Poesia, polêmica, artes plásticas e discussões. Ideias, vaias, vanguarda e uma ebulição cultural tomando conta do Teatro Municipal, no coração de São Paulo (SP). Não falta muito – exatamente um ano e três meses – para o Brasil lembrar o centenário da Semana de Arte Moderna, também conhecida como Semana de 22, ocorrida na Paulicéia Desvairada de 11 a 18 de fevereiro e reunindo nomes que se tornaram ícones da literatura e artes nacionais, a exemplo de Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e muitos outros.
No palco desse acontecimento ruidoso, celebrando novos tempos e 100 anos da Independência do Brasil, estavam dois mineiros que não tiveram o devido reconhecimento pela história e caíram no esquecimento: o poeta Agenor Barbosa, então com 26 anos, natural de Montes Claros, na Região Norte do estado, e a pintora Zina Aita, de 22, belo-horizontina de família italiana. Para suprir essa lacuna, a professora e escritora Ivana Ferrante Rebello e o arqueólogo e historiador Fabiano Lopes de Paula, ambos conterrâneos do poeta, lançam no dia 5 de dezembro, em Belo Horizonte, o livro Uma tristeza mineira numa capa de garoa. Agenor Barbosa: um poeta mineiro na Semana de Arte moderna (Editora Ramalhete).
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O beijo com a faca em riste: Ariana Harwicz narra relação complicada entre mãe e filhaDelimitação do tempo move O ausente, primeiro romance de Edimilson de Almeida PereiraEm busca da alma perdidaConheça o trabalho da mineira que colore o passado Às vésperas do bicentenário de Dostoiévski, chega ao mercado Escritos da casa mortaPara os autores, há muito para conhecer, pesquisar e estudar sobre a Semana de 22. Diz a professora Ivana: “Não podemos entender a repercussão da Semana de Arte Moderna apenas lendo a repetição do que se publicou sobre ela. Muitos aspectos do evento merecem ser memorados, inclusive a participação dos dois mineiros. Zina Aita é pouco referenciada; Agenor Barbosa foi desmerecido e esquecido. O prestígio de que Barbosa gozava no início do século 20 em Belo Horizonte e, depois, em São Paulo não condiz com esse esquecimento”.
Fabiano fala sobre os caminhos que nortearam a obra inédita sobre o poeta e a pintora: “O que nos interessou nessa pesquisa, mais do que falar da participação mineira no Modernismo de 1922, foi identificar traços de uma modernidade, gestada à mineira, em Belo Horizonte, antes de 1922. Tratava-se de um Modernismo em surdina, como definiu Cyro dos Anjos, mas com tonalidade própria.” Ele explica que “a Semana de Arte Moderna foi balizada por duas características: o espírito polêmico e destruidor que desconsiderava tudo o que fora feito no Brasil e que se pautava pelo gosto acadêmico. E a necessidade de encontrar uma dicção autêntica para as artes nacionais”.
Feições paulistas
O que faz um nome ser esquecido? Para os dois autores, há muitas razões: a não permanência no cenário artístico, a falta de publicidade em torno de seus nomes e obras, e, especialmente, o fato de eles não terem sido estudados pela academia. Segundo Ivana, “a Semana, até pelo fato de ter acontecido em São Paulo, foi tomando feições paulistas. As universidades do estado de São Paulo condensam a maior parte dos estudos sobre o tema, com destaque para os que se dedicam aos nomes de Mário de Andrade e Oswald de Andrade. A repetição dos estudos sobre a Semana, quase sem alteração, reforça o protagonismo de alguns e o apagamento de outros”.
Minas, acrescenta, foi inserida no contexto da arte modernista apenas com a chamada “caravana paulista”, em 1924, quando chegam aqui Mário de Andrade, Oswald de Andrade e seu filho Nonê, Tarsila do Amaral, o jornalista René Thiolier e Olívia Guedes Penteado (espécie de mecenas dos modernistas), além do advogado Godofredo Telles e do poeta franco-suíço Blase Cendrars.
Minas, acrescenta, foi inserida no contexto da arte modernista apenas com a chamada “caravana paulista”, em 1924, quando chegam aqui Mário de Andrade, Oswald de Andrade e seu filho Nonê, Tarsila do Amaral, o jornalista René Thiolier e Olívia Guedes Penteado (espécie de mecenas dos modernistas), além do advogado Godofredo Telles e do poeta franco-suíço Blase Cendrars.
E registram: “Esse é o momento em que o jovem Carlos Drummond de Andrade) entra em contato com o grupo e inicia uma bela amizade literária com Mário de Andrade (documentada em cartas). Para muitos a participação de Minas Gerais no modernismo brasileiro começa a partir daí, culminando, logo após, com o famoso grupo de A revista, em torno da qual reúnem-se nomes como Drummond, Nava, Emílio Moura, Cyro dos Anjos.”
No livro, com apresentação de Angelo Oswaldo de Araujo Santos, posfácio de Manoel Hygino dos Santos e pintura na capa de Georgino Júnior, artista montes-clarense falecido recentemente, os autores mostram que, apesar da tendência conservadora, Minas, antes da Semana de Arte Moderna, apresentava aspirações modernas. “O grupo simbolista mineiro influenciou o espírito de 1922. As revistas mineiras Vita e Vida de Minas, publicadas nos primeiros anos de século 20 em Belo Horizonte, apresentavam em seus números quadros conservadores e publicações progressistas.
Ao lado de trovas populares, traduções, publicavam poemas de notação vanguardistas. No ano de 1914, a revista Vita traz, por exemplo, um longo artigo de José Eduardo da Fonseca intitulado O Feminismo. O espírito de Minas Gerais, metaforizado na construção da cidade de Belo Horizonte, representa metaforicamente as tensões e as diferenças materializadas nos palcos do Teatro Municipal paulista. Nem tudo que ali se apresentou foi modernista, mas todos que ali se reuniram tinham aspirações modernas. Mesmo que Agenor Barbosa esteja esquecido no seu estado natal, vale o registro anotado por Fabiano. “Em São Paulo, ele se tornou nome de rua.”
Ao lado de trovas populares, traduções, publicavam poemas de notação vanguardistas. No ano de 1914, a revista Vita traz, por exemplo, um longo artigo de José Eduardo da Fonseca intitulado O Feminismo. O espírito de Minas Gerais, metaforizado na construção da cidade de Belo Horizonte, representa metaforicamente as tensões e as diferenças materializadas nos palcos do Teatro Municipal paulista. Nem tudo que ali se apresentou foi modernista, mas todos que ali se reuniram tinham aspirações modernas. Mesmo que Agenor Barbosa esteja esquecido no seu estado natal, vale o registro anotado por Fabiano. “Em São Paulo, ele se tornou nome de rua.”
A PINTORA...
Zina Aita
• Natural de Belo Horizonte, Zina Aita era filha de italianos. Na Itália entre 1914 e 1918, manteve contato com as novidades estéticas que movimentavam Roma, Florença, Milão e Veneza. Retorna a Belo Horizonte e, a convite de Aníbal Mattos, expõe suas pinturas no então prédio do Conselho Deliberativo (esquina da rua da Bahia com Avenida Augusto de Lima, no Centro de BH). Na Semana, seus quadros impressionam pela nova técnica e pelo cromatismo.
Para a estudiosa Aracy Amaral, as telas de Zina Aita foram bem modernas. Ivone Luzia Vieira também registra o pioneirismo da jovem pintora e seu desejo de inovar “por meio do pioneirismo entre o eterno e o fugaz”. Retorna à Europa, em 1924, onde continua sua carreira artística. Seu nome foi, naturalmente, talvez pelo distanciamento geográfico, sendo pouco a pouco apagado. Raramente é citada, mesmo que tenha tido participação ativa na Semana de 22. Comparativamente, Tarsila Amaral, que não participou do evento fisicamente, enviando apenas algumas telas, integra todas as relações sobre a Semana.
