O Brasil perdeu um de seus maiores faróis. Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), crítico literário, humanista, católico progressista, militante de causas sociais, intelectual pleno que, como poucos, trabalhou a convergência da literatura com a história, a filosofia e a sociologia. Por meio de abordagem libertadora, como no clássico “Dialética da colonização”, pontuou as origens das desigualdades, injustiças e iniquidades que frequentam o país.
Essa é a trajetória de Alfredo Bosi, autor de 18 livros, sétimo ocupante da cadeira 12 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Aos 84 anos, ele não resistiu nesta quarta-feira (7/4) às complicações de pneumonia associada à COVID-19, vindo a óbito em São Paulo.
Essa é a trajetória de Alfredo Bosi, autor de 18 livros, sétimo ocupante da cadeira 12 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Aos 84 anos, ele não resistiu nesta quarta-feira (7/4) às complicações de pneumonia associada à COVID-19, vindo a óbito em São Paulo.
Intelectual de estatura enciclopédica, Bosi dedicou a vida às humanidades, em reflexão crítica que traz incomparável contribuição à literatura brasileira, mas também com trajetória que se completa por sua militância em causas políticas, sociais, culturais, educacionais e ambientais, com destaque para as lutas pela redemocratização do Brasil e a redução das desigualdades sociais, atuação iniciada com um grupo de operários da cidade de Osasco nos anos 70.
Certo da vocação fraterna, igualitária e libertadora do cristianismo em sua fundação na sociedade de escravidão romana, Bosi identificava na evolução histórica de tais fundamentos os princípios democrático e socialista: considerava-os herdeiros leigos, sem o conteúdo confessional, de uma grande tradição da fraternidade cristã. Bosi presidiu nos anos 1980, estertores da ditadura militar, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns e desde 1987 integrava a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, criada por Arns.
“Alfredo Bosi era um socialista cristão, que, por meio da espi- ritualidade, buscava a justiça social e abraçava a Teologia da Li- bertação, que tem em São Francisco de Assis – em sua rejeição ao consumo e aos bens materiais –, uma visão muito cristã da luta contra a opressão. Era militante, com vínculos profundos com as comunidades de base, pastorais, operárias”, afirma o escritor Milton Hatoum, que teve o seu primeiro romance, “Relato de um certo Oriente” (Companhia das Letras, 1989), avaliado por Bosi ao tratar da ficção produzida a partir dos anos 1970.
A história da sociedade brasileira foi contada por Alfredo Bosi por meio da análise da literatura produzida no país. No primeiro livro, “O pré-modernismo”, lançado em 1966, documenta a evolução da produção nacional entrelaçada em seu contexto sociopolítico, entre o fim do século 19 e durante as primeiras décadas do século 20, período que antecedeu o surgimento do Modernismo. Esse foi movimento artístico e cultural que rompeu com o padrão da estética europeia, até então prevalente.
A segunda obra de Alfredo Bosi, “História concisa da lite- ratura brasileira” (1972), está em sua 52ª edição e é referência para estudantes e pesquisadores da teoria literária. Foi escrita aos 34 anos, sob encomenda do poeta José Paulo Paes (1926-1998), à época editor na Cultrix. O mais recente livro de Bosi, “Entre a literatura e a história”, foi publicado em 2013 e reúne 40 textos que correlacionam o desenrolar histórico com a produção literária de cada época.
Ao mesmo tempo em que articula a vivência da poesia com a perspectiva filosófica e social, e sem apagar diferenças de pensamento, Alfredo Bosi as apresenta em sua complexidade, transformando estudos literários em obras como “Céu, inferno”, “Dialética da colonização” e “Ideologia e contraideologia”. A reflexão que transborda do trabalho de Alfredo Bosi adquire o caráter da resistência, seja na produção intelectual dentro da teoria literária – uma construção da história da literatura brasileira – seja na contextualização história, cultural e sociopolítica das obras, que aponta para a análise ideológica da produção no país. A produção intelectual de Bosi expressa o horizonte de suas afinidades: no campo literário, padre Antônio Vieira, Machado de Assis, Graciliano Ramos e Jorge de Lima e, no campo teórico, Giambattista Vico (1668-1774), Benedetto Croce (1866-1952) e Antônio Gramsci (1891-1937).
Breve trajetória
Eleito em 20 de março de 2003 para a Academia Brasileira de Letras (ABL), Alfredo Bosi foi o sucessor de dom Lucas Moreira Neves. Nascido em São Paulo (SP), em 26 de agosto de 1936, foi casado com a psicóloga social, escritora e professora do Instituto de Psicologia da USP Ecléa Bosi, já falecida, com quem teve dois filhos: Viviana e José Alfredo. Descendente de italianos, logo depois de se formar em letras pela Universidade de São Paulo (USP), em 1960, estudou por um ano em Florença. Ao retornar ao Brasil, assumiu os cursos de língua e literatura italiana na USP e, em 1970, lecionou literatura brasileira no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, da qual foi professor titular de literatura brasileira.
Ocupou também a Cátedra Brasileira de Ciências Sociais Sérgio Buarque de Holanda da Maison des Sciences de l’Homme (Paris). Foi vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP de 1987 a 1997. Desde dezembro de 2020, passou a ocupar o cargo de diretor. Entre outras atividades no IEA, coordenou o Educação para a Cidadania (1991-96), integrou a comissão coordenadora da Cátedra Simón Bolívar (convênio entre a USP e a Fundação Memorial da América Latina) e coordenou a Comissão de Defesa da Universidade Pública (1998). Desde 1989, era editor da revista Estudos Avançados.
Ocupou também a Cátedra Brasileira de Ciências Sociais Sérgio Buarque de Holanda da Maison des Sciences de l’Homme (Paris). Foi vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP de 1987 a 1997. Desde dezembro de 2020, passou a ocupar o cargo de diretor. Entre outras atividades no IEA, coordenou o Educação para a Cidadania (1991-96), integrou a comissão coordenadora da Cátedra Simón Bolívar (convênio entre a USP e a Fundação Memorial da América Latina) e coordenou a Comissão de Defesa da Universidade Pública (1998). Desde 1989, era editor da revista Estudos Avançados.
Repercussão
“Um mestre e um colega”
“O professor Alfredo Bosi, ser humano de olhar atento e sensível, e intelectual da mais alta importância, deixa um legado significativo não apenas para a história das literaturas italiana e brasileira, de que se ocupou como professor da Universidade de São Paulo. Com formação sólida, alicerçada no campo da religião católica, desenvolveu estudos que abordam a literatura na sua conjunção com a história, a filosofia, a sociologia, a política, de modo a levantar e discutir um repertório vasto de questões culturais ligadas ao compromisso social com as minorias numa sociedade injusta como a nossa. Perdemos, pois, um ‘humanista’, no seu mais amplo e digno papel de pensador, que, com sensibilidade e agudeza crítica, fiel a valores de ordem ética e moral, voltou-se para as bases de sustentação de necessárias mudanças pelas quais nossa sociedade espera. Para nós, da Universidade de São Paulo, foi um mestre e um colega sempre presente e assim continuará, nas nossas lembranças.”
>> Nádia Battella Gotlib, professora de literatura brasileira da USP e escritora
“Uma voz imprescindível”
“A partida de Alfredo Bosi é uma perda imensa para a crítica literária brasileira. Ele deixa uma obra fundamental não apenas para os que se interessam pela história de nossa literatura, como também para os estudiosos de poesia e das relações entre literatura, história social e pensamento político. Foi uma de minhas principais referências nos meus tempos de formação literária na Faculdade de Letras da UFMG, tornando-se, depois, uma voz imprescindível para minhas aulas e pesquisas. Sua ‘História concisa da literatura brasileira’ é um livro que mantenho sempre por perto, e com os ensaios de ‘O ser e o tempo da poesia’ eu aprendo, até hoje, muito sobre a arte poética.”
>> Maria Esther Maciel, escritora e professora de teoria da literatura e literatura comparada da Faculdade de Letras da UFMG, membro da Academia Mineira de Letras
“Um intelectual lúcido”
“A ‘História concisa da literatura brasileira’, do professor Alfredo Bosi, marcou uma geração de leitores, na qual me incluo, desde que tomei conhecimento da sua obra, nos tempos da faculdade. Foi um dos grandes críticos literários do Brasil, que fica menor com a sua partida, ainda mais nesse momento de solidão e incertezas que estamos vivendo. Seu legado é de um intelectual lúcido, que sempre lutou por um país mais justo, e sua partida, agora, nos deixa mais tristes. Mas atentos ao seu legado e à grande contribuição que ele deu à arte e à cultura brasileira.”
>> Carlos Herculano Lopes, jornalista e escritor
“Humanista que lutou contra a barbárie”
“Alfredo Bosi foi um grande pensador da literatura e da cultura brasileira. Ainda jovem, publicou ‘História concisa da literatura brasileira’, um manual precioso, dirigido não apenas a estudantes de letras, mas a todos que se interessam pela nossa literatura. Foi ainda um crítico sofisticado de literatura italiana, como revelam alguns ensaios de ‘Céu, inferno’. Vários poetas italianos, a estética de Croce e a filosofia política de Gramsci reaparecem em outro livro fundamental, ‘O ser e o tempo da poesia’. Bosi não desvinculava a análise estética da perspectiva histórico-política, fatores integrantes de sua produção crítica.
Nesse sentido, o já clássico ‘Dialética da colonização’ esclarece muitas das atuais iniquidades do Brasil, em cuja história estão entranhados a escravidão e um ‘liberalismo’ postiço, farsesco. Afora a obra, é preciso salientar a irrepreensível postura ética de Alfredo Bosi, dentro e fora da universidade. Erudito e generoso, Bosi nunca foi pedante nem mesquinho. Na verdade, foi um humanista que lutou contra a barbárie. Ele nos deixa num momento em que o país se encontra à beira da barbárie e do colapso social. Mas tenho certeza de que sua obra e seu exemplo de cidadão íntegro são perduráveis.”
Nesse sentido, o já clássico ‘Dialética da colonização’ esclarece muitas das atuais iniquidades do Brasil, em cuja história estão entranhados a escravidão e um ‘liberalismo’ postiço, farsesco. Afora a obra, é preciso salientar a irrepreensível postura ética de Alfredo Bosi, dentro e fora da universidade. Erudito e generoso, Bosi nunca foi pedante nem mesquinho. Na verdade, foi um humanista que lutou contra a barbárie. Ele nos deixa num momento em que o país se encontra à beira da barbárie e do colapso social. Mas tenho certeza de que sua obra e seu exemplo de cidadão íntegro são perduráveis.”
>> Milton Hatoum, escritor
“Reflexão social e política”
“Um dos grandes críticos brasileiros, Alfredo Bosi deixa vasto legado sobre a literatura e a cultura brasileira em estudos nos quais a atenção à linguagem se abre para arguta e severa reflexão social e política. Intelectual participante, uniu ação e reflexão de maneira a compor um sistema de pensamento voltado aos problemas cruciais do país em práticas e textos de importância decisiva para sua justa compreensão.”
>> Wander Melo Miranda, professor emérito da Faculdade de Letras da UFMG