Um pênalti decisivo. Sob a trave, braços estendidos e olhar cravado na bola, uma senhora de vestido abaixo do joelho e sandálias. Diante desta, o jovem batedor posiciona o pé esquerdo de apoio e transmite confiança para o chute de direita. Quem parte para a cobrança, de sapatos engomados e calça de linho clara, é Milton Nascimento, tendo diante dele, no gol, Walda Tiso, mãe de seu melhor amigo, Wagner.
A foto, registrada por volta de 1969, na cidade de Alfenas, Sul de Minas, tem como cenário um bucólico quintal delimitado por um canteiro, árvores, vasos de plantas e um muro baixo. Ainda que a pose caricata do batedor, os trajes e a idade da goleira criem um ambiente improvável e jocoso frente à câmera naquele terreiro convertido em campo de traves feitas de pau, a imagem gera apreensão para o que se seguiria à batida. Fora daqueles muros interioranos, o Brasil entrava no momento mais agudo de repressão e fechamento do campo democrático após a instalação do AI-5 na ditadura civil-militar.
A fotografia faz parte de um álbum de família que inclui outros registros de intimidade dos dois amigos em meio aos Tiso Veiga. A vida de ambos também entrava num segundo tempo à época, com a mudança de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro havia poucos anos. A partir daquele momento, passariam a integrar e a mudar a história da música brasileira junto a outros amigos, num movimento que viria a se chamar Clube da Esquina.
A foto, registrada por volta de 1969, na cidade de Alfenas, Sul de Minas, tem como cenário um bucólico quintal delimitado por um canteiro, árvores, vasos de plantas e um muro baixo. Ainda que a pose caricata do batedor, os trajes e a idade da goleira criem um ambiente improvável e jocoso frente à câmera naquele terreiro convertido em campo de traves feitas de pau, a imagem gera apreensão para o que se seguiria à batida. Fora daqueles muros interioranos, o Brasil entrava no momento mais agudo de repressão e fechamento do campo democrático após a instalação do AI-5 na ditadura civil-militar.
A fotografia faz parte de um álbum de família que inclui outros registros de intimidade dos dois amigos em meio aos Tiso Veiga. A vida de ambos também entrava num segundo tempo à época, com a mudança de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro havia poucos anos. A partir daquele momento, passariam a integrar e a mudar a história da música brasileira junto a outros amigos, num movimento que viria a se chamar Clube da Esquina.
A anual Serenata dos Tiso
Outras imagens do acervo da família Tiso mostram uma inusitada apresentação artística em pleno cemitério, ao longo de diferentes décadas. Ao redor de um túmulo, membros da família tocam e cantam, com citadinos de Três Pontas ali presentes como plateia, num incomum show. A anual Serenata dos Tiso é um retrato de uma família que tem a música como elemento central de identidade e memória. “Revejo nessa hora tudo que ocorreu, a memória não morrerá.”Seria possível contar a trajetória do Clube da Esquina e de Milton, figura central e solar de tal movimento, apenas por suas famílias, nas mais variadas e potentes formas de se constituírem: os Nascimento saídos da pequena Lima Duarte, na Zona da Mata mineira, os Campos, que o adotaram num lar e numa cidade elevada a paradigma de amor e acolhimento, os Borges da mítica esquina de Santa Tereza, os Guedes, os Horta.
Os Tiso. Uma simples fotografia, para além da emanação do real de Roland Barthes, é capaz de incidir luz sobre o multifacetado jogo da história e memória de um movimento musical, assim como sobre a permanência e transmissão social, atravessadas por vivências, localidades, lembranças, amizades e trajetórias diversas, como da peculiar família Tiso, com laços subterrâneos que se estendem de Três Pontas e Alfenas ao Rio de Janeiro, passando pela Belo Horizonte do pré-Clube da Esquina do Edifício Levy (onde João Veiga e Irene Tiso eram vizinhos dos Borges) e o conjunto Evolussamba, comandado por Pacífico Mascarenhas, com Milton, Wagner e seu irmão mais velho, Gileno Tiso.
