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|Alagoa Grande (PB) – Município da Paraíba, com 28,4 mil habitantes, a 118 quilômetros de João Pessoa, Alagoa Grande recebe gente do Brasil e do mundo, que chega lá em busca dos primeiros passos de um dos nomes disruptivos da música brasileira. Há exatos 100 anos, a serem completados amanhã, nascia José Gomes Filho, fruto da união do oleiro Zé Gomes e de Flora Mourão, cantadora de coco.
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Alceu Valença: Jackson me ensinou que para cantar frevo tem que ter queixadaO homem que amou os livros (e, nem tanto, os escritores)Tarantino, o cineasta que recria a história em nome da vidaDomingo, 18 de agosto de 2019. Por toda a cidade era possível avistar motocicletas aos montes. A presença denunciava que o vaqueiro do sertão, montado a cavalo, gibão e chapéu de couro – imagem essa de um sertão imaginário –, não é a única do homem e da mulher nordestina.
O Estado de Minas foi à Paraíba, por ocasião das comemorações do centenário de Jackson do Pandeiro, para ouvir especialistas, músicos populares e nomes que despontam da música contemporânea – como mostramos no vídeo #praentender: por que ouvir Jackson do Pandeiro. No entanto, por generosidade, a Paraíba dá sempre mais: no domingo de céu nublado e chuva fina, no Memorial Jackson do Pandeiro, testemunhamos turma de 50 alunos que tocavam sucesso de Jackson com flauta doce, escaleta e lira.
Ela tem na ponta da língua sucessos como Sebastiana, de 1953, e Como tem Zé na Paraíba.
Mas o nome artístico que Jackson adotou não foi aprovado pela mãe, como revelado no livro O fole roncou! Uma história do forró (Editora Zahar), de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues. "Mas é isso mesmo... Eu batizo um filho com nome de José, e vem o diabo trocar o nome para um tal de Jack que eu não sei de onde saiu nem por onde entrou!", disse a mãe.
Criado em 2008, o Memorial Jackson do Pandeiro, em Alagoa Grande, ocupa um casarão azul com janelões.
'Sonoridade planetária'
Jackson viveu infância pobre, mas, desde muito cedo, se encontrou na música levado pelas mãos da mãe cantadora de coco. Depois da morte do pai, foi com a mãe para Campina Grande, em 1930, cidade economicamente pujante, no início do século 1920, pela exportação de algodão, o ouro branco. Antes de se tornar músico profissional, Jackson teve outras ocupações. Trabalhou com entregador de pão e ajudante em padaria. Quando decidiu se dedicar exclusivamente à música, teve oportunidade de tocar bateria, mas escolheu o pandeiro. "Baterista vou ser o segundo, o terceiro , eu quero ser o primeiro.Depois, mudou-se para João Pessoa e conviveu na Rádio Tabajara com a geração herdeira de Severino Araújo, o grande maestro da Orquestra Tabajara. Jackson também foi para Recife para inaugurar a Rádio do Jornal do Commercio, em 1948. "Participou de diversos grupos, diversas formações. Montavam as orquestras e dividiam os grupos para os programas variados durante o dia. Era tudo ao vivo.
Em 1953, lançou Sebastiana, até contrariado. Era uma revista de carnaval, ele queria cantar uma marchinha, um frevo.
Além de Campina Grande, João Pessoa e Recife, o Rio de Janeiro também conquistou Jackson, que demorou a ir à capital fluminense por medo de avião. Ele estranhou a Cidade Maravilhosa à primeira vista, para depois eternizá-la na letra de Xote de Copacabana: "Eu vou voltar que não aguento/ O Rio de Janeiro não me sai do pensamento". O rei do ritmo morreu em 10 de julho de 1982, em Brasília, por complicações do diabetes.
Mistura de música regional com música nacional
Jackson do Pandeiro esmaece a fronteira entre música regional e nacional com sucessos que foram muito populares. "Jackson pode ser percebido como figura que vai mesclar, amálgama mesmo, o que é música nacional e o que é música regional. Ele elucida, coloca as cartas na mesa: a cultura popular e a música popular não têm como ser cristalizadas em conceitos criados academicamente. Ela é múltipla, ela é caleidoscópica nesse sentido. Ela foge das categorias", afirma a pesquisadora Manuela Fonseca Ramos, que fez a dissertação "Na levada do pandeiro: a música de Jackson do pandeiro entre 1953 e 1967".
A lista é enorme. "Costumo dizer que todos os grandes gênios estão à frente do seu tempo. Geralmente, não são compreendidos no período em que estão. Eles têm olhar muito na frente", diz o músico e produtor Sandrinho Dupan, curador da exposição.
E essa descoberta ocorre no Brasil todo, destaca Sandrinho. "BH tem uma cena de forró fortíssima, quando vou lá, encontro jovens que estão descobrindo coisas, estão trocando ideias, que tocam as músicas, que eu penso: nossa, esse pessoal conhece isso. Como paraibano, conterrâneo de Jackson, a gente vê que a música dele chegou muito longe e rompeu barreiras". Jackson também é reverenciado por jovens músicos, como os que integram o grupo vocal e autoral Quadrilha, formado por Elon, Guga, Pedro Índio Negro e Amorim.
"O Jackson foi a figura mais completa trafegando pela música brasileira: tocou samba, twist, coco, forró, samba jazz, entre vários outros gêneros. Também tocou com Dominguinhos, Gal Costa", lembra Vhinny, que está à frente dos projetos Forrozim, promovido uma vez por mês no Sabático, na Rua Sapucaí, além de fazer a curadoria musical do Ziriguidum, que, há 15 anos, promove festas de forró todas as terças e quintas na capital mineira.
Inspiração em múltiplas fontes
Até os 35 anos Jackson não sabia ler nem escrever. Aprendeu com a segunda mulher, Almira. Mas era genial em termos musicais. Tocou diversos instrumentos e inovou na divisão rítmica. "João Bosco deu um exemplo bem feliz: falava, para o leigo entender, que o cantor normal era um passageiro que estava na estação. O trem chegava, ele entrava e seguia a viagem. Jackson era um passageiro que estava na estação. O trem chegava, ele entrava, mas, depois, ele estava dentro. Ele brincava com essa coisa de elasticidade do tempo. Conseguia deixar a coisa acelerar e depois pegar. Ele conseguia atrasar e depois chegar no tempo certo", explica Sandrinho.Jackson buscava inspiração em múltiplas fontes e a religião era um manancial para ele. A sonoridade dos terreiros de candomblé ou a filosofia do Universo em desencanto. "A fase racional foi momento bem importante. Momento que teve interação maior com religiosidade, assim como Tim Maia e vários artistas no Brasil tiveram. Ele participou desse momento e podemos perceber nas letras: falava da salvação, mãe natureza. Fica bem evidente no disco Alegria minha gente, que também é título de uma música", diz Betinho Lucena, do grupo Os Fulanos.
Os afros batuques também aparecem na obra. "Jackson coloca os afro batuques. Pega totalmente o nosso som mais primitivo, a questão da África, tudo que envolveu os batuques", completa. Essa fase foi apresentada em show preparado por Cabruêra e Os Fulanos, que abriu o Festival de Inverno de Campina Grande, que, neste ano, homenageia o músico de Alagoa Grande.
Jackson e Gonzaga: os dois reis
A Região Nordeste deu à música brasileira Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, e Jackson do Pandeiro, o Rei dos Ritmos. Mas como foi a convivência entre dois reis nesse território? Como cada um participou da criação desse Nordeste imaginário? Há quem diga que não eram amigos. Mas a melhor posição sobre a relação dos dois é definida pelo secretário de Cultura e Turismo de Alagoa Grande – terra natal de Jackson –, Marcelo Félix: há um pouco de verdade e há um pouco de lenda sobre a desavença dos dois.Marcelo Félix completa: "Estima-se que esse mito da disputa midiática entre Jackson e Luiz Gonzaga, os dois reis da época, também tinha um 'quezinho' de ciúme pela grandiosidade de um e pela grandiosidade de outro. Essa música, Forró em Caruaru, traz muito disso".
Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, em O fole roncou! Uma história do forró, narram o encontro de Jackson com Gonzaga no programa de rádio que Jackson apresentava com Adelzo Alves. O Rei do Baião chegou de maneira inesperada, trazendo frisson ao auditório, onde estavam Abdias, Zé Calixto, Nelza, Cícero e Tinda. O encontro foi descrito assim: