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Feminismo da diferença

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As redes sociais mostram que o número de mulheres que se autodeclaram feministas aumentou consideravelmente nos últimos anos. Na passagem do Dia Internacional da Mulher, comemorado hoje, não é possível mensurar exatamente quantas são as feministas, mas é bem perceptível como o debate público contemporâneo é pautado pelo feminismo. No entanto, ao mesmo tempo em que se amplificam as agendas do movimento, cresce a desinformação causada por estereótipos associados ao feminismo e às feministas. Além de reivindicar igualdade de direitos e lutar contra o sexismo, as feministas precisam empreender ação para explicar o que é o movimento, em todas as suas vertentes, e deixar mais claros os conceitos norteadores.



Nessa direção, quatro lançamentos jogam luz ao movimento: O feminismo é para todo mundo – Políticas arrebatadoras (Rosa dos Tempos), de Bell Hooks, Outra educação é possível – Feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula (Mazza Edições), de Luana Tolentino, Debates feministas – Um intercâmbio filosófico (Editora Unesp), de Seyla Benhabib, Judith Butler, Drucilla Cornell e Nancy Fraser, e Explosão feminista (Companhia das Letras), organizado por Heloisa Buarque de Holanda.

Aclamada intelectual negra, Bell Hooks defende que o feminismo é para todo mundo e por isso atua para construir movimento de massa e não uma luta de nicho e sectária. O livro apresenta de maneira direta os principais temas que envolvem o movimento, das políticas feministas às discussões de padrões impostos às mulheres, passando por conceitos como sororidade e sexismo e violência contra as mulheres. Bell Hooks lembra que, apesar do avanço do movimento, ainda há muita desinformação sobre o que é o feminismo. Teórica feminista, Bell acredita que a produção acadêmica, que abarca debates acalorados entre as diferentes abordagens, precisa tratar do tema com linguajar mais próximo às pessoas comuns.

“Ao ouvir que todas as reclamações sobre a teoria feminista são ‘muito acadêmicas’ ou ‘muito cheias de palavras que a galera não entende’, senti que, de alguma forma, o movimento tinha falhado, já que não conseguimos esclarecer para todo mundo as políticas feministas”, afirma Bell Hook. Ela se propôs a escrever um livro fácil que explique o pensamento feminista e incentive as pessoas a adotar políticas feministas. Mas, embora a crítica de Bell Hooks seja extramente relevante, vale lembrar que o debate entre teóricas feministas contribui de maneira expressiva para a filosofia política e teoria social, como demonstra o livro de Seyla Benhabib, Judith Butler, Drucilla Cornell e Nancy Fraser.



Bell usa o próprio exemplo para demonstrar como as pessoas não compreendem quando ela se apresenta como feminista e costumam associar o movimento a ideias equivocadas e, por vezes, fantasiosas. “Mas teoria feminista – é nesse ponto que as perguntas param. A tendência é eu ouvir tudo sobre a maldade do feminismo e as feministas más.” Bell lista os estereótipos associados às feministas: elas odeiam homens, elas querem ir contra a natureza (e deus), todas elas são lésbicas, elas estão roubando empregos e tornando difícil a vida de homens brancos.

A escritora defende o debate de forma a afastar o medo e as inverdades sobre o feminismo. Ressalta que o movimento é para homens, jovens e idosos. “Feminismo é um movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão.” A definição demonstra que tanto homens quanto mulheres de todas as idades podem ter pensamentos e comportamentos sexistas.

DAS SUFRAGISTAS
ÀS REDES SOCIAIS


Os quatro livros propõem reflexões críticas sobre a atuação do movimento. É preciso pensar o feminismo de forma a interseccionar classe, raça e gênero. Em outras palavras, o sexismo gera opressão de diferentes ordens contra as mulheres, tanto econômicas quanto de reconhecimento. Bell Hook afirma que mais do que lutar por direitos iguais entre homens e mulheres, cabe ao feminismo lutar contra o sexismo. Com essa perspectiva, ela demonstra como é importante questionar padrões estéticos. “Desafiar o pensamento sexista em relação ao corpo da mulher foi uma das intervenções mais poderosas feitas pelo movimento feminista contemporâneo”, diz Bell

As obras abordam as diferentes fases do movimento, que tem a primeira onda com a luta das sufragistas pelo direito ao voto, no início do século 20, e chega à quarta onda, que trata dessa explosão feminista, que ganhou visibilidade, principalmente, nas redes sociais. Heloisa Buarque de Holanda organiza a coletânea de artigos sobre o movimento a partir da ideia do feminismo da diferença.