Walda tinha uma rotina atípica naqueles anos 60. Pianista, mãe de cinco filhos e dona de casa, interrompia vez por outra as aulas de música que lecionava em casa para amamentar os caçulas ou tirar uma fornada de pão de queijo. Desde que haviam se mudado de Três Pontas devido à transferência de emprego do marido, Francisco, o novo lar tinha uma visita constante que chegou em dado momento a se converter em morador: Bituca.
Os Tiso. Uma simples fotografia, para além da emanação do real de Roland Barthes, é capaz de incidir luz sobre o multifacetado jogo da história e memória de um movimento musical, assim como sobre a permanência e transmissão social, atravessadas por vivências, localidades, lembranças, amizades e trajetórias diversas, como da peculiar família Tiso, com laços subterrâneos que se estendem de Três Pontas e Alfenas ao Rio de Janeiro, passando pela Belo Horizonte do pré-Clube da Esquina do Edifício Levy (onde João Veiga e Irene Tiso eram vizinhos dos Borges) e o conjunto Evolussamba, comandado por Pacífico Mascarenhas, com Milton, Wagner e seu irmão mais velho, Gileno Tiso.
Walda tinha uma rotina atípica naqueles anos 60. Pianista, mãe de cinco filhos e dona de casa, interrompia vez por outra as aulas de música que lecionava em casa para amamentar os caçulas ou tirar uma fornada de pão de queijo. Desde que haviam se mudado de Três Pontas devido à transferência de emprego do marido, Francisco, o novo lar tinha uma visita constante que chegou em dado momento a se converter em morador: Bituca.
Território de amizades em Alfenas
Inseparáveis, ele e Wagner a tiravam do sério, como na vez em que enfileiraram no corredor todas suas xícaras da cristaleira numa maria-fumaça imaginária. Se para os pais a Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas era oportunidade para os filhos irem além do ginasial restrito ao restante do Sul de Minas, para estes era um novo território de amizades, farras juvenis (treinamento de roubo de galinha, serenatas com piano na boleia de caminhão para moças e outra para acalmar o delegado), fanfarras, grupos musicais (W’s Boys, com os integrantes Wagner e Milton Willer), novidades sonoras dançantes, questionamentos e papos políticos trazidos por estudantes em meio à Guerra Fria naquele cotidiano interiorano – em 1967, a população local foi figurante do longa O levante das saias, com roteiro de tons feministas, com direção de Ismar Porto e os astros André Villon e Maria Lúcia Dahl no elenco."Enquanto recordar é ato individual e estático, comemorar é coletivo, reintroduzindo o acontecimento e sua narrativa na vida presente e nas expectativas de futuro"
Para uma limitação de acesso a mercadorias culturais, aqueles jovens ávidos por música tinham como aliadas as rádios e as trilhas de cinema. E mesmo o acaso, como quando dona Walda os presenteou, sem saber exatamente do que se tratava, com um disco do Tamba Trio, grupo icônico da bossa nova instrumental, referência incontornável a partir dali. O caminho artístico de ambos já parecia traçado, mas ela imaginava um curso superior para o filho, por isso vez por outra arrumava a mala de Bituca para que esse voltasse a Três Pontas e não se desviasse desse rumo. Mas com o coração mole, era quem ia pegá-lo na estação, evitando a partida. Símbolo de alegria e intensidade, Walda inspirou Choro de mãe, tema instrumental composto por Wagner e apresentado por ele em show com Milton em 1980, na Suíça.
Lidando com essa matéria-prima, a história precisa construir uma narrativa linear para dar inteligibilidade a um passado infinito, subjetivo, turvo, porém a ser compartilhado e verificado coletivamente. “A história é um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue”, cantou o Clube.
