As obras do quadrinista mineiro Marcelo Lelis são habitualmente ambientadas em cidades pequenas de ruas de pedra, com casinhas de tijolos e igrejas antigas. Seus personagens estão costumeiramente descalços, vestindo roupas simples, à vontade nos cenários bucólicos do autor. Seja em seus trabalhos mais fantásticos ou naqueles encenados nos dias atuais, seus panos de fundo e protagonistas parecem sempre alheios a qualquer tipo de tecnologia digital.
A recém-lançada Reconexão foge à regra. Vários dos padrões de Lelis ainda se fazem presentes, mas a HQ de 48 páginas desenhadas em grafite e publicada pela Abacatte Editorial tem como foco a presença crescente de tecnologias digitais na rotina das pessoas.
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“No meu dia a dia vejo como o uso excessivo da tecnologia e a vivência do mundo virtual têm afetado as pessoas, indistintamente da idade que têm”, afirma Lelis.
Reconexão tem início com a mãe do jovem Luiz pedindo para que o filho largue o celular e vá jogar bola com os amigos que o aguardam no campinho de terra em frente à sua casa. O garoto se esquece dos colegas, investe no joguinho em seu aparelho e é transportado para uma realidade paralela habitada por robôs que patrulham o local contra a presença das crianças perdidas que acabam por lá.
Detido, o menino é levado para o setor de achados e perdidos. “Mas eu não sou um objeto!”, exclama Luiz para seu captor. “Meu filho, não se engane, nessa indústria somos todos objetos”, responde o robô 3POXN. A partir daí, o livro retrata o empenho do menino em escapar da cilada virtual na qual acabou misteriosamente inserido.
Detido, o menino é levado para o setor de achados e perdidos. “Mas eu não sou um objeto!”, exclama Luiz para seu captor. “Meu filho, não se engane, nessa indústria somos todos objetos”, responde o robô 3POXN. A partir daí, o livro retrata o empenho do menino em escapar da cilada virtual na qual acabou misteriosamente inserido.
Lixo tecnológico
O cenário virtual no qual o protagonista do quadrinho acaba preso é novidade no imaginário de Lelis e representou um desafio para o autor. Ele concebeu um ambiente formado por placas de computador, fusíveis e conectores, peças e tecnologias com ar retrô, futuristas mesmo para um passado já distante.
“Salvei um monte de fotos de placas, de componentes e também pesquisei alguns nomes dessas peças para ficar no contexto. O resto foi só imaginação mesmo. Fui montando tudo, buscando coerência”, diz o quadrinista.
Lelis exemplifica essa busca por coerência com os resíduos tecnológicos depositados no mar que cerca a ilha na qual está instalada a prisão para a qual Luiz é levado: “Imaginei que esse lixo deveria estar depositado no fundo do mar, que é um dos lugares mais puros da Terra e também um dos mais sensíveis aos agentes poluentes”.
Grafite e photoshop
A relação entre tecnologias digitais e “o mundo real” acaba se fazendo presente também nas técnicas utilizadas por Lelis para a construção de Reconexão. O livro foi ilustrado com lapiseira, com grafite 2B, em cima de papel sulfite reciclado. Depois, as artes foram digitalizadas e coloridas no Photoshop. Mesma técnica usada pelo artista para sua obra mais recente no concorrido mercado francês de quadrinhos, Popeye, com o roteirista Antoine Ozanam.
“A paleta de cores e o jeito de pintar em aquarela são tão fortes em mim, que até os franceses às vezes se confundem pensando ser uma aquarela realmente”, conta Lelis.
Além dos avanços que permitem reproduzir com fidelidade extrema os efeitos dos pincéis de uma aquarela, a colorização digital possibilita que o autor agilize todas as suas produções.
“Imagine só, construir todo um cenário que tem que se repetir por todas essas páginas, dar vida a um sem-número de personagens que precisam estar coerentes fisicamente durante toda a sequência do livro, me ater aos prazos curtíssimos da produção do livro e ainda cuidar de minha carreira como ilustrador e escritor de livros infantis. Por isso tudo, tenho optado pelo digital”, diz.
*Ramon Vitral é jornalista e editor do blog Vitralizado
RECONEXÃO
De Lelis
Abacatte Editorial
56 páginas
R$ 43
Lançamento: 26 de outubro, às 10h30, na Livraria Ouvidor Savassi – Rua Fernandes Tourinho, 253, Belo Horizonte
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