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Porta para o inferno: livros contam rotina de horrores em Auschwitz

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Há 75 anos, em 1945, ocorreu a libertação do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, o maior dos centros de extermínio da Alemanha nazista, onde 1,1 milhão de pessoas, em sua maioria judias, foram brutalmente assassinadas durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, o mundo assiste a uma crescente onda de ódio e antissemitismo, o que reforça a necessidade de combater incansavelmente a barbárie. Em 2020, chega pela primeira vez ao Brasil o livro Última parada: Auschwitz – Meu diário de sobrevivência, do médico judeu Eddy de Windy (1916-1987), escrito integralmente em meio à tragédia.



A imagem de capa do livro mostra a entrada sombria e morta de Auschwitz, onde está escrito em alemão: Arbeit macht frei (O trabalho liberta). Mas são os relatos de dor, violência e maldade que realmente impressionam o leitor. Escrita em terceira pessoa, a obra de Eddy de Wind usa o personagem Hans para contar a sua própria história, de tanta miséria e sofrimento, mas também de amor à vida e à esposa, Friedel, que conheceu enquanto atuava como voluntário no campo de concentração de Westerbork. Hans, aos 27 anos, era médico e chefe de sua seção, e Friedel, de 18, era enfermeira. “Pois sós não somos nada / mas juntos somos um”, chegou a escrever em um poema para a amada.

Antes da guerra, Eddy costumava velejar em lagos e canais ao redor da cidade de Haia. No fim dos anos 1930, tocava clarineta e se apresentava regularmente em uma banda de jazz. Foi o último estudante judeu a se formar em medicina, antes que os alemães fechassem a universidade, em Leiden. Em 1943, ele chegou a Westerbork, local de trânsito para deportação de judeus, localizado no Leste da Holanda, com o objetivo de trabalhar para que sua mãe fosse poupada do Holocausto, sem saber que ela já havia sido enviada a Auschwitz. Pouco tempo depois, Eddy e Friedel também são transportados em um trem de carga para aquele campo de concentração.

“A moral nacional-socialista, mais o álcool necessário, transformavam a pessoa num demô- nio. Na verdade, isso é uma ofensa ao demônio, pois ele é um vingador justo. Só tortura quando a punição é merecida. O nazista se lança sobre incontáveis vítimas sem qualquer justificativa.” Dessa maneira, Eddy descreve um pouco do comportamento dos soldados da SS, organização paramilitar ligada a Adolf Hitler, que os receberam em Auschwitz. No local, o médico judeu foi tatuado com o número 150822, marcação que passaria a ser sua identidade. Eddy foi transferido para o bloco 9, como parte da equipe médica que trataria de presos políticos do regime alemão, enquanto Friedel foi para o bloco 10, onde eram feitos experimentos de esterilização.



A partir de então, o autor narra as terríveis experiências vividas por ele e os demais prisioneiros dentro dos campos de concentração. Russos, poloneses, holandeses, húngaros, gregos, franceses (somente para citar algumas nacionalidades), entre eles ciganos, judeus e comunistas, eram chicoteados e espancados diariamente, mulheres eram estupradas pelo Exército nazista, enquanto crianças tinham as vidas ceifadas com extrema crueldade. Cerca de 14 horas por dia, eles se viam obrigados a trabalhar em minas, a dragar cascalhos com água acima da cintura, a peneirar pavimentação, a construir estradas e a descarregar caminhões, enquanto sofriam com xingamentos e humilhações. Mesmo os doentes e debilitados não escapavam dos castigos.

As infecções eram constantes, sendo a escarlatina a mais comum. As pessoas ficavam com a pele totalmente irritada, além de sentir muitas dores por todo o corpo. O sono era encarado como uma libertação daquele inferno, mas praticamente não havia descanso. Isso por conta da inútil batalha contra piolhos e pulgas. “Adormecer, acordar, coçar. E ter que se controlar, ficar quieto. Deixar os piolhos se encarapitarem. Dormir de novo, acordar de novo”, dizia Eddy. As feridas se transformavam em abcessos. Eram obrigados a levantar às 4h, tomavam banho praticamente sem água, não havia sabão, e usavam a própria camisa como toa- lha. Alinhavam-se e aguardavam, de pé, a ordem para ir ao canteiro de obras.
Os prisioneiros recebiam um litro de sopa por dia (por sopa entenda-se água com algumas beterrabas boiando ou nabo picado) e uma porção de pão. Duas vezes por semana ganhavam 40 gramas de margarina – feita de gordura e produto sintético para dar liga – e salsicha com carne de cavalo. A dieta não passava de 1.500 calorias ao dia, insuficiente até mesmo para um corpo em repouso. Os que não morriam por desnutrição ou doenças tinham que cavar suas próprias covas antes de ser metralhados pelos nazistas. Isso quando escapavam da câmara de gás.



