantes não levassem tão a sério o isolamento. Diante disso, a falta de contribuição da população é hoje o maior desafio a ser enfrentado no combate à doença.





A disseminação rápida do vírus tem sido outro desafio. A enfermeira Elisangela Batista da Cruz, de 38, que coordena a barreira sanitária do Gameleira, acredita que a importância de valorizar a profissão ganhou mais visibilidade após a pandemia do novo coronavírus.

“O desgaste físico e emocional já era notável há muito tempo devido à carga horária de trabalho, porque a maioria dos profissionais acaba tendo a necessidade de ter dois empregos para complementar a renda familiar. Com a pandemia, tanto o desgaste emocional quanto o físico vêm se tornando cada vez mais visíveis”, diz.

Segundo levantamento do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren/MG), até o final de junho, 777 profissionais de enfermagem foram infectados pela COVID-19, sendo que três morreram: um em Contagem, um em Juiz de Fora e um em Capitão Enéas.



Para a presidente do Coren/MG, Carla Prado Silva, além do medo da doença, os profissionais estão cautelosos ao sair às ruas. Alguns não usam mais o branco no trajeto e outros escondem a profissão dos vizinhos. “A situação é surreal, pois esse profissional deveria ser reverenciado e não agredido. Já tomamos conhecimento de agressões físicas e verbais sofridas por profissionais de enfermagem.”
 
 
O médico Luiz Fernando Pereira de Noronha, intensivista do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, chegou a ficar 40 dias afastado das filhas, esposa, mãe e irmão
 
Episódios de grosseria e falta de paciência já foram presenciados pela coordenadora da barreira sanitária, mas segundo a enfermeira, também existem pessoas que reconhecem o valor do profissional. “Um senhor fez questão de entrar na barreira para dizer o quanto somos importantes, o quanto tem orgulho de nós e que estamos em suas orações todos os dias. São pessoas como esse senhor que nos dão forças e incentivo a continuar com nosso trabalho.”

SEM PRAZO 


Os cuidados referentes aos profissionais da área da saúde devem ser constantes e, por isso, a ciência do comportamento é melhor forma de impedir a propagação. No hospital onde Vanessa Soares trabalha, desde março são feitas reuniões periódicas para tratar do assunto.



Também há uma equipe de educação continuada e de segurança do trabalho que está disponibilizado máscaras de filtro triplo para todos os visitantes de pacientes internados, e os horários de visitas foram reduzidos.

No hospital público onde a coordenadora neonatóloga Aguida Almeida trabalha, as medidas de precaução também estão mantidas, sem prazo para terminar. “Todos os colaboradores do hospital, independentemente do local de trabalho, foram treinados e capacitados sobre a COVID-19. Alguns trabalhadores, como gestantes ou outros de grupos de riscos, foram afastados ou designados para trabalho remoto.”
 
 
Equipe que trabalha na UTI com o médico intensivista Lucas Timm (é o quarto na foto a partir da esquerda) na Santa Casa
 
De acordo com a diretora de assistência em saúde da Prefeitura de Belo Horizonte, responsável pelas barreiras sanitárias, Renata Mascarenhas, estão sendo testados todos os profissionais da enfermagem com sintomas respiratórios e os demais que estão na linha de frente. Também está em andamento o apoio psicológico aos profissionais, por telemonitoramento.





EQUIPE 


Um time completo de profissionais do maior hospital 100% SUS de Belo Horizonte, a Santa Casa de Misericórdia, tem sido a maior companhia do médico intensivista Lucas Timm Pisoler. Em uma UTI estão na linha de frente, todos os dias da semana, quatro médicos, três enfermeiras, três fisioterapeutas, um nutricionista, quatro técnicos de enfermagem, um técnico de radiologia e uma psicóloga.

No pós-plantão, o desgaste físico e emocional dá sinais de que é hora de descansar, mas, segundo o médico, desligar-se do trabalho não é tão fácil assim. “O corpo denuncia o cansaço físico com dores e necessidade de um bom período de sono, mas a preocupação com o andamento da pandemia também tem sido o maior motivo de insônia”, diz.

A existência do medo é compartilhada com a esposa como forma de desabafo. “Ela também é médica e a nossa preocupação é de que o número de casos de COVID-19 e outros doenças que já existem continuem ocorrendo e crescendo, chegando ao ponto de a capacidade do sistema de saúde não aguentar atender a todos e pessoas morrerem sem a oportunidade de assistência adequada.”





Segundo Lucas, todos os que trabalham em UTIs passam por um aumento muito grande da carga de trabalho e novas funções. “Vejo que todos fazem com amor e preocupados em oferecer o melhor cuidado aos pacientes. Também tivemos novos colegas médicos e da equipe multidisciplinar com menos experiência entrando na equipe e isso tem exigido dos mais experientes atenção e cuidados com treinamento e orientação”.
 
 
Técnica de enfermagem Vanessa Soares, de 37 anos, voltou das férias e se deparou com um cenário ainda pior
 
O desafio de não contaminar um familiar é outro enfrentado por toda a equipe que trabalha nos centros de terapia intensiva, dedicados aos pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19. Esse é, inclusive, o principal fator de estresse na vida do médico Luiz Fernando Pereira de Noronha, intensivista do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro. Ele já chegou a ficar 40 dias afastado das filhas, da esposa, mãe e irmão.

A necessidade de que toda a sociedade tenha mais atenção com os profissionais de saúde é vista diariamente por Luiz Fernando. “Por parte da população, o isolamento social, os cuidados com a higiene das mãos e o uso das máscaras são fundamentais no combate ao novo coronavírus e possibilita aos órgãos competentes prepararem estruturas para receber os pacientes gravemente enfermos”, recomenda.


audima