Há fotos de Aita ao lado de Mário de Andrade e Anita Malfatti. Encontramos desenhos dela na Klaxon, a revista modernista mais conhecida, e referências elogiosas a seu nome em carta de Manuel Bandeira a Mário de Andrade, em artigo de Sérgio Milliet e em outro de Mário de Andrade. Seu aspecto franzino e seu caráter introspectivo também concorreram para que sua imagem fosse, pouco a pouco, sendo esquecida.
Para a estudiosa Aracy Amaral, as telas de Zina Aita foram bem modernas. Ivone Luzia Vieira também registra o pioneirismo da jovem pintora e seu desejo de inovar “por meio do pioneirismo entre o eterno e o fugaz”. Retorna à Europa, em 1924, onde continua sua carreira artística. Seu nome foi, naturalmente, talvez pelo distanciamento geográfico, sendo pouco a pouco apagado. Raramente é citada, mesmo que tenha tido participação ativa na Semana de 22. Comparativamente, Tarsila Amaral, que não participou do evento fisicamente, enviando apenas algumas telas, integra todas as relações sobre a Semana.
Há fotos de Aita ao lado de Mário de Andrade e Anita Malfatti. Encontramos desenhos dela na Klaxon, a revista modernista mais conhecida, e referências elogiosas a seu nome em carta de Manuel Bandeira a Mário de Andrade, em artigo de Sérgio Milliet e em outro de Mário de Andrade. Seu aspecto franzino e seu caráter introspectivo também concorreram para que sua imagem fosse, pouco a pouco, sendo esquecida.
O POETA...
Agenor Barbosa
• Nascido em Montes Claros, em 1896, Agenor Barbosa chegou em Belo Horizonte em 1912. A partir de 1913 há publicações suas na revista Vita (1913-1915) e, depois, na revista Vida de Minas (1915-1916). Também publicou no Diário de Minas, com muita assiduidade. Em 1917, muda-se para São Paulo e lá se integra rapidamente à vida cultural paulista. Participa do grupo que se reunia, pioneiramente, na Vila Kyriall, onde estudavam e palestravam sobre a chamada “arte nova”.
Barbosa faz palestra sobre Alphonsus de Guimaraens, o simbolista mineiro a quem Mário de Andrade abertamente admirava, e sobre “Os poetas do subúrbio”. Nas páginas do Correio Paulistano, publica artigos defendendo a necessidade de renovação da arte brasileira e sobre o mercado editorial paulista. Publica poemas, contos, crônicas e críticas literárias no Correio Paulistano, nas revistas A Cigarra, Panóplia e na Revista do Brasil. Seu nome é elogiado, respeitado e até exaltado por Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Sérgio Buarque de Hollanda.
Nunca se declarou modernista, assumindo por diversas vezes, sua vocação e admiração pelo Simbolismo. No entanto, seu nome está no catálogo do segundo dia da Semana de Arte Moderna, seus poemas foram a base do mais combativo discurso proferido no recital artístico, por Menotti, e seu poema Pássaros de Aço, que recitou ao lado de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Ribeiro Couto, Sérgio Milliet, Tácito de Almeida e Plínio Salgado, em 15 de fevereiro de 1922, talvez seja o que melhor representa as contradições em torno do grupo que protagonizou a combativa Semana.
Barbosa faz palestra sobre Alphonsus de Guimaraens, o simbolista mineiro a quem Mário de Andrade abertamente admirava, e sobre “Os poetas do subúrbio”. Nas páginas do Correio Paulistano, publica artigos defendendo a necessidade de renovação da arte brasileira e sobre o mercado editorial paulista. Publica poemas, contos, crônicas e críticas literárias no Correio Paulistano, nas revistas A Cigarra, Panóplia e na Revista do Brasil. Seu nome é elogiado, respeitado e até exaltado por Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Sérgio Buarque de Hollanda.