Apesar das duras regras e da violência imposta àqueles que as desobedeciam, Eddy fazia de tudo para se encontrar com Friedel. Certa vez, recebeu uma carta da esposa, que contava sobre os procedimentos no bloco destinado às mulheres. Ela descrevia casos em que garotas eram colocadas em um campo de ondas elétricas ultracurtas, para que seus ovários fossem queimados. O objetivo dos soldados da SS e da Gestapo era descobrir técnicas de esteri- lização. Além disso, prisioneiras recebiam injeções no útero, com uma substância parecida com cimento. Outro método era injetar sangue infectado com malária em mulheres judias.

Apesar de ter um personagem principal, que viveu na pele o pior da maldade humana, Última parada: Auschwitz – Meu diário de sobrevivência fala sobre a morte de milhões de pessoas inocentes, sobre sofrimento, mutilação e medo. É impossível não se entristecer com uma história tão pesada, carregada de ódio e maldade. Porém, é necessário conhecê-la, principalmente a partir do ponto de vista de quem sobreviveu à guerra. Como afirma o próprio autor: “Não podia ceder ao desejo de fugir de toda tensão. Fugir, não; lutar. Sempre continuar lutando. ‘Pois sós não somos nada’. Era poesia. A vida continuava”.

Amor que nazistas que não destruíram

O amor incondicional entre pai e filho é retratado em O garoto que seguiu o pai para Auschwitz, do biógrafo, historiador e doutor em arqueologia Jeremy Dronfield, que conta a história de Gustav e Fritz Kleinmann, sobreviventes do Holocausto, depois de escravizados por mais de cinco anos em campos de concentração da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. No prefácio,  o autor pede que o livro seja lido como romance. Afinal, são incontáveis as situações em que os personagens provam sua lealdade, carinho e respeito um pelo outro. Porém, o leitor poderá perceber que é muito difícil seguir a sugestão, pois o enredo é capaz de superar qualquer história de terror. A crueldade imposta pelo Terceiro Reich conseguia violar todos os direitos básicos imagináveis de um ser humano, e o livro mostra muito bem isso.



Após o Exército de Adolf Hitler invadir Viena, capital da Áustria, pai e filho são separados do restante da família e transferidos com os primeiros judeus para o campo de Buchenwald, na Alemanha. Eles sofrem com a fome, o frio e o infinito arsenal de maldades dos soldados da SS. Além da saudade de casa e da falta de notícias dos familiares, Gustav e Fritz veem a morte de muito perto, mas se apegam, dia após dia, à esperança de serem livres novamente.

Para contar essa história, o autor aborda o contexto histórico e cultural da época e também utiliza anotações que Gustav fez em seu diário dentro dos campos de concentração. O exercício de escrever era feito em segredo, nem mesmo o filho sabia, mas o ajudava a manter a sobriedade diante do caos. Em certa ocasião, os nazistas determinaram a transferência de Gustav para Auschwitz, o que poderia significar definitivamente o fim de sua vida. Em um ato heroico, Fritz enfrenta o comando e pede para ir junto com o pai.

Enquanto milhares de judeus e demais condenados morriam todos os dias, vítimas de enforcamento, doenças, desnutrição e de atos perversos dos nazistas, como câmaras de gás e injeções letais, pai e filho tentavam não chamar a atenção dos guardas, que atiravam para matar por puro gosto. Havia, inclusive, premiações aos oficiais que tirassem mais vidas nos campos de concentração.



Ao lado de amigos que encontraram durante os anos do Holocausto, Gustav e Fritz ficariam marcados para sempre pelas cicatrizes do sofrimento e pelo cheiro de morte que se espalhava pelas prisões. Sem dignidade, sendo tratados como lixo, foram forçados a trabalhar em condições subumanas, onde sucumbir a algum tipo de enfermidade era o menor dos problemas.

Além da coragem demonstrada por sobreviventes do nazismo em outras publicações sobre o tema, a obra chama a atenção pelo tempo em que Gustav e Fritz sobreviveram. A valentia com que enfrentaram o cárcere, a fé inabalável na vida e a eterna resiliência foram fundamentais ao longo daquele período. Não bastava sorte para escapar, era preciso um milagre, exatamente como o que aconteceu com os Kleinmann durante a guerra.

TRECHO DO LIVRO ÚLTIMA PARADA: AUSCHWITZ




ÚLTIMA PARADA: AUSCHWITZ MEU DIÁRIO DE SOBREVIVÊNCIA
De Eddy de Wind
Editora Planeta
221 páginas 
R$ 24,60 (livro) 
R$ 23,37 (kindle)   

O GAROTO QUE SEGUIU O PAI PARA AUSCHWITZ
De Jeremy Dronfield
Editora Objetiva
354 páginas
R$ 47
R$ 15,96 (kindle)