Transporte para o passado
Já a memória, ainda que intransferível em sua complexidade individual e arbitrária em sua verdade única quando narrada, não cessa de jorrar. Mas diferentemente de recordar algo prático, transportar-se a um passado vívido, é de certa forma vedado ao acesso deliberado. “Quisera encontrar aquele verso, menino, que esqueci há tantos anos atrás...” Porém, ele pode surgir involuntariamente através de um cheiro, de uma melodia. “Nisso eu escuto no rádio do carro a nossa canção...” Como afirma Aleda Assmann, “a memória não conhece a norma corpulenta e incorruptível da medida temporal cronológica. Pode mover o que há de mais próximo até uma distância indeterminada e trazer o que está distante até muito próximo, até próximo demais”.É assim que um cheiro de fruta madura pode conduzir Wagner à Três Pontas da década de 50, quando roubava manga nos quintais da Rua Sete de Setembro para vender e ganhar trocados. Perto dali, via o menino negro ensimesmado com seus instrumentos na varanda da casa dos pais, Zino e Lilia. Apenas abanavam a mão um para o outro, até que o amigo em comum Dida achou que era hora de acabar com aquela hesitação. Mas Bituca não queria saber de um Tiso pro seu grupo Luar de Prata: pretendia se firmar como artista sem estar à sombra de tal família. E não era pra menos, pois bastava ir a um sarau, matinê de carnaval ou fanfarra e lá estavam os Tiso.
"Milton e Wagner entenderam cedo que um músico é portador de um passado inesgotável, mas também tinham em comum um desejo de dar novas cores a harmonias e acordes do rico cancioneiro brasileiro e internacional"
Os filhos da tres-pontana Isaura e do italiano Sério Tiso – que chegou ao Brasil em fins do século 19 pela política de imigração pós-abolição – pareciam trazer de suas raízes ciganas do Leste Europeu uma forte veia artística. As jovens Irene e Walda eram professoras de piano, Vaváu comandava uma verdadeira big band disputada por carnavais de toda a região, outros, como Djalma e Mário, eram seresteiros inveterados nas famosas festas de família, importante escola para Wagner. E a nova geração já colocava banca: o menino Gileno ganhara o concurso para o hino do centenário da cidade com apenas 12 anos, tendo como letrista o próprio pai, Francisco.
Por tudo isso, Bituca preferia vencer sem estar à sombra de um Tiso. Mas no ensaio, logo que Wagner dedilhou o acordeom, Bituca cedeu. Nunca mais se desgrudaram. Três Pontas podia comportar perfeitamente a devoção religiosa a Padre Victor, a fama do café, a figura luminosa de Milton e as diferentes gerações dos Tiso.
Por tudo isso, Bituca preferia vencer sem estar à sombra de um Tiso. Mas no ensaio, logo que Wagner dedilhou o acordeom, Bituca cedeu. Nunca mais se desgrudaram. Três Pontas podia comportar perfeitamente a devoção religiosa a Padre Victor, a fama do café, a figura luminosa de Milton e as diferentes gerações dos Tiso.
Grande incentivador dos mais jovens, Mário Tiso veio a falecer em 1975, deixando um pedido aos parentes: que fizessem uma homenagem musical em seu túmulo. Alguns sobrinhos cumpriram à risca a missão, e na noite de 11 de maio pularam o muro do cemitério munidos de vinho e violão. Desta ousadia e irreverência juvenil, o ato fundador passou a ser repetido nos anos seguintes, desta vez de forma menos transgressora, como uma pequena seresta com acordeons, violão, violino e flautas.
Nas décadas seguintes, a Serenata dos Tiso tornou-se um ritual de união da família, atraindo parte da população, num atípico evento cultural onde a plateia se espalha pelos mausoléus e instrumentos são acomodados em lápides. Juntos, cantam, choram, riem e recordam o passado através da música. Ou poderíamos falar em comemorar e numa corporeidade que é a própria memória?
Enquanto recordar é ato individual e estático, comemorar é coletivo, reintroduzindo o acontecimento e sua narrativa na vida presente e nas expectativas de futuro, como explica o historiador português Fernando Catroga. É assim que um local escatológico torna-se ponte para a coesão de uma identidade comunitária, como um lugar de memória e de transmissão que se expande a pianos em bares e casas, com a memória individual interiorizando a coletiva. Por sua vez, o antropólogo social Paul Connerton é categórico ao afirmar que se essa memória social realmente existe, ela está nos corpos de um ritual comemorativo.
