Imagine a evolução do Homo sapiens como um grande reality show que começa há muitos milhares de anos e discute, com evidências científicas, temas atualíssimos que a nossa espécie não consegue superar, como pandemias, destruição da natureza, racismo, homofobia, machismo e risco de autoextinção.
E até mesmo a fofoca, hoje incrementada pelas redes sociais. Essa longa aventura sobre a Terra chega ao mercado brasileiro em forma de quadrinhos inspirados em Sapiens – Uma breve história da humanidade, lançado em 2011 pelo historiador e filósofo israelense Noah Yuval Harari, que já vendeu 16 milhões de exemplares em 60 idiomas.
E até mesmo a fofoca, hoje incrementada pelas redes sociais. Essa longa aventura sobre a Terra chega ao mercado brasileiro em forma de quadrinhos inspirados em Sapiens – Uma breve história da humanidade, lançado em 2011 pelo historiador e filósofo israelense Noah Yuval Harari, que já vendeu 16 milhões de exemplares em 60 idiomas.
No livro, de forma bem didática, não acadêmica, Harari junta história e ciência para contar o surgimento do Homo sapiens. Há cerca de 100 mil anos, essas criaturas evoluídas de outras espécies de humanos deixaram em bandos o Leste da África e começaram a se espalhar pelo resto do planeta. Chegaram à Europa e à Àsia já habitadas por outras espécies que haviam migrado para ali milhares de anos antes.
Na Europa, os sapiens deram de cara com os neandertais. Hoje, a ciência tenta descobrir se houve genocídio dos antigos habitantes ou miscigenação, e parece estar perto de comprovar esta última hipótese.
Na Europa, os sapiens deram de cara com os neandertais. Hoje, a ciência tenta descobrir se houve genocídio dos antigos habitantes ou miscigenação, e parece estar perto de comprovar esta última hipótese.
Foi nessa época que começaram os grandes saltos evolutivos e os sapiens passaram a modificar radicalmente o planeta. Harari mostra essas transformações por meio de três revoluções: a cognitiva, há 70 mil anos; a agrícola, há 12 mil anos; e a científica, iniciada há 500 anos.
Agora, o livro está sendo dividido em quatro volumes em forma de novela gráfica, e o primeiro (Sapiens – O nascimento da humanidade), já está disponível para vendas físicas e virtuais. Trata da revolução cognitiva. Com roteiro do belga David Vandermeulen e arte do francês Daniel Casanave, o formato HQ é uma versão radical da evolução humana, com quadrinhos muito explicativos, diálogos precisos e muitos personagens.
O grande atrativo e diferencial em relação ao livro é que o próprio Harari é o protagonista da HQ e conta todo o processo evolutivo como um reality show de forma inteligente e bem-humorada para atrair a leitura de jovens e até mesmo de crianças. A versão em quadrinhos cria personagens que não existem no livro, como Bill Pré-histórico, Doutora Ficção e Detetive Lopez. A destruição do meio ambiente e a extinção da megafauna, como mamutes e tigres-dentes-de-sabre, por exemplo, são apresentadas como um thriller policial em que o grande acusado é o Homo sapiens. O impacto no ecossistema é transformado em caso criminal, submetido à juíza Gaia — a deusa da Terra na mitologia grega.
A INVENÇÃO DA FICÇÃO
O que começou a diferenciar os sapiens das demais espécies animais foi o desenvolvimento do seu sistema cognitivo, com a invenção de religiões e outros mitos. Os sapiens mandam no mundo porque são os únicos animais que conseguem criar e acreditar em histórias fictícias, como deuses ou a marca de uma empresa, explica Harari. Não é real, material, mas milhões de pessoas acreditam. E se todo mundo acreditar, vai seguir as mesmas regras e cooperar, mesmo que as pessoas não se conheçam.