Heloísa Buarque propõe reflexão sobre os feminismos: transfeminismo, feminismo negro, feminismo asiático, feminismo cristão, feminismo indígena. Para discutir as diferentes abordagens, ela convida mulheres intelectuais que discutem cada um dos temas, como Cidinha da Silva e Stephanie Ribeiro, que tratam do feminismo negro; Érica Sarmet que fala do feminismo lésbico; e Helena Vieira e Bia Pagliarini Bagagli, que tratam do transfeminismos.

Heloísa retrata o debate sobre abordagens que fazem o enquadramento das lutas feministas a partir da justiça econômica, a ideia da redistribuição ou do reconhecimento das demandas apresentadas por esse grupo social. A autora diz que uma alternativa a essas duas abordagens é a agenda da justiça política.

O FEMINISMO É PARA TODO MUNDO
Bell Hooks
Rosa dos tempos
175 páginas
R$ 37,90
R$ 26,91 (e-book)

EXPLOSÃO FEMINISTA
Heloisa Buarque de Holanda
Companhia das Letras
532 páginas
R$ 55,90
R$ 19,95 (e-book)

DEBATES FEMINISTAS
Seyla Benhabib, Judith Butler, Drucilla Cornell e Nancy Fraser
Editora Unesp
271 páginas
R$ 52,00
R$ 45,92 (e-book)

OUTRA EDUCAÇÃO É POSSÍVEL

Luana Tolentino
Mazza Edições
120 páginas
R$ 35,00


Entrevista

Heloísa Buarque de Holanda,

professora e escritora

"O feminismo hétero, branco, considerado universal, não cobria as demandas das mulheres em suas especificidades"

Você aborda o conceito de feminismo da diferença. Em que medida as diversas abordagens fortalecem o movimento feminista?     

Sei que à primeira vista essas divisões parecem fragmentar e enfraquecer o feminismo. Mas, na realidade, o feminismo hétero, branco, considerado universal, não cobria as demandas das mulheres em suas especificidades. O capítulo sobre o feminismo da diferença mostra isso claramente. E temos que reconhecer que até recentemente só eram atendidas (quando eram...) demandas das mulheres brancas. De forma sutil, a luta das mulheres negras talvez seja até anterior às das brancas. No desenvolvimento do feminismo começam a se tornar mais e mais visíveis as questões gays, lésbicas, indígenas, asiáticas, e, mais recentemente, o transfeminismo . Essas mulheres e suas demandas sempre foram”menores” na pauta do feminismo “universal”, que detinha o privilégio de fala. Hoje, vivemos um momento emergencial de confronto em defesa da diversidade dos “lugares de fala” que muitas vezes gera conflitos, mas que é necessário para serem ouvidos os vários feminismos e atendidas suas diferentes situações de opressão. O diálogo virá, assim que essas falas estiverem tão fortalecidas quanto as do privilégio.    

Você trabalha a partir de qual marco temporal para falar sobre a “explosão feminista”? O que caracteriza essa explosão?  

Trabalho com dois marcos. O das marchas de 2013, que define novas formas de fazer política horizontal, sem protagonistas, nem intermediários. O outro é a chegada das mídias sociais e seu poder de difusão, articulação e formação de redes de interesse que, sem dúvida, são responsáveis diretas pela explosão que estamos vivendo.     

Como definir a quarta onda do feminismo?  

O proativismo. A quarta onda não faz projetos. Defende direitos que considera adquiridos (às vezes de um ponto de vista otimista demais) e age. Age, divulga, agrega e confronta o machismo com armas inventadas a cada dia, sejam hashtags, testemunhos, comportamento, performances. Vai ser difícil calar essas minas maravilhosas.     

Em termos de direitos das mulheres e luta contra o sexismo, como você avalia o momento atual pelo qual o Brasil passa?  

O Brasil e o mundo estão num momento conservador, especialmente no que diz respeito aos direitos de gênero, que são curiosamente chamados de “ideologia de gênero”. A afirmação identitária não é da ordem da ideologia, é da ordem dos direitos humanos. Pode haver uma diminuição da visibilidade e do volume de som dessas lutas, mas retrocesso, não creio.



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