Nunca se declarou modernista, assumindo por diversas vezes, sua vocação e admiração pelo Simbolismo. No entanto, seu nome está no catálogo do segundo dia da Semana de Arte Moderna, seus poemas foram a base do mais combativo discurso proferido no recital artístico, por Menotti, e seu poema Pássaros de Aço, que recitou ao lado de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Ribeiro Couto, Sérgio Milliet, Tácito de Almeida e Plínio Salgado, em 15 de fevereiro de 1922, talvez seja o que melhor representa as contradições em torno do grupo que protagonizou a combativa Semana.
ENTREVISTA/Ivana Ferrante Rebello e Fabiano Lopes de Paula
Holofotes para outros nomes
Por que Minas não ganhou destaque na Semana de Arte Moderna de 1922?
Ivana - A Semana de Arte Moderna (1922) teve seu epicentro na cidade de São Paulo, no Teatro Municipal, com patrocínio da alta burguesia paulista. Naturalmente, o espírito progressista e cosmopolita da cidade era o palco adequado para os eventos comemorativos do centenário da independência brasileira, e a Semana Modernista veio trazer a contribuição da intelectualidade e da classe artística para a ordem do dia.
Houve também as presenças significativas de Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade, que tomaram para si a tarefa de “proclamar a independência do Brasil” no campo artístico, ressaltando a necessidade de o país se desvincular das influências passadistas e europeias e descobrir a própria dicção estética. O fato de o palco central dos eventos ter acontecido em São Paulo conferiu à Semana de 1922 o selo de paulista, mas houve a participação de artistas de muitos lugares do Brasil, inclusive de Minas Gerais.
Houve também as presenças significativas de Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade, que tomaram para si a tarefa de “proclamar a independência do Brasil” no campo artístico, ressaltando a necessidade de o país se desvincular das influências passadistas e europeias e descobrir a própria dicção estética. O fato de o palco central dos eventos ter acontecido em São Paulo conferiu à Semana de 1922 o selo de paulista, mas houve a participação de artistas de muitos lugares do Brasil, inclusive de Minas Gerais.
Houve dois mineiros que participaram de forma significativa nos palcos do teatro municipal, em 22: o poeta Agenor Barbosa e a pintora e ceramista Zina Aita. Agenor Barbosa já estava residindo em São Paulo, desde 1917, como redator do Correio Paulistano. Na redação do jornal ele conhece Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade e, com eles, integra o grupo que idealizaria a Semana de Arte Moderna. Zina Aita, pintora de Belo Horizonte, recebe o convite de Manuel Bandeira e Mário de Andrade para expor seus quadros no famoso recital artístico. Passados muitos anos dos ruidosos acontecimentos que abalaram o ritmo e o gosto artístico da cidade de São Paulo, alguns nomes se destacaram e levaram adiante o espírito de 22: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Outros nomes que tiveram papel importantíssimo na Semana (sua organização, patrocínio, credibilidade), como Graça Aranha, por exemplo, foram sendo paulatinamente esquecidos.
Por que Agenor Barbosa e Zina Aita ficaram apagados?
Ivana - Há várias razões. O fato de um nome ser paulatinamente esmaecido se deve à tendência que têm os estudos de se apoiarem sempre no já dito. Na escrita do livro Uma tristeza mineira numa capa de garoa. Agenor Barbosa: um poeta mineiro na Semana de Arte moderna, consultando o que havia sido publicado acerca do tema, observamos uma tendência à repetição, quase todos dizem o mesmo. Muitas coisas serão retomadas com a proximidade das comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna.
E o poeta?