O historiador destaca as duas realidades da vida humana: a material, que são os rios, as árvores e os animais, por exemplo, e a realidade “imaginada”, como deuses e nações. Foi a criação da ficção, ocorrida há 70 mil anos, segundo Harari, que diferenciou o Homo sapiens dos demais animais e proporcionou o grande salto evolutivo, com mudanças substanciais na linguagem e no modo de vida.
Outra mensagem importante do livro e da HQ é como o Homo sapiens, que levou à extinção outras espécies humanas (Homo erectus, Homo neanderthalensis...), também está sujeito à extinção, contada por Harari sem academicismo. “A ciência tem uma grande armadilha que costuma ser mais complicada do que teorias da conspiração. Cientistas citam jargões, gráficos e números estatísticos, coisas que as pessoas têm dificuldade para entender porque pensam em forma de narrativas”, disse o historiador em recente entrevista ao jornal inglês The Guardian.
CRIATURAS FOFOQUEIRAS
O Homo sapiens é um animal social para muito além dos pequenos grupos, uma característica que permitiu outro salto evolutivo. “A cooperação social é a chave para nossa sobrevivência e reprodução”, diz o professor Robin Dunbar, outro personagem da HQ, seja para grandes caçadas de bisões ou para criar bombas atômicas. Mas a maior atração é a necessidade de saber da vida alheia. “A fofoca é uma coisa tão natural entre nós que é como se a língua tivesse evoluído justamente para isso”, sustenta o professor.E ele brinca: “Vocês acham que quando professores de história se encontram para almoçar, eles debatem as causas da Primeira Guerra Mundial? Há muito mais chance de sair fofoca sobre a professora que pegou o marido com outra ou a briga entre o chefe de departamento e a reitora”. E completa: “A fofoca costuma realçar as infrações para reforçar normas sociais e manter a coesão do grupo”, Parece, então, por essa interessante teoria, que isso explica o sucesso das redes sociais hoje.
SURGIMENTO DE PANDEMIAS
A COVID-19 também está na HQ. As evidências científicas até agora apontam para o principal “suspeito” como hospedeiro do coronavírus, cuja disseminação ocorreu pela manipulação humana na China: o pangolim, mamífero que vive em zonas tropicais da Ásia e da África e está em extinção porque é muito apreciado como iguaria naquelas regiões. Harari, em sua HQ, alerta: os animais silvestres, que têm seus espaços cada vez mais invadidos, transmitem doenças até então restritas ao meio em que vivem.
Mas a invasão de áreas selvagens e os transportes cada vez mais sofisticados são os principais transmissores de vírus e outras pragas, o que abre caminho para futuras pandemias, como vem alertando os especialistas desde o início da COVID.
Mas a invasão de áreas selvagens e os transportes cada vez mais sofisticados são os principais transmissores de vírus e outras pragas, o que abre caminho para futuras pandemias, como vem alertando os especialistas desde o início da COVID.
Mas a mensagem mais importante de Sapiens é desmascarar o racismo, a homofobia, o machismo, a misoginia e outras pragas morais. A espécie é uma só, a humana – Homo sapiens. Não existe raça negra, branca ou amarela. O sexo e o gênero são muito diversificados. As mulheres sempre tiveram múltiplas funções ao longo da história e nem sempre de submissão aos machos. Não há como negar tudo isso porque são muitas as evidências científicas, aponta Harari.
Por essas e muitas outras histórias distribuídas em 245 páginas muito coloridas e informativas, a HQ Sapiens tem o mérito de destrinchar a evolução humana para um público leigo de qualquer idade, explicando por que somos o que somos e permitindo ampla reflexão sobre como podemos melhorar a convivência e derrubar preconceitos.
SAPIENS – O NASCIMENTO DA HUMANIDADE
• De Yuval Noah Harari
• Adaptação de David Vandermeulen e Daniel Casanave
• Companhia das Letras
• 245 páginas
• R$ 52,90 (impresso)
• R$ 37,03 (kindle)