Uma fortificação com estrutura labiríntica onde acontecimentos estranhos conduzem a uma reflexão sobre os limites da razão e como a insanidade, em muitos momentos, pode conceder lentes mais apropriadas para ver o que nos cerca. Tanto no plano do enunciado, quanto da própria linguagem, o texto convoca o leitor para uma experiência de vertigem em A cidadela (Editora Miguilim), o segundo romance do arquiteto e escritor mineiro Maurício Meirelles. A obra será lançada neste sábado (7) na Livraria da Rua, na Savassi, na Região Centro-sul de BH.
A história permite que você, leitor, entre numa misteriosa fortificação na região ocidental do deserto do Saara, no continente africano. Conduzida por dois engenheiros militares da Legião Estrangeira, a aventura é tecida na interseção que o autor cria entre a arquitetura e a literatura. A obra permite uma experiência sensorial, que parte do texto da estrutura imaginária, passa pelas imagens das ilustrações das páginas e se completa no formato do livro. “(…) a narrativa que ele traz se sustenta num equilíbrio instável entre a arquitetura do texto e a irrealidade plausível da história narrada”, escreve a professora e crítica literária Maria Esther Maciel, que faz a apresentação do livro.
O autor parte de relato atribuído ao tenente F. Martinez acerca dessa edificação perdida, cuja existência nunca foi comprovada. Na época de sua descoberta, questionado quanto à veracidade, o testemunho foi encontrado pelo filho de Martinez, o historiador franco-argelino Nourdin Martinez, em 1978. Mas os primeiros relatos sobre a Cidadela vêm de comerciantes que atravessavam o Saara no fim do século 19. Eles falavam da “Kasbah de Ferro”.
O olhar do arquiteto
A história tem como personagem principal a Cidadela, “antagonista que se contrapõe aos heróis”, os engenheiros militares embrenhados na busca por militares desaparecidos numa expedição. A Cidadela se revela como estrutura labiríntica – e, também por isso, Maurício adianta que pode ser lida como devaneio arquitetônico e especulação filosófica. “A minha trajetória como arquiteto influencia na concepção desse objeto que seria fisicamente impossível”, diz.A construção rica e detalhada da fortificação é possível graças ao narrador, um dos engenheiros especialistas em artefatos de guerra, que atribui sentido à construção incomum, fugindo à compreensão, aos sentidos atribuídos pela razão. O protagonismo não está nos personagens humanos. A fortificação é que nos intriga. É apresentada à medida que os personagens se perdem nos labirintos.
A incursão nesse universo ficcional que se apresenta na estrutura monumental impossível de ser construída dentro dos parâmetros da engenharia, leva ao questionamento de até onde pode ir a razão, o quanto ela é capaz de nos guiar.
A incursão nesse universo ficcional que se apresenta na estrutura monumental impossível de ser construída dentro dos parâmetros da engenharia, leva ao questionamento de até onde pode ir a razão, o quanto ela é capaz de nos guiar.
A obra se apresenta em diversas camadas. “O livro ilustrado possui várias camadas de leitura. A partir do texto que origina a história, você tem nível de leitura que é uma história contada por palavras. Outra camada é a narrativa visual. As ilustrações não estão totalmente em função da história. Criam outra camada de sentido, têm autonomia. Terceiro nível de leitura é o livro como objeto.”
O traçado do ilustrador Adams Carvalho dialoga com o texto, ajudando a criar a ambiência dessa fortificação. As páginas vazias rementem ao silêncio dos espaços monumentais e abrem a narrativa para as impressões dos leitores.
As cores do projeto gráfico, elaborado pelo Estúdio Guayabo, não são meras escolhas estéticas. Constroem a ambiência do espaço onde a narrativa se passa. Numa das leituras possíveis, o azul noturno da capa e do miolo remete à escuridão da fortificação e o ocre, ao deserto. Duas ou mais camadas de leitura emergem do texto e da imagem.O traçado do ilustrador Adams Carvalho dialoga com o texto, ajudando a criar a ambiência dessa fortificação. As páginas vazias rementem ao silêncio dos espaços monumentais e abrem a narrativa para as impressões dos leitores.
Diálogo com Borges
Na epígrafe, excerto do conto O imortal, do escritor argentino Jorge Luis Borges, ficam evidentes os diálogos mantidos com esse escritor.“Este palácio é obra dos deuses”, pensei primeiro. Explorei os recintos desabitados e corrigi: “Os deuses que o construíram morreram”. Notei suas peculiaridades e disse: “Os deuses que o construíram estavam loucos.”
A citação indica que a narrativa também transitará por esse lugar onde a grandiosidade de uma edificação coloca seus construtores nesse lugar de deuses, da invenção, mas que também é o lócus da loucura e da alucinação. A conclusão possível é que as edificações tão grandiosas não podem ser frutos da razão, mas da loucura de quem as planejou.
'Tive um sonho intrigante. Sozinho, eu entrava numa sala vazia. Sobre a única mesa, havia um mapa. Eu me sentava para examinar o documento de concepção impressionante'
Trecho de A cidadela
Maurício Meirelles estreou como escritor com Birigui (Miguilim, 2016). Finalista do 59º Prêmio Jabuti, em 2017, a obra integra a coleção The White Ravens, da Internationale Jugendbibliothek de Munique, na Alemanha. Em Birigui, ele apresenta o universo infantil. Narra a história de um filho que vai, pela primeira vez, à caça com o pai. As narrativas de Birigui e de A cidadela partem de geografias diferentes.
A primeira narrativa tem “eco fundo” em Guimarães Rosa e volta-se ao universo íntimo do sertão. Já em A cidadela, a ambiência remete ao universo exterior e ao que ele pode dizer às subjetividades. No entanto, apesar de partir de geografias aparentemente tão distintas – sertão brasileiro e deserto africano –, as obras têm em comum a aridez e a relação entre pai e filho, algo que interessa muito a Maurício, que tem no seu filho o primeiro leitor de seus livros.
A primeira narrativa tem “eco fundo” em Guimarães Rosa e volta-se ao universo íntimo do sertão. Já em A cidadela, a ambiência remete ao universo exterior e ao que ele pode dizer às subjetividades. No entanto, apesar de partir de geografias aparentemente tão distintas – sertão brasileiro e deserto africano –, as obras têm em comum a aridez e a relação entre pai e filho, algo que interessa muito a Maurício, que tem no seu filho o primeiro leitor de seus livros.
A cidadela
De Maurício Meirelles
Editora Miguilim
272 páginas
R$ 54
Lançamento: 7/3, das 13h às 16h, na Livraria da Rua – Rua Antônio de Albuquerque, 913, Savassi, BH