Ivana - Agenor Barbosa nos pareceu, todavia, o mais injustamente esquecido. Em todos os livros e teses consultados, seu nome integra a lista de participantes, mas só. Poucos se dedicam a falar sobre ele; citam-no apenas. Vimos seu nome arrolado ao lado do adjetivo “desconhecido” e outros, que se aprofundaram um pouco na questão, declararam que ele foi autor apenas dos 4 poemas referenciados por Menotti Del Picchia, na conferência da segunda noite, dedicada à poesia. Rubem Borba de Moraes declara, certa feita, que os poemas de Agenor Barbosa eram lidos às gargalhadas por certos integrantes do grupo que se reunia, após a realização da Semana de Arte Moderna, para discutir sobre a arte brasileira. Além disso, pesa contra ele o fato de não ter publicado nenhum livro, embora tenha escrito diariamente no Correio Paulistano, entre 1917 e 1929. Nas raras menções a seu nome, ele é tido como paulista, carioca ou simplesmente como “poeta da província”.
Como surgiu o interesse para pesquisar a vida dos dois mineiros desconhecidos?
Fabiano - O nome de Agenor Barbosa nos chegou a partir de uma citação no livro Efemérides Montes-clarenses, de Nelson Viana. Há dois escritores que o mencionam em artigos de jornal: o historiador Aroldo Lívio e o jornalista Manoel Hygino. Não sabíamos que havia um poeta mineiro na Semana de Arte Moderna. Como verificamos depois, ninguém sabia. A pesquisa elucidou caminhos, desanuviou preconceitos, permitindo-nos contar uma outra história. E, nesse percurso de descobertas, reencontramos o nome da pintora Zina Aita.
Ela foi mais estudada e reconhecida que Agenor, mas ainda assim, mereceria maior destaque. O que nos interessou nessa pesquisa, mais do que falar da participação mineira no Modernismo de 1922, foi identificar traços de uma modernidade, gestada à mineira, em Belo Horizonte, antes de 1922. Tratava-se de um Modernismo em surdina, como definiu Cyro dos Anjos, mas com tonalidade própria. Havia alguma coisa de muito moderno em revistas que publicavam versos de Gilka Machado (1913), versos de nítida inflexão erótica, ou versos de Alzira Reis, poeta que também foi a primeira médica formada em Minas Gerais, que defendia o divórcio e integrou a luta pelo direito ao voto feminino. Ao lado desses versos, havia, obviamente, versos parnasianos, academicistas, bem comportados. Isso elucida muito a heterogeneidade do modernismo brasileiro na primeira hora.
Ela foi mais estudada e reconhecida que Agenor, mas ainda assim, mereceria maior destaque. O que nos interessou nessa pesquisa, mais do que falar da participação mineira no Modernismo de 1922, foi identificar traços de uma modernidade, gestada à mineira, em Belo Horizonte, antes de 1922. Tratava-se de um Modernismo em surdina, como definiu Cyro dos Anjos, mas com tonalidade própria. Havia alguma coisa de muito moderno em revistas que publicavam versos de Gilka Machado (1913), versos de nítida inflexão erótica, ou versos de Alzira Reis, poeta que também foi a primeira médica formada em Minas Gerais, que defendia o divórcio e integrou a luta pelo direito ao voto feminino. Ao lado desses versos, havia, obviamente, versos parnasianos, academicistas, bem comportados. Isso elucida muito a heterogeneidade do modernismo brasileiro na primeira hora.
O que norteou a Semana de 22?
Fabiano - A Semana de Arte Moderna, como sabemos, foi balizada por duas características: o espírito polêmico e destruidor que desconsiderava tudo o que fora feito no Brasil e que se pautava pelo gosto acadêmico; e a necessidade de encontrar uma dicção autêntica para as artes nacionais. Não há consenso, por exemplo, na historiografia literária brasileira, sobre os anos que antecederam a Semana de 22. Alguns vão denominar o período, entre 1890 até 1920, de “época do simbolismo”; para Tristão de Ataíde ou Alceu Amoroso Lima, vivíamos o “pré-modernismo”, para Afrânio Coutinho foi a fase de transição ou sincretismo e para Antônio Cândido, a produção literária no Brasil, entre 1900 e 1920, não conseguiu criar uma nova proposta estética, tendo preservado ou elaborado alguns traços do romantismo, por isso ele denominou o período de “literatura de permanência”. Essas diferenças apenas explicitam as tensões, diferenças e pluralidades que vigiam no Brasil.
