Os pensamentos, métodos e pinturas de um grande artista do século 19 são abordados em “Conversas com Cézanne”, da Editora 34, que foi organizado pelo historiador da arte Michael Doran, traduzido pela artista plástica brasileira Julia Vidile, e lançado no Brasil este ano. O livro reúne testemunhos, cartas, artigos de jornal, relatos de conversas e ensaios críticos e biográficos sobre o francês Paul Cézanne (1839-1906). O resultado do trabalho é o retrato de um homem tímido, emotivo e desconfiado, mas ao mesmo tempo genial, explosivo e cerebral, que passou seus últimos anos em Aix-en-Provence, no Sul da França, dedicando-se à pintura.
“Conversas com Cézanne” foi lançado originalmente em 1978 pela editora francesa Macula, e já foi traduzido para o inglês, italiano e espanhol. Ele é dividido em duas partes, chamadas de “Documentos” e “Interpretações”, com textos que mostram o comportamento paradoxal do pintor em sua fase final da vida, entre 1894 e 1906, quando o humor de Cézanne alternava entre um nervosismo amargurado e uma autenticidade apaixonante. Na primeira seção, os testemunhos estão classificados por ordem cronológica conforme a data da visita ou dos encontros que descrevem. Já na segunda, Maurice Denis, Émile Bernard e Joachim Gasquet procuram estabelecer um perfil do artista.
O professor, pintor e desenhista Paulo Pasta, doutor em artes visuais, afirma no posfácio do livro: “O Cézanne que emerge dessas conversas e testemunhos é, sem dúvida alguma, a figura excepcional da pintura moderna, a um tempo sábio, resoluto e profundamente desconfiado de si e dos outros. ‘Sou o mais infeliz dos homens’, chega mesmo a declarar . Talvez o teor dessa confissão se deva, sobretudo, à percepção de sua tarefa sem fim, da permanente dúvida que o acompanhava, e que seria, ela também, princípio formador da modernidade”, destaca.
Considerado um dos maiores especialistas na obra de Cézanne, Michael Doran explica que o objetivo do trabalho não é rivalizar com as biografias feitas por Gerstle Mack e John Rewald, e inclusive diz que o leitor deve tê-las à mão, mas “simplesmente oferecer ao verdadeiro apreciador de Cézanne um acesso fácil a documentos importantes”. O volume inclui notas introdutórias e explicações curtas a respeito de alguns pontos que podem despertar a curiosidade durante a leitura. Além disso, detalha questões de ordem teórica ou estética que são levantadas por Cézanne ou mesmo por seus interlocutores.
As cartas enviadas ao pintor pós-impressionista Émile Bernard, por exemplo, mostram um lado excêntrico e inquieto de Cézanne, oferecendo, mesmo para quem não conhece a fundo sua obra, as perspectivas de um homem com uma grande maturidade artística. As concepções estéticas e a geometrização de suas composições, através da técnica dos cilindros, cones e esferas, estão presentes nas conversas do pintor francês. O livro prova que, se o trabalho de Cézanne foi incompreendido durante muitos anos, seu entusiasmo e amor pela arte o colocaram definitivamente entre os maiores nomes da arte moderna.
TRECHO DO LIVRO
“Assim, dentre os pintores que são grandes, Paul Cézanne pode ser colocado como um místico, pois é lição de arte o que nos dá, ele vê as coisas por si mesmas, mas por sua relação direta com a pintura, ou seja, com a expressão concreta de sua beleza. Ele é um contemplativo, observa esteticamente, não objetivamente; exprime-se pela sensibilidade, ou seja, pela percepção instintiva e sentimental das relações e acordes. E como assim sua obra faz fronteira com a música, podemos repetir de maneira irrefutável que é um místico, sendo esse último meio o supremo, o do céu. Toda arte que se musicaliza está no caminho de sua absoluta perfeição. Na linguagem ele se torna poesia, na pintura torna-se beleza.”
“Conversas com Cézanne”
Michael Doran (org.)
Editora 34
320 páginas
R$ 66