“Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
Esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!”
“Confidência do itabirano”, de Carlos Drummond de Andrade
É assim que Carlos Drummond de Andrade demarca o seu espaço territorial em vínculo com a história, não apenas indivi- dual, mas, sobretudo, coletiva: as raízes de suas confidências – no estado das inconfidências – estão em Itabira, onde a riqueza mineral se contrapõe à falta de “horizontes”, de uma terra que perde as suas montanhas para a exploração predatória, ao mesmo tempo em que é a combustão para um “desenvolvimento” que não voltará para ela: “Esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil.”
Nesse poema, o autor itabirano, que pela li- teratura modernista do século 20 supera o código literário parnasiano, confessa: “O hábito de sofrer”, uma “doce herança itabirana”, é algo que o diverte. Que assim seja, também em relação à dor da lembrança de um certo passado arcaico e material de sua terra natal – de “ouro”, “gado” e “fazendas” – que para Drummond, tornou-se uma fotografia na parede.
Nesse poema, o autor itabirano, que pela li- teratura modernista do século 20 supera o código literário parnasiano, confessa: “O hábito de sofrer”, uma “doce herança itabirana”, é algo que o diverte. Que assim seja, também em relação à dor da lembrança de um certo passado arcaico e material de sua terra natal – de “ouro”, “gado” e “fazendas” – que para Drummond, tornou-se uma fotografia na parede.
Pedro Drummond, neto de Carlos Drummond que recebeu do avô a responsabilidade de cuidar de sua obra, participará do Flitabira na mesa Vasto Mundo. “Itabira está presente em quase toda a obra de Carlos; o livro “Boitempo”, por exemplo, é repleto de versos dedicados às lembranças itabiranas. Como ele disse no documentário “O fazendeiro do ar”, de Fernando Sabino e David Neves, Carlos nunca deixou de ter essa “fixação sentimental com sua terra de origem”, afirma Pedro Drummond, em entrevista ao
Estado de Minas
.
“Vasto Mundo é uma coletânea de textos de Carlos ‘casados’ com as lindas fotografias de meu querido amigo Adriano Fagundes, organizador do livro. De um lado, o poeta itabirano que sentiu o mundo desde seu gabinete de trabalho; do outro lado, o fotógrafo que percorreu e capturou o mundo com seu olhar atento e sensível. O trabalho de ambos combina em perfeita sintonia. O livro, que será lançado pela Editora Autêntica durante o evento, é mais uma prova da permanência e dos desdobramentos possíveis do legado drummondiano”, considera Pedro Drummond. Ele decidiu que a obra de Drummond não será mais publicada pela Companhia das Letras e a nova casa editorial do poeta ainda não foi anunciada.
“Vasto Mundo é uma coletânea de textos de Carlos ‘casados’ com as lindas fotografias de meu querido amigo Adriano Fagundes, organizador do livro. De um lado, o poeta itabirano que sentiu o mundo desde seu gabinete de trabalho; do outro lado, o fotógrafo que percorreu e capturou o mundo com seu olhar atento e sensível. O trabalho de ambos combina em perfeita sintonia. O livro, que será lançado pela Editora Autêntica durante o evento, é mais uma prova da permanência e dos desdobramentos possíveis do legado drummondiano”, considera Pedro Drummond. Ele decidiu que a obra de Drummond não será mais publicada pela Companhia das Letras e a nova casa editorial do poeta ainda não foi anunciada.
A pedra e o sino
Em formato híbrido, com transmissão 24 horas pelo YouTube, e patrocínio do instituto cultural Vale, o Flitabira tem por tema central “A pedra e o sino”. A primeira, refe- rência ao poema “No meio do caminho”, pu- blicado pela primeira vez em julho de 1928 na Revista de Antropofagia, dirigida por Oswald de Andrade. A criação do modernista Drummond, considerada uma referência do século 20, dialoga com o soneto “Nel mezzo del camin”, escrito pelo poeta parnasiano Olavo Bilac (1865-1918). Já o “sino” é referência à catedral reconstruída, a Matriz do Rosário, com seu sino Elias e relógio, que, na memória de Drummond, ressoava a cada hora “grave/como a consciência” e cujo som é “para ser ouvido no longilonge/do tempo da vida”, um “som profundo no ar,/[…] que liga o passado/ao futuro, ao mais que o tempo,/e no entardecer escuro/abre um clarão.”
“É uma excelente novidade para a cidade natal de Carlos e será uma ótima oportunidade para aproximar o público jovem dos autores presentes e do passado, além de promover a produção literária. Torcemos para que a iniciativa tenha continuidade e seja definitivamente fixada no calendário cultural de Minas Gerais”, considera Pedro Drummond. O forte vínculo de Drummond com a sua terra natal é objeto de pesquisa de Joziane, jornalista itabirana, esposa de Pedro, que prepara uma coletânea com tudo o que Carlos escreveu sobre a cidade.
Todos os anos, o Flitabira vai elencar diferentes aspectos da obra de Carlos Drummond de Andrade, explica Afonso Borges, organizador do evento. “Um festival literário tem que estar conectado em dois polos: a sintonia com o tempo presente, político, cultural e social e a atualidade do mercado editorial, ou seja, os lançamentos mais recentes dos autores selecionados. Esta mistura compõe o caldo cultural da primeira edição do Flitabira. Sem esquecer da produção cultural local, é claro.”
Para as mesas, a mediação será dividida entre Afonso Borges e Bruna Lombardi, direto da casa onde viveu Drummond, com abertura do escritor moçambicano Mia Couto, apresentação do espetáculo “Sem lugar”, do grupo de dança Primeiro Ato, baseado na obra do poeta, e show de Maíra Baldia. A programação, de grande diversidade, traz José Miguel Wisnik falando sobre o universo ficcional de Drummond; Itamar Vieira Junior (“Torto arado”) discorrendo sobre o Brasil de ontem e hoje; Chico Felitti e Tom Farias, sobre as biografias de Elke Maravilha e Carolina Maria de Jesus; Humberto Werneck, que prepara uma biografia de Drummond; Tatiana Salem Levy e Daniela Schanem