Uma fortificação com estrutura labiríntica onde acontecimentos estranhos conduzem a uma reflexão sobre os limites da razão e como a insanidade, em muitos momentos, pode conceder lentes mais apropriadas para ver o que nos cerca. Tanto no plano do enunciado, quanto da própria linguagem, o texto convoca o leitor para uma experiência de vertigem em A cidadela (Editora Miguilim), o segundo romance do arquiteto e escritor mineiro Maurício Meirelles. A obra será lançada neste sábado (7) na Livraria da Rua, na Savassi, na Região Centro-sul de BH.
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O olhar do arquiteto
A história tem como personagem principal a Cidadela, “antagonista que se contrapõe aos heróis”, os engenheiros militares embrenhados na busca por militares desaparecidos numa expedição. A Cidadela se revela como estrutura labiríntica – e, também por isso, Maurício adianta que pode ser lida como devaneio arquitetônico e especulação filosófica. “A minha trajetória como arquiteto influencia na concepção desse objeto que seria fisicamente impossível”, diz.A construção rica e detalhada da fortificação é possível graças ao narrador, um dos engenheiros especialistas em artefatos de guerra, que atribui sentido à construção incomum, fugindo à compreensão, aos sentidos atribuídos pela razão. O protagonismo não está nos personagens humanos. A fortificação é que nos intriga. É apresentada à medida que os personagens se perdem nos labirintos.
A incursão nesse universo ficcional que se apresenta na estrutura monumental impossível de ser construída dentro dos parâmetros da engenharia, leva ao questionamento de até onde pode ir a razão, o quanto ela é capaz de nos guiar.
A incursão nesse universo ficcional que se apresenta na estrutura monumental impossível de ser construída dentro dos parâmetros da engenharia, leva ao questionamento de até onde pode ir a razão, o quanto ela é capaz de nos guiar.
A obra se apresenta em diversas camadas. “O livro ilustrado possui várias camadas de leitura. A partir do texto que origina a história, você tem nível de leitura que é uma história contada por palavras. Outra camada é a narrativa visual. As ilustrações não estão totalmente em função da história. Criam outra camada de sentido, têm autonomia. Terceiro nível de leitura é o livro como objeto.”
O traçado do ilustrador Adams Carvalho dialoga com o texto, ajudando a criar a ambiência dessa fortificação. As páginas vazias rementem ao silêncio dos espaços monumentais e abrem a narrativa para as impressões dos leitores.
O traçado do ilustrador Adams Carvalho dialoga com o texto, ajudando a criar a ambiência dessa fortificação. As páginas vazias rementem ao silêncio dos espaços monumentais e abrem a narrativa para as impressões dos leitores.
Diálogo com Borges
Na epígrafe, excerto do conto O imortal, do escritor argentino Jorge Luis Borges, ficam evidentes os diálogos mantidos com esse escritor.“Este palácio é obra dos deuses”, pensei primeiro. Explorei os recintos desabitados e corrigi: “Os deuses que o construíram morreram”. Notei suas peculiaridades e disse: “Os deuses que o construíram estavam loucos.”
A citação indica que a narrativa também transitará por esse lugar onde a grandiosidade de uma edificação coloca seus construtores nesse lugar de deuses, da invenção, mas que também é o lócus da loucura e da alucinação. A conclusão possível é que as edificações tão grandiosas não podem ser frutos da razão, mas da loucura de quem as planejou.
Maurício Meirelles estreou como escritor com Birigui (Miguilim, 2016). Finalista do 59º Prêmio Jabuti, em 2017, a obra integra a coleção The White Ravens, da Internationale Jugendbibliothek de Munique, na Alemanha. Em Birigui, ele apresenta o universo infantil. Narra a história de um filho que vai, pela primeira vez, à caça com o pai. As narrativas de Birigui e de A cidadela partem de geografias diferentes.
A primeira narrativa tem “eco fundo” em Guimarães Rosa e volta-se ao universo íntimo do sertão. Já em A cidadela, a ambiência remete ao universo exterior e ao que ele pode dizer às subjetividades. No entanto, apesar de partir de geografias aparentemente tão distintas – sertão brasileiro e deserto africano –, as obras têm em comum a aridez e a relação entre pai e filho, algo que interessa muito a Maurício, que tem no seu filho o primeiro leitor de seus livros.
A primeira narrativa tem “eco fundo” em Guimarães Rosa e volta-se ao universo íntimo do sertão. Já em A cidadela, a ambiência remete ao universo exterior e ao que ele pode dizer às subjetividades. No entanto, apesar de partir de geografias aparentemente tão distintas – sertão brasileiro e deserto africano –, as obras têm em comum a aridez e a relação entre pai e filho, algo que interessa muito a Maurício, que tem no seu filho o primeiro leitor de seus livros.
A cidadela
De Maurício Meirelles
Editora Miguilim
272 páginas
R$ 54
Lançamento: 7/3, das 13h às 16h, na Livraria da Rua – Rua Antônio de Albuquerque, 913, Savassi, BH