Nas décadas seguintes, a Serenata dos Tiso tornou-se um ritual de união da família, atraindo parte da população, num atípico evento cultural onde a plateia se espalha pelos mausoléus e instrumentos são acomodados em lápides. Juntos, cantam, choram, riem e recordam o passado através da música. Ou poderíamos falar em comemorar e numa corporeidade que é a própria memória?
Enquanto recordar é ato individual e estático, comemorar é coletivo, reintroduzindo o acontecimento e sua narrativa na vida presente e nas expectativas de futuro, como explica o historiador português Fernando Catroga. É assim que um local escatológico torna-se ponte para a coesão de uma identidade comunitária, como um lugar de memória e de transmissão que se expande a pianos em bares e casas, com a memória individual interiorizando a coletiva. Por sua vez, o antropólogo social Paul Connerton é categórico ao afirmar que se essa memória social realmente existe, ela está nos corpos de um ritual comemorativo.
“Nossos braços e pernas estão cheios de lembranças entorpecidas”, pontuou Marcel Proust, escritor que melhor investigou os caminhos mágicos da memória. Para além de técnica que permite a execução de um instrumento, a memória-hábito é consequência de um afeto anterior convertido em uma memória carregada nas mãos, ativando conhecimentos e atualizando tradições.
Um passado inesgotável
Milton e Wagner entenderam cedo que um músico é portador de um passado inesgotável, mas também tinham em comum um desejo de dar novas cores a harmonias e acordes do rico cancioneiro brasileiro e internacional. Talento e inventividade que permitiam a Wagner repassar a formação e arranjos dos grupos que se apresentavam no Clube Trespontano a Bituca, que esperava no banco da praça, impedido de entrar por ser negro – até que Francisco se rebelou contra a discriminação. Ou mesmo nas madrugadas pós-show do Berimbau Trio no Edifício Maletta, em que treinavam vocais caminhando sobre os trilhos da capital mineira em 1964, com Três Pontas e Alfenas ficando mais distantes.Mas as novas gerações dos Tiso também tomavam assento nesse trem movido a amizade e música. As fichas técnicas dos discos são um bom retrato de como o Clube da Esquina incorporava não apenas vertentes diversas do erudito ao popular (de Radamés, Gaya e Paulo Moura a Guilherme Arantes), mas igualmente familiares e amigos não profissionais. Na constelação de imagens do encarte do Clube da Esquina II, lá está uma foto de Walda, Chico, filhos e o cachorro Beto, pra quem Bituca mandava cartas em sua primeira viagem aos Estados Unidos, com detalhes das cachorrinhas americanas.
Temas como Ponta de areia e Paula e Bebeto têm as vozes infantis dos caçula dos Tiso Veiga, André Luiz e Marco Valério, além do primo Rúbio, o menino que revelou a Milton Nascimento que ele continha “Minas” dentro de seu próprio nome. Isaura Tiso, irmã de Wagner, de quem Bituca foi padrinho de casamento, é voz recorrente em temas como Saudade dos aviões da Panair, Casamiento de negros e Peixinhos do mar junto ao Falta de Couro, coral de amigos afetivamente agregados onde se leem nomes como Keller Veiga, Cássio Tiso, Tavinho Bretas, Chico Canela e tantos companheiros dessa estrada que nem sempre deixa rastros.
Em outra imagem de família vê-se um time de futebol onde estão nomes do Clube e da música, como Toninho Horta, Wagner, Fernando Brant, Murilo Antunes e Tunai, entre outros rostos conhecidos e desconhecidos. Esse registro consagra dois episódios. Na gravação do álbum Sentinela, de 1980, Milton pediu reforço do Falta de Couro para os vocais. Depois de uma noitada madrugada adentro no lendário bar Panorama, em Belo Horizonte, um grupo eclético, que incluía o jogador Reinaldo, Gonzaguinha e vários primos Tiso-Veiga, rumou de ônibus direto para os estúdios Transamérica, no Rio de Janeiro.
