Definir o que de mais interessante, marcante e significativo foi produzido na literatura brasileira na última década é uma missão árdua. Afinal, é impossível ler toda a produção de um país ao longo de um período tão extenso e diverso como foram os últimos 10 anos no Brasil – para o bem e para o mal. Para fazer um mapeamento do que se produziu de mais marcante na ficção na última década no país, o Pensar entrou em contato com 20 pessoas – entre eles, professores, produtores culturais e críticos, que se dedicam à leitura e análise da produção contemporânea nacional.
Eles foram convidados a produzir listas de acordo com suas preferências pessoais, sem necessariamente hierarquizar os títulos selecionados. Foi evitado o termo “melhores”, justamente pela subjetividade da seleção proposta. Eles também não precisavam justificar suas escolhas, embora vários tenham optado por fazê-lo.
Dez homens e 10 mulheres de Minas Gerais e de outros estados brasileiros relacionaram 10 livros de ficção, entre romances, contos e poesia publicados no país entre 2010 e 2020. Ficaram de fora reimpressões e reedições, além de todo o universo da não ficção (ensaios, reportagens, biografias). O resultado é uma seleção regida pela diversidade.
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Com o seu “O livro das semelhanças”, a poeta mineira Ana Martins Marques foi lembrada em oito listas. “A precariedade da palavra, a impossibilidade intrínseca aos nomes, é o principal tema desse livro de poemas extraordinário, em que ressurge o abismo intransponível entre as palavras e as coisas, as palavras e as imagens”, ressaltou Guiomar de Grammont, coordenadora geral do Fórum das Letras. “Chama a atenção pelo modo como, nele, a qualidade de cada poema em si se amplifica e se articula na inteligente e sensível estruturação do livro como um todo”, completou a professora Andréa Soares Santos, do departamento de Linguagem e Tecnologia do Cefet-MG.
Morta em 2017, Elvira Vigna não teve tempo de ver o destaque conferido ao seu “Como se estivéssemos em palimpsesto de putas”, indicado por seis convidados. “Meu livro favorito da década. Uma obra-prima que, nas frases cortantes de Vigna, fica ainda melhor”, justificou o crítico Mateus Baldi. “Olhos d’água”, de Conceição Evaristo, emplacou em cinco listas. “Sem quaisquer idealizações, são aqui recriadas com firmeza e talento as duras condições enfrentadas pela comunidade afro-brasileira”, afirmou Etiene Martins, da livraria Bantu, especializada em obras de autores negros.
“Marrom e amarelo”, de Paulo Scott, também ganhou cinco menções. “Traz outro olhar para o debate, principalmente do que é ser preto em um país racista, embora de maioria negra. Livro extremamente necessário”, apontou o crítico pernambucano Ney Anderson, do blog “Angústia criadora”.
Como toda produção artística, a literatura não passou incólume às inúmeras mudanças dos últimos 10 anos do país. Crises políticas e econômicas profundas deixaram suas marcas no trabalho dos escritores, que não se furtaram a abordar temas como trabalho escravo, cotas, racismo, misoginia, machismo, crise climática e autoritarismo. A ascensão da autopublicação também se fez presente: quatro dos livros indicados nas listas foram bancados pelos próprios autores.
Importante ressaltar também que as obras lembradas integram a última leva de produção ficcional antes da pandemia do novo coronavírus. Além de boa literatura, as obras selecionadas também servem como uma espécie de mapeamento subjetivo do país que deixamos para trás. Certamente, os milhares de óbitos, o isolamento e outras mudanças provocadas pela COVID-19 deixarão suas marcas na produção literária da década que começa sob o signo do desamparo e do luto.
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