Quem ama literatura e reconhece o autor de Dom Casmurro e Memórias póstumas de Brás Cubas como o maior escritor brasileiro, certamente, ficará curioso ao ter nas mãos um livro chamado O homem que odiava Machado de Assis. Foi o meu caso e, acredito, de muitos leitores país afora.
Afinal, Joaquim Maria Machado de Assis, 112 anos após sua morte, é referência de crítica e público. O escritor José Almeida Júnior, autor do livro, diz que não teve intenção de fazer provocação literária, mas uma ficção sobre a vida de Machado. Sem querer, entretanto, acabou fazendo uma. “Não foi uma ideia proposital para atrair leitores, mas, depois de publicado, muita gente chegou ao livro por causa do título”, diz. Ele foi buscar inspirações exatamente na biografia e em duas obras do autor: o mistério sobre o adultério de Capitu em Dom Casmurro e a personalidade controversa de Brás Cubas.
Afinal, Joaquim Maria Machado de Assis, 112 anos após sua morte, é referência de crítica e público. O escritor José Almeida Júnior, autor do livro, diz que não teve intenção de fazer provocação literária, mas uma ficção sobre a vida de Machado. Sem querer, entretanto, acabou fazendo uma. “Não foi uma ideia proposital para atrair leitores, mas, depois de publicado, muita gente chegou ao livro por causa do título”, diz. Ele foi buscar inspirações exatamente na biografia e em duas obras do autor: o mistério sobre o adultério de Capitu em Dom Casmurro e a personalidade controversa de Brás Cubas.
Além de juntar a dúvida da traição e o personagem mau-caráter, Almeida Júnior cria uma polêmica aos olhos de hoje: o escritor carioca se torna personagem do livro de forma pejorativa. Isso porque, na visão do protagonista Pedro Junqueira, de O homem que odiava Machado de Assis – um boêmio fracassado que vive da herança do pai (inspirado em Memórias póstumas de Brás Cubas) –, Machado é “um mulato pernóstico, imitador barato de José de Alencar, bajulador, vingativo” e omisso com a escravidão.
De fato, Machado teve desafetos em vida, o mais famoso o crítico literário Sílvio Romero, que detratou seus romances. Polêmica à parte, Almeida Júnior cria uma ficção que começa exatamente no Morro do Livramento, no Rio, onde Machado nasceu em 21 de junho de 1839.
A partir daí, entrelaça o destino de Pedro Junqueira, menino rico, com o do menino pobre e mulato Joaquim. Desde a infância, eles já se estranham. Por uma série de coincidências, eles vão se encontrando ao longo da vida até chegar ao ponto de se apaixonarem pela mesma mulher, Carolina.
A partir daí, entrelaça o destino de Pedro Junqueira, menino rico, com o do menino pobre e mulato Joaquim. Desde a infância, eles já se estranham. Por uma série de coincidências, eles vão se encontrando ao longo da vida até chegar ao ponto de se apaixonarem pela mesma mulher, Carolina.
Na vida real, Carolina foi a mulher de Machado de Assis, vinda de Portugal após uma frustração misteriosa. Em sua ficção, Almeida Júnior leva o jovem estudante Pedro para Portugal, onde conhece Carolina e a abandona grávida. Anos depois, ele a procura no Rio para tentar reatar o romance, mas descobre que ela está casada com seu antigo desafeto, Machado de Assis, e as rusgas de suas infâncias tomam outras formas de conflito.
Entre idas e vindas, Pedro, então, acaba despertando o ciúme e a desconfiança do Machado personagem, assim como Bentinho desconfia da traição de Capitu (Carolina na ficção) com seu amigo Escobar. “Resolvi construir uma ficção com a premissa de que Dom Casmurro seria um livro autobiográfico, explorando a dúvida do adultério”, explica Almeida Júnior.
ABOLIÇÃO
Esse triângulo amoroso permeia um período fundamental da história do Brasil, a segunda metade do século 19, quando ferviam os movimentos abolicionista e republicano em meio à monarquia decadente. Almeida Júnior mistura ficção e realidade para expor as mazelas de um Rio de Janeiro dominado pela elite branca escravista, que sob a mão do poder imperial massacra as populações negra e pobre e as mulheres, muitas condenadas aos bordéis após serem expulsas de casa por ter ousado ter vida sexual antes do casamento. É assim com Joana, personagem marcante de O homem que odiava...
