Jornal Estado de Minas

O futuro em construção

Integrar para transformar

Transformar Brumadinho, na Região Central de Minas, e deixar um legado positivo no território, além da mineração. A tradução desse marco vem na implementação de qualidade de vida de forma integrada, dando oportunidade de desenvolvimento à população, tanto econômico quanto social, sem deixar de lado aspectos da inclusão. 


 
A proposta, um dos pilares do plano de reparação da Vale para a cidade pelo rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em janeiro do ano passado, está sendo concretizada com ações e projetos de fomento socioeconômico de Brumadinho. Depois de postos em prática, eles permitirão às cidades se desenvolverem, diversificando e fortalecendo suas economias.
 
Não só o fomento econômico está no radar da mineradora, mas também questões voltadas ao saneamento (ligadas à temática da saúde), geração de emprego e renda e requalificação urbana. Esses aspectos permitem avançar em termos de qualidade de vida, de maneira independente da atividade minerária, conforme explica a gerente de Reparação e Compensação dos Municípios, Fátima Chagas. 
 
“O grande desafio vai para além da gestão do impacto. É reparação, é compensação. Deixar um legado positivo nesse território, contribuindo para a qualidade de vida e possibilitando o desenvolvimento da região com conexão dos saberes locais, a exemplo do que pode ser feito na agricultura. O estímulo ao protagonismo dos atores locais também é muito importante para a consolidação da mudança de patamar dessa qualidade de vida”, afirma.


 
De acordo com Fátima, é jogar luz numa outra forma de fazer negócio, numa abordagem moderna do desenvolvimento, historicamente atrelado à mineração nessas localidades. “Enxergar territórios de forma integrada servirá de exemplo para nós mesmos (Vale) e outras corporações”, diz.
 
“É um projeto ambicioso, mas só assim se consegue impulsionar a diversificação econômica e produtiva e melhora de qualidade de vida dos territórios atingidos, promovendo esse direito de a sociedade ter cidades mais sustentáveis. É a forma mais estruturante de se atuar quando se enxerga o território não só de forma mais integrada, mas envolvendo todos os atores”, destaca a gerente.
 
Atores esses – poder público e sociedade – que, juntos e de forma colaborativa, cada um no seu papel, passaram a pensar estrategicamente essa mudança de vocação em projetos que contemplam emprego e renda, focam na incubação de empresas como potenciais negócios, fortalecem a agricultura, impulsionam o turismo e dão força e protagonismo às organizações sociais. 


 
A gerente de Fomento Econômico, Flávia Soares, lembra que o processo significa mais que um conjunto de projetos, mas a transformação de uma realidade histórica. “Não é algo que temos expectativa de ter resultado absoluto em curto prazo. Começamos a trabalhar, mas com a conscie%u0302ncia de que precisaremos nos articular com vários atores”, afirma.

Estratégias


Debruçar-se sobre as controvérsias da relação do território com a mineração não só econômica, mas também social, foi o princípio para estruturar estratégias e programas a serem implantados. 
 
“Há uma identidade por trás que explica como esse povo se organiza, molda sua cultura e forma de viver em torno da atividade minerária. Fazemos estudo de vocações, de levantamento de cadeias produtivas e que têm potencial de ser ampliadas”, diz Flávia, ressaltando que nada disso será imposto pela empresa à cidade.


 
As bases de Brumadinho para uma nova economia serão construídas coletivamente, com escuta ativa da população e do poder público. Essas bases passam por questão de logística, mobilidade e infraestrutura como um todo, incluindo saneamento e telecomunicações. “E tem, principalmente, a base humana. Não se faz uma nova economia sem investir em educação, em mudança de perspectiva. Para mudar é preciso trabalhar com educação de base, com outra perspectiva e outro olhar.”
 


Da sala de aula para o mercado

Novos aprendizados para outras perspectivas financeiras. Desde novembro do ano passado, moradores de Córrego do Feijão e do Parque da Cachoeira participam de aulas de capacitação em oficial e jardinagem.
 
O projeto de aprendizagem profissional foi idealizado e é conduzido pelo Instituto Yara Tupynambá, com o objetivo de aumentar a empregabilidade local e atender às necessidades de qualificação exigidas pelos mercados da construção civil e jardinagem. 


Uma outra iniciativa está em andamento para a comunidade Parque da Cachoeira e também de Pires – orientação profissional e vocacional, cujo trabalho está sendo mapeado e desenvolvido pela Associação Civil de Referência Socioambiental, Cultural e Esportiva (Acresce).
 
A parceria da Vale com o instituto é anterior à estruturação da área de fomento e visa dar às comunidades melhores condições de moradia. O Yara trabalha capacitando os moradores para atuarem nos setores da construção civil e da jardinagem e os alunos fazem as reformas – eles podem indicar até duas casas para serem reformadas e receber jardim.
 
Os trabalhos estavam previstos para começar no mês passado, mas, devido à pandemia do novo coronavírus, os planos foram adiados. Atualmente, os 120 alunos continuam tendo aulas, mas a distância.
 

No primeiro momento, 140 casas serão reformadas. A adesão ao curso superou as expectativas, com direito a turma extra e lista de espera. Em Córrego do Feijão, a aula inaugural, na véspera do Natal, ficou lotada. “Esses projetos, embora não sejam suficientes para a retomada produtiva, são uma pecinha do quebra-cabeça. Há muito o que fazer e a meta passa por inclusão social”, afirma a gerente de Fomento Econômico da Vale, Flávia Soares.


 
Não é a primeira vez que o Yara Tupynambá participa de um processo de reparação. Na ocasião do rompimento da barragem em Muraí, na Zona da Mata mineira, o instituto propôs curso de pedreiro e pintor e 150 casas atingidas pela lama foram recuperadas. 
 
“Não apenas a formação de mão de obra para o mercado está em jogo, mas, sobretudo, o aspecto comportamental. Quando o aluno trabalha, faz o curso, e o subproduto é a reforma ou restauro de algum bem ligado à sua comunidade, aumenta seu sentimento de pertencimento. Ele tem a consciência de que ajudou a fazer. E isso muda tudo”, relata o diretor-presidente do Instituto Yara Tupynambá, José Theobaldo Júnior.
 
Para o desempregado Douglas Moreira Storari, de 18 anos, aluno do curso de oficial de pedreiro, essa é uma chance para subir um degrau de um sonho muito maior. O pai é pedreiro e ele o ajuda sempre que pode.
 
“Achei uma oportunidade de aprender para ensinar ao meu pai coisas que porventura ele não sabe”, conta. Para o futuro, ele imagina muito bem os dois trabalhando juntos na empresa que poderão abrir. “Porque depois que eu acabar o curso pretendo fazer faculdade para ser projetista.”



Alfabetização 


Sete pessoas que eram analfabetas estão aprendendo, em paralelo, também a ler e a escrever. “A vida já exclui as pessoas a todo momento. Nosso projeto é um processo de inclusão”, ressalta Theobaldo. “É um resgate com possibilidade de transformação, de entender que as pessoas, independentemente da idade, estão aptas a aprender. Que aprendizagem não tem idade e, a todo momento, pode voltar a sentar numa cadeira de escola e ser alfabetizado, mesmo aos 50 anos. Para moradores de Brumadinho, é o resgate da dignidade humana.”