Em outra imagem de família vê-se um time de futebol onde estão nomes do Clube e da música, como Toninho Horta, Wagner, Fernando Brant, Murilo Antunes e Tunai, entre outros rostos conhecidos e desconhecidos. Esse registro consagra dois episódios. Na gravação do álbum Sentinela, de 1980, Milton pediu reforço do Falta de Couro para os vocais. Depois de uma noitada madrugada adentro no lendário bar Panorama, em Belo Horizonte, um grupo eclético, que incluía o jogador Reinaldo, Gonzaguinha e vários primos Tiso-Veiga, rumou de ônibus direto para os estúdios Transamérica, no Rio de Janeiro.
Ao final das gravações, Chico Buarque convidou a turma para um churrasco e torneio de futebol em sua própria casa. A equipe do astro carioca – que já se enturmara com o Clube tanto no lendário show do Paraíso, em Três Pontas (1977), quanto nas gravações do álbum duplo de 1978 – estava paramentada de uniforme e entrosada para a disputa. A turma do Sentinela acabou rendendo dois times ressaqueados e sem camisa. Mas um deles, com o craque alvinegro e os bons de bola Wagner e Marden Veiga, desequilibrou e sagrou-se campeão. O troféu ficou com Wagner; as lembranças, com cada um dos convocados para aquela viagem.
“Alguém que vi de passagem, numa cidade estrangeira, lembrou os sonhos que eu tinha e esqueci sobre a mesa”, diz a letra de Ronaldo Bastos. Assim como atestam tantos outros historiadores, David Lowenthal afirma que o passado tornou-se um país estrangeiro, visto que algo parece ter se rompido na forma como o presente retém e se inspira num passado cada vez mais distante e fragmentado. Mas por que recordar e comemorar o Clube da Esquina, em tempos nos quais a celebração incessante corre o risco de petrificação, com a efeméride tornando-se mais importante que a própria obra?
A resposta estaria em seu próprio cancioneiro, pela relação complexa e intensa como se relaciona com um passado indeterminado, fugidio e polifônico. Ao final de Um gosto de sol reaparece o tema orquestral de Cais, numa conexão subterrânea de tempos e lugares – função que os arranjos de Wagner desenham ao longo de vários discos. O Clube encarou também o desafio de questionar o fechamento do horizonte político (sempre a nos rondar) tanto pela palavra direta e crença num povo que resiste quanto pela imaginação, reivindicando a utopia para colher frutos no quintal. Com olhos de quimera, os narradores das canções viajam por um Brasil profundo e de um povo invisibilizado, por matas, rituais religiosos, festas rurais e de rua, invocando as Minas de Aleijadinho a Drummond.
O alcance do Clube da Esquina
O alcance do discurso do Clube da Esquina, assim, não está cifrado ou fechado num tempo delimitado pela história, mas potencializado nas memórias e lembranças que transbordam qualquer tentativa de narrativa única exatamente pela infinidade de experiências e sujeitos que juntos compuseram umas das páginas mais bonitas da música brasileira. Sem discursos totalizantes ou restritivos de autoridade – grande lição para o presente –, está inscrito na memória dos corpos e se recria diariamente nas ruas de forma ativa e coletiva.Atravessado por temporalidades múltiplas e pelo próprio papel do esquecimento para as identidades, o Clube da Esquina parece sempre evocar um lugar mágico, como um quintal ou um campo de futebol com suas linhas que o separam da vida comum – “a vida fica lá fora”, diria Brant –, em um tempo suspenso, como na espera de um pênalti. E sobre o lance que abre este texto, segundo Wagner Tiso, testemunha ocular, Milton chutou na trave.
*João Marcos Veiga é jornalista, doutorando em história social da cultura pela UFMG e neto de Walda Tiso Veiga