O que dizer sobre o Brasil daquele tempo?
Fabiano - Permitimos dar ao nosso estudo uma visão arquitetônica, de amplitude social, porque nos pareceu muito interessante os movimentos feitos em prol da modernização e do progresso, em várias cidades brasileiras, com ampliação de avenidas, criação de parques, a implementação do transporte urbano, a melhoria da iluminação pública etc. , enquanto a varíola, a peste bubônica e a febre amarela matavam milhares de brasileiros. Por trás das avenidas arborizadas e dos palacetes que se erguiam, havia carência no saneamento urbano, pouco investimento nos aspectos sanitários e de saúde. Decidimos nomear o período que antecede 1922, de “Belle Époque à brasileira”.
Era uma época de ouro com o peso de todas as carências e contradições visíveis no país. Ao lado do jornalismo bem-comportado e elitista de Olavo Bilac, líamos, nas publicações da época, a crônica irônica de Lima Barreto, que nos falava do subúrbio. Falamos de um Brasil que apresentava um Monteiro Lobato que lutava pelo petróleo brasileiro, estimulava publicações nacionais e que escreveu Urupês e de um Brasil que, pela voz do mesmo autor, publicou crítica violenta aos quadros da pintora Anita Malfatti, quando de sua exposição, em 1917.
Criavam-se as primeiras indústrias, chegavam aqui operários europeus para trabalhar, aumentavam as cidades, mas nos hábitos, valores e costumes prevalecia um conservadorismo acomodado. Havia muita velocidade nos bondes elétricos, mas muita lentidão na absorção das novas estéticas. A Semana de 22 condensa essas diferenças e contradições. Muitos dos que ali compareceram não foram modernistas. Tentaram adaptar-se às novas tendências, mas muito pouco do que foi ali apresentado representava o autêntico espírito revolucionário que a maioria queria.
Era uma época de ouro com o peso de todas as carências e contradições visíveis no país. Ao lado do jornalismo bem-comportado e elitista de Olavo Bilac, líamos, nas publicações da época, a crônica irônica de Lima Barreto, que nos falava do subúrbio. Falamos de um Brasil que apresentava um Monteiro Lobato que lutava pelo petróleo brasileiro, estimulava publicações nacionais e que escreveu Urupês e de um Brasil que, pela voz do mesmo autor, publicou crítica violenta aos quadros da pintora Anita Malfatti, quando de sua exposição, em 1917.
Criavam-se as primeiras indústrias, chegavam aqui operários europeus para trabalhar, aumentavam as cidades, mas nos hábitos, valores e costumes prevalecia um conservadorismo acomodado. Havia muita velocidade nos bondes elétricos, mas muita lentidão na absorção das novas estéticas. A Semana de 22 condensa essas diferenças e contradições. Muitos dos que ali compareceram não foram modernistas. Tentaram adaptar-se às novas tendências, mas muito pouco do que foi ali apresentado representava o autêntico espírito revolucionário que a maioria queria.
No livro, vocês se perguntam: De que Semana de Arte Moderna queremos falar? Então, qual é a resposta?
Ivana - Procuramos falar de uma Semana de Arte Moderna que foi gestada em vários anos que a antecederam, cujos sinais poderiam ser lidos nos poemas que se publicavam em vários estados do Brasil, cujo teor e forma já destoavam do gosto parnasiano. Procuramos desviar os holofotes dos mesmos nomes e fatos já muito celebrados e repetidos, mostrando outros ângulos. Quando Zina Aita foi convidada para expor na Semana de Arte Moderna, ela já havia exposto no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, em 1920.
