Passaporte para universos reais e imaginários ao alcance de todos. A textura, o cheiro, a companhia do livro comprovam: essa tecnologia não está superada e tampouco a experiência de ler em impresso pode ser substituída pela versão digital. Velho, antigo, do século 15, o livro ainda seduz pessoas de todas as idades, até jovens que nasceram depois de o mundo se conectar pela Web. Concebido como objeto, o livro está no centro da produção da editora e gráfica Impressões de Minas, no Bairro Floresta, na Região Leste de Belo Horizonte. O artista plástico e geógrafo Wallison Gontijo e a mestre em literatura Elza Silveira deram continuidade à gráfica criada pelo sogro de Wallison, Osvaldo da Silveira, no Bairro Planalto. Em 2010, os sócios compraram uma offset monocolor, a única da pequena gráfica, e uma guilhotina semi-industrial. Levaram o maquinário para o Floresta para escrever o próximo capítulo da Impressões de Minas. Investiram em maquinário que permitia cortes especiais e relevos tipográficos diversos. Entenderam que a artesania era o caminho.
E foram além. Com o propósito de valorizar o fazer gráfico foi criado o Espaço Impressões. “Muitos parceiros nossos diziam que gostariam muito de ir ver a produção do livro, enquanto está rodando. Vem, vê, filma. Vai ter impressão em tipografia, um corte, um relevo ou a própria impressão tipográfica, como é isso? Adoram ver. Isso traz um retorno ao ofício gráfico, ao fazer livro”, diz Wallison. A editora se abre para quem quer acompanhar os processos de impressão. Em outubro, serão realizados dois cursos – Xilogravura popular e introdução à literatura de cordel, com Olegário Alfredo, e Poesia Visual e experimentações, do multiartista Binho Barreto, parceiro da editora.
''O autor senta junto, traz o texto, vamos entender o trabalho dele, entender como se encaixa na nossa produção editorial. Trabalha do texto à impressão final do produto, à distribuição. O ciclo de vida do livro a gente faz''
Wallison Gontijo, artista plástico e geólogo, sócio da editora e gráfica Impressões de Minas
Wallison e Elza perceberam que para lutar contra a crise no mercado editorial a melhor tática é apostar no que o livro tem de único. Voltar no tempo para resgatar jeitos de fazer e mostrar a mágica de tornar pensamento, sentimento, história, desenho em papel. Resgataram diferentes técnicas de impressão: offset, tipografia, xilogravura, impressão digital.
Numa rua tranquila do Bairro Floresta, o som da tipografia apura o ouvido de quem chega. A editora pulsa em diferentes ritmos, a depender do conceito pensado para a publicação. Pode estar a pleno vapor, com a máquina offset, ou mais silenciosa na xilogravura. O certo é que o coração da editora não para numa produção orgânica dos títulos.
Como que protegido por um útero para a vida que se forma, o livro é nutrido para nascer forte e cumprir o ciclo de vida. Cada título tem uma história: a concepção, a gestação, cada etapa do planejamento visual, a impressão da capa e do miolo, as estratégias para chegar às mãos dos leitores e se instalar, de vez, no terreno das memórias. Tudo é cuidado como se cuida de uma vida; afinal, os escritores costumam confirmar: o livro é mesmo um filho. “O autor senta junto, traz o texto, vamos entender o trabalho dele, entender como se encaixa na nossa produção editorial. Trabalha do texto à impressão final do produto, à distribuição. O ciclo de vida do livro a gente faz”, conta Wallison. A capa pode ser em xilogravura e o miolo impresso em offset em uma cor pantone ou ele pode ser todo impresso com tipos móveis.