Além de Machado de Assis, ali estão ao longo das páginas José de Alencar, romancista já consagrado e escravocrata que ainda acha que é cedo para deslanchar o processo de abolição, e Joaquim Nabuco, líder da luta pelo fim da escravidão, ambos em instigantes debates, além de Sílvio Romero, crítico implacável do escritor. O livro leva o leitor a um passeio pela história do Brasil, que, obviamente, não pode perder a noção da licença criativa do autor sobre a realidade dos fatos.
ENTREVISTA
JOSÉ ALMEIDA JÚNIOR / Escritor
A ideia do livro saiu da dúvida insolúvel de Benti-nho sobre o adultério de Capitu? Como se fosse um caso real na vida de Carolina, a mulher de Machado, e seu passado misterioso em Portugal?
Eu queria escrever um romance que tratasse da vida de Machado de Assis de maneira ficcional. Pesquisando as biografias, descobri que Carolina deixou Portugal e foi morar no Rio de Janeiro com um músico boêmio chamado Artur Napoleão. Ela tinha passado dos 30 anos, idade em que as mu- lheres já estavam casadas na sociedade conservadora da época.
Depois de ganhar certa notoriedade no Brasil como músico, Artur Napoleão escreveu um livro de memórias, mas eliminava o capítulo sobre a vinda de Carolina para o Brasil para não dar publicidade a um íntimo drama familiar. Para aumentar o mistério, numa das poucas cartas não destruídas entre Machado de Assis e Carolina, o escritor diz pouco antes de se casar que sua noiva sofreu, insinuando desilusão amorosa anterior.
A partir daí, resolvi construir uma ficção com a premissa de que Dom Casmurro seria um livro autobiográfico, explorando a dúvida do adultério.
Depois de ganhar certa notoriedade no Brasil como músico, Artur Napoleão escreveu um livro de memórias, mas eliminava o capítulo sobre a vinda de Carolina para o Brasil para não dar publicidade a um íntimo drama familiar. Para aumentar o mistério, numa das poucas cartas não destruídas entre Machado de Assis e Carolina, o escritor diz pouco antes de se casar que sua noiva sofreu, insinuando desilusão amorosa anterior.
A partir daí, resolvi construir uma ficção com a premissa de que Dom Casmurro seria um livro autobiográfico, explorando a dúvida do adultério.
O nome O homem que odiava... é uma pegadinha literária para atrair leitores? Porque Machado de Assis é unanimidade hoje, no Brasil e no exterior.
Durante o processo de escrita do livro, o perso- nagem Pedro Junqueira foi ganhando vida própria e alimentando um ódio e um desprezo profundos por Machado de Assis desde a infância, passando pela adolescência, até chegar à fase adulta. Daí veio o título. Não foi uma ideia proposital para atrair leitores, mas, depois de publicado, muita gente chegou ao livro por causa do título.
É importante dizer que Machado de Assis é unânime hoje, mas não na época em que era vivo. Machado sofreu muitas críticas, algumas, inclusive, alimentadas pela questão racial. Josué Montello tem um livro chamado Os inimigos de Machado de Assis em que trata dos adversários do escritor.
É importante dizer que Machado de Assis é unânime hoje, mas não na época em que era vivo. Machado sofreu muitas críticas, algumas, inclusive, alimentadas pela questão racial. Josué Montello tem um livro chamado Os inimigos de Machado de Assis em que trata dos adversários do escritor.
Mesmo sendo ficção e partindo de um canalha como o protagonista Pedro Junqueira, por que atacar Machado de Assis e acusá-lo de omisso com a escravidão, bajulador, violento (defende o espancamento de uma criada no livro), vingativo e adúltero? Esse perfil polêmico negativo do escritor também é uma provocação ao leitor?