Suas telas já traziam as influências das vanguardas europeias e a recusa ao cromatismo tradicional. Agenor Barbosa, que já trabalhava como redator do Correio Paulistano, chegara à capital paulista como poeta admirado e extremamente ativo, nos jornais e revistas de Belo Horizonte. O que ele escreveu antes de ir a São Paulo conta muito de um escritor que absorve as tendências e incoerências de um período que aglutinava a permanência de uma escola parnasiana, apegada às tradições da forma e as inovações subjetivas propostas pelo Simbolismo (que contou com um grupo forte em Minas Gerais). Em São Paulo, participando ativamente das agremiações literárias, saraus e palestras em torno da Arte Nova, ele integrou o grupo conhecido como Os Novos ou Os futuristas, como genericamente se chamavam.
Eram muito diferentes entre si, mas todos queriam a renovação da arte brasileira. Procuramos fugir das repetições, dando destaque à participação dos dois mineiros, mas sabemos que há outras histórias a respeito do Modernismo que ainda merecem ser contadas. Intrigou-nos o fato de vários nomes terem sido esquecidos. Também nos chamou a atenção o fato de a participação das mulheres no evento ter sido esmaecida. Essas são outras histórias que podem ser contadas, outros modernismos que merecem ser lembrados.
O tempo e a natureza da pesquisa nos obrigaram a fazer este recorte específico. Zina Aita impressiona com seu cromatismo bizarro o saguão do teatro Municipal. Sua tela, O Retrato, hoje em posse da família de Arduíno Bolívar, testemunha de maneira palpável a participação de Minas Gerais na Semana de Arte Moderna, de 1922.
Suas telas já traziam as influências das vanguardas europeias e a recusa ao cromatismo tradicional. Agenor Barbosa, que já trabalhava como redator do Correio Paulistano, chegara à capital paulista como poeta admirado e extremamente ativo, nos jornais e revistas de Belo Horizonte. O que ele escreveu antes de ir a São Paulo conta muito de um escritor que absorve as tendências e incoerências de um período que aglutinava a permanência de uma escola parnasiana, apegada às tradições da forma e as inovações subjetivas propostas pelo Simbolismo (que contou com um grupo forte em Minas Gerais). Em São Paulo, participando ativamente das agremiações literárias, saraus e palestras em torno da Arte Nova, ele integrou o grupo conhecido como Os Novos ou Os futuristas, como genericamente se chamavam.
Eram muito diferentes entre si, mas todos queriam a renovação da arte brasileira. Procuramos fugir das repetições, dando destaque à participação dos dois mineiros, mas sabemos que há outras histórias a respeito do Modernismo que ainda merecem ser contadas. Intrigou-nos o fato de vários nomes terem sido esquecidos. Também nos chamou a atenção o fato de a participação das mulheres no evento ter sido esmaecida. Essas são outras histórias que podem ser contadas, outros modernismos que merecem ser lembrados.
O tempo e a natureza da pesquisa nos obrigaram a fazer este recorte específico. Zina Aita impressiona com seu cromatismo bizarro o saguão do teatro Municipal. Sua tela, O Retrato, hoje em posse da família de Arduíno Bolívar, testemunha de maneira palpável a participação de Minas Gerais na Semana de Arte Moderna, de 1922.
A menos de dois anos do centenário da Semana de Arte Moderna, qual será a melhor forma de resgatar a obra de Agenor Barbosa e Zina Aita?
Fabiano - Pareceu-nos importante ressaltar a presença mineira naquele evento que foi conhecido como um divisor de águas nas artes nacionais. Os versos do poema “Pássaros de aço”, de Agenor Barbosa, recitado no dia 15 de fevereiro de 1922, no palco do Teatro Municipal da cidade de São Paulo, traduzem o esforço em adaptar-se ao espírito rebelde e livre que os modernistas de então defendiam.
• Uma tristeza mineira numa capa de garoa. Agenor Barbosa: um poeta mineiro na Semana de Arte moderna
• De Ivana Ferrante Rebello e Fabiano Lopes de Paula
• Editora Ramalhete
• R$ 58
• 210 páginas
• Lançamento: 5 de dezembro, das 11h às 14h, na área externa da Livraria Ouvidor (Rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi, Belo Horizonte)