James “Jim” Dixon é um sujeito que mede sua vida por cigarros. Até o almoço pode fumar dois. Antes do chá das cinco já mandou mais três para o pulmão. E, depois da gosmenta sopa de músculo da pensão onde vive, tem direito a um último morrete. São os melhores momentos de seu dia como professor de história numa pequena e provinciana universidade inglesa. Jim é um angry young man, “um jovem homem raivoso”. Na realidade, assim seria definida a geração do inglês Kingsley Amis (1922-1995), um dos principais escritores britânicos do pós-guerra, como o poeta Philip Larkin e o dramaturgo Harold Pinter. Eles são ácidos no comentário dos costumes de uma Inglaterra conformada, obesa e saudosista.
Em um mundo de mesquinhez e aparências, Jim é o cidadão mediano, sempre sem dinheiro, aparência apenas aceitável e roupas surradas. Porém, dotado de inteligência que falta a seus pares, dá vida a um personagem raro: o homem sensível. Ele está obrigado às mais humilhantes sujeições. O chefe de seu departamento, Welch, é pedante, senil e explorador, além de ter uma esposa elitista e conservadora. Margareth, a colega candidata a namorada: histérica, frígida e manipuladora. Outro professor, Caton, que tem de aprovar um artigo substancial para sua sobrevivência acadêmica, o enrola e acaba plagiando seu texto sobre a Inglaterra medieval. Ele detesta o tema, mas o escolhe apenas porque nenhum outro colega quer, o que o livra de qualquer competição.
Cercado de tédio e almas pequenas, Jim se revolta, e tal qual o troiano Heitor, da Ilíada, parte para o ataque, ainda que a vitória seja improvável, numa epopeia suicida.
Quem não sabe bem o que significa o termo “humor inglês” tem aqui um manual completo. Certo de uma iminente derrota, Jim se mune de sarcasmo e desprezo para enfrentar os colegas afetados com galhardia de bufão, o que lhe dá alguma chance. A ótima tradução de Jorio Dauster ajuda, mas, claro, não dá conta das especificidades do texto original, até porque uma das principais armas de Amis são os sotaques e modos de falar que emulam todas as regiões e classes sociais da estratificada sociedade inglesa.
Em determinado momento, nosso herói Jim precisa apresentar uma palestra sobre a “Inglaterra feliz”, tema sugerido pelo nostálgico chefe Welch. Pista para entender a obra, essa Inglaterra utópica remete aos tempos pré-industriais, bucolismo campestre, saraus com flauta doce, a cerveja ale com gosto de casa. Enfim, à natureza intocada do mundo dos personagens de Robin Hood. Aparentemente inofensivo, esse tipo de saudosismo na Grã-Bretanha pós-guerra levaria ao acirramento conservador, que descambaria mais tarde, na Europa, para o puritanismo, o racismo e o nazismo.
Não à toa, em época de neoconservadorismo, não é apenas a graça escrachada que torna o lançamento de Lucky Jim, pela primeira vez no Brasil, bastante relevante e atual. O londrino Kingsley venceu em 1986 o Booker Prize por Old devils.
* Jornalista e escritor
TRECHO
DO LIVRO
“A ideia de que mulheres como Christine não eram nunca vistas senão como propriedade de Bertrand lhe era tão usual que há muito deixara de ser encarada como injustiça. Para Jim, a classe que englobava Margareth estava destinada a lhe proporcionar uma companheira. Uma daquelas em que uma saia justa demais, um batom de cor errada ou nenhum batom, até mesmo um sorriso mal executado, podiam de imediato desfazer qualquer ilusão de modo irreparável. Mas a esperança renascia. Um suéter novo servia para reduzir o tamanho dos pés, algumas canecas de cerveja emprestavam encanto aos comentários sobre teatro londrino ou culinária francesa”