Pedro Junqueira foi um personagem inspirado em Brás Cubas: filho de aristocrata, estudou em Coimbra, não trabalhou, mau-caráter, fracassado nas ambições políticas e nas relações amorosas. Os ataques à figura de Machado de Assis são do ponto de vista de Pedro Junqueira e tiveram por base críticas, inclusive pessoais, que eram feitas por desafetos do escritor, como Sílvio Romero.
Após a sua morte, Machado continuou recebendo duras críticas de escritores, como Lima Barreto e Drummond. Mário de Andrade escreveu um texto em 1939 dizendo que Machado foi um homem que lhe desagradava e que não desejaria para o seu convívio. Guimarães Rosa chegou a escrever em seu diário que Machado de Assis era pernóstico. O suposto adultério de Machado de Assis a que me refiro no livro foi publicado no jornal satírico O corsário.
Lúcia Miguel Pereira também cita em sua biografia um mal-estar entre Carolina e Machado de Assis, causado por uma traição. Então, as qualidades negativas a respeito de Machado são uma visão de Pedro Junqueira, mas baseadas em críticas sofridas pelo escritor.
Após a sua morte, Machado continuou recebendo duras críticas de escritores, como Lima Barreto e Drummond. Mário de Andrade escreveu um texto em 1939 dizendo que Machado foi um homem que lhe desagradava e que não desejaria para o seu convívio. Guimarães Rosa chegou a escrever em seu diário que Machado de Assis era pernóstico. O suposto adultério de Machado de Assis a que me refiro no livro foi publicado no jornal satírico O corsário.
Lúcia Miguel Pereira também cita em sua biografia um mal-estar entre Carolina e Machado de Assis, causado por uma traição. Então, as qualidades negativas a respeito de Machado são uma visão de Pedro Junqueira, mas baseadas em críticas sofridas pelo escritor.
Na sua visão, por que Machado de Assis, sendo afrodescendente, não foi militante na defesa da abolição além das denúncias dissimuladas da escravidão que faz em suas obras?
A escravidão está presente em praticamente toda a obra de Machado de Assis, incluindo romances, contos e crônicas. Drummond disse que o conto machadiano Pai contra mãe vale mais do que qualquer manifesto abolicionista. A figura de Machado de Assis como um sujeito alheio aos problemas da escravidão foi construída de maneira equivocada.
O professor Eduardo de Assis Duarte reuniu numa coletânea todos os textos machadianos a respeito da questão racial – o livro Machado de Assis afro- descendente. Machado de Assis fez a militância em seus textos à sua maneira, usando as principais ferramentas que dominava com maestria: a ironia e o sarcasmo.
O professor Eduardo de Assis Duarte reuniu numa coletânea todos os textos machadianos a respeito da questão racial – o livro Machado de Assis afro- descendente. Machado de Assis fez a militância em seus textos à sua maneira, usando as principais ferramentas que dominava com maestria: a ironia e o sarcasmo.
Na pele do protagonista está o Brasil real do fim do século 19: um aristocrata branco que ataca a escravidão por oportunismo, é racista, corrupto, preconceituoso de classe e homofóbico (tanto que o garçom nem sequer tem nome, sempre é chamado de afeminado). Além do fim da escravidão, o que mudou no país desde então?
Nos meus livros, costumo realçar problemas históricos que fazem sentido nos dias de hoje, talvez por isso o livro seja tão atual. Mudou muita coisa do Brasil de Machado de Assis para o momento atual. A história está sempre em movimento e não se repete. Porém, o país precisa corrigir erros e injustiças históricas.
O Brasil, por exemplo, nunca acertou as contas com os períodos autoritários, por isso mesmo o autoritarismo é uma questão que retorna de tempos em tempos. O país também optou por negar o racismo estrutural existente e por apostar no mito da democracia racial. O tema do racismo precisa ser pautado constantemente para ser combatido.
O Brasil, por exemplo, nunca acertou as contas com os períodos autoritários, por isso mesmo o autoritarismo é uma questão que retorna de tempos em tempos. O país também optou por negar o racismo estrutural existente e por apostar no mito da democracia racial. O tema do racismo precisa ser pautado constantemente para ser combatido.
O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS
De José Almeida Júnior
Faro Editorial
240 páginas
R$ 39,90