Wallison tem uma equipe que participa de todo o processo artesanal do livro. No dia do aniversário de 30 anos, na última quarta-feira, Camila Gonçalves Gomes estava concentrada na tarefa de dobrar as páginas uma a uma da publicação do artista Sérgio Kall e Monica Toledo. “Tenho que prestar muita atenção. Uma folha virada traz erro para o livro todo.” Ela finalizava a montagem do livro Avencas, com dobra e costura artesanal. “Queríamos que o objeto escrito e o objeto livro andassem juntos. Queremos livros que conversem com o que está lá dentro”, diz Wallison. Um exemplo é o livro Dicionários de imprecisões, de Ana Elisa Ribeiro: só há uma orelha destacável, que pode ser usada como marcador de páginas, no miolo papel vegetal. Enfim, o projeto gráfico pensado a partir da ideia de imprecisão.
'VALORIZAR O OFÍCIO DE GRÁFICO'
Colocar o livro no centro é também valorizar o ofício de gráfico, um trabalho que tem perdido espaço frente ao advento da impressão digital. “Valorizar o ofício do fazer livro, da impressão, ofício da gráfica. Ofício lindo, o gráfico.” Os livros também recebem o tratamento de Gilson Zeferino, de 70 anos, gráfico há cinco décadas. “Comecei como chapista”, recorda-se do início numa tipografia em Caratinga, onde trabalhava com o tio. “Imprimir é transformar a matéria-prima bruta. É muito mágico. Corre no sangue.” Quando vê o livro impresso o sentimento se confirma: “Dei vida ao que o artista produziu”. O tempo de estrada fez com que ele tenha vivido a evolução de cada uma das técnicas. “Comecei na tipografia. Tudo muito artesanal. A mão de tintca não secava bem.”
A distribuição é parte importante do ciclo de vida do livro. Wallison e outros editores entenderam que é preciso fazer com que as publicações cheguem aos leitores. Os livros são expostos em livrarias, mas vão literalmente para a rua. A editora participa das feiras Textura, realizada quatro vezes ao ano em parceria com o Agosto Butiquim; Urucum, feita em parceria com a designer Rita Davis na Casa Guaja, no Bairro Funcionários, semestralmente. Em parceria com o multiartista Binho Barreto está sendo planejada a Feira Curupira, apenas com títulos infantis, que será realizada em 5 de outubro n'A Central, na Praça da Estação. A feira dedicada às crianças está cheia de novidades: o Duelinho de MCs, um sarauzinho, contação de história e muita música com o Tremelengue. “As editoras têm que criar meios para que os livros cheguem às pessoas”, diz.
Outro trunfo da editora é a qualidade dos autores, com artistas de vários campos: escritores, músicos, poetas, artistas plásticos. As publicações saem pelo selo Jubarte, para livros infantis; Leme, de poesia e prosa; e Impressões de Minas. Ainda há uma parceria com Monica Toledo, que criou o selo Bloop para livros de arte. Na cartela de produtos, a Impressões de Minas conta com livros como Carlos Viaja, de Tulipa Ruiz, com ilustração de China; Perímetro urbano, de Binho Barreto; Gratifica-se quem me encontrar, de Marília Pires e Rita Davis. Em geral, a tiragem é de 200 a 300 exemplares. Uma publicação de Otto está no forno.
Das técnicas mais antigas, a tipografia se caracteriza pela criação e impressão de tipos. Offset também é uma técnica de impressão utilizada desde a segunda metade do século 20, que conjuga alta qualidade e tiragens maiores. Trata-se de um processo analógico em que é preciso fazer os fotolitos, com a mancha a ser impressa, que depois se transformam em chapas de alumínio, que imprimem na blanqueta, que imprime no papel. A impressão é indireta e o papel passa pelo cilindro de borracha. Na xilogravura, os moldes recebem a tinta e são delimitados por fios e ramas. Uma bobina pressiona o papel contra a superfície com a tinta. É uma técnica que se assemelha ao carimbo.
CURSOS
Xilogravura popular e introdução à literatura de cordel, com Olegário Alfredo
1º, 8, 22 e 29 de outubro.
Inscrições até 27 de setembro: (31) 3492-2383
Poesia visual e experimentações, com Binho Barreto
9, 16, 23 e 30 de outubro
Inscrições até 4 de outubro
Local dos cursos: Espaço Impressões:
Rua Bueno Brandão, 80/loja 2. Floresta, BH.