Jornal Estado de Minas

RESENHA

'Suíte Tóquio' é um romance que nos faz rir e chorar

“Suíte Tóquio” é um dos melhores romances que li nos últimos dois anos. Nas demais linhas desta resenha, vou organizar as razões pelas quais cheguei a essa conclusão arriscada, depois da leitura de dezenas de outros romances igualmente contemporâneos e brasileiros. Este é um dos pontos: a literatura latino-americana de língua espanhola tem sido produzida por escritores e escritoras que vêm sendo fartamente traduzidos ao redor do mundo, inclusive entre nós.



Na comparação com ótimas e ótimos romancistas chilenas(os), argentinas(os) ou mexicanas(os), Giovana Madalosso e seu “Suíte Tóquio” não ficam a dever nada. E por que este livro de 208 páginas me fisgou de tal maneira que não o larguei mais enquanto não terminasse?

Para início de conversa, logo nas primeiras linhas somos lançados numa ação, uma cena que se desenrolará temporalmente, nos levando para trás (num flashback) e para frente, quando vamos desfiando o enredo na voz de duas personagens, igualmente protagonistas: a babá e a patroa. A relação entre elas é uma problemática à parte, já digna de destaque por fazer parte de um elenco de temas espinhosos abordados com coragem e senso crítico pelas prosadoras contemporâneas

Madalosso constrói duas figuras femininas que vão, com suas vidas e questões, desenrolando, sob nosso olhar e nossas emoções, um conjunto de situações reconhecíveis, mas no livro vistas de um ângulo duplo, isto é, se a babá vê os acontecimentos de seu lugar de subalterna e explorada, a patroa tem outra percepção, ambas em suas vidas igualmente eivadas de conflitos, tensões, frustrações, infelicidades e dependências.

Estão no romance todos os elementos que a crítica e professora Eurídice Figueiredo aponta como recorrentes na literatura produzida por mulheres na atualidade: a maternidade, em seus conflitos; a vida profissional da mulher numa sociedade patriarcal; casamentos fracassados; o estupro; relações homoafetivas femininas; o eterno ciclo de mulheres exploradas por outras mulheres, etc. Nada disso leva jeito de enxerto na narrativa de Madalosso. 





Histórias paralelas

O romance é construído numa linguagem ágil, direta, que conduz o leitor ou a leitora no périplo das duas viajantes (babá e patroa), cada uma ao seu modo e por suas razões, experimentando suas jornadas para fora da vida ordinária, acompanhadas de pessoas estranhas, tudo tão efêmero que parece uma espécie de sonho. As protagonistas narram histórias paralelas que, no entanto, se cruzam, contrariando a geometria. Trata-se da vida, então, que conduz as duas (e quem lê) a suas desistências e frustrações particulares, para provavelmente continuar na mesma. Para as mulheres, a vida só pode ser emocionante de vez em quando, e olhe lá. 

“Suíte Tóquio” tem passagens de fina ironia, episódios que nos fazem rir e chorar, sem perder o timing. Não se arrasta nem se apressa, tal como muitos romances fazem em qualquer etapa, em especial no fim. O título foi publicado pela Todavia, editora que vem compondo um catálogo arrebatador, em termos de literatura feita agora, em diversas partes do mundo. Isso inclui, é claro, o Brasil, que oferece razões de sobra para ficcionistas viverem inspirados.

Giovana Madalosso é curitibana, vive em São Paulo, conta pouco mais de 40 anos e “Suíte Tóquio” é seu terceiro livro. Os dois anteriores foram finalistas de grandes prêmios nacionais, e certamente mereciam mais. Para além de prêmios e distinções, trata-se de um romance que precisa ser lido e comentado

Ana Elisa Ribeiro é professora do CEFET-MG e escritora

“Suíte Tóquio” 
De Giovana Madalosso 
Editora Todavia 
208 págs 
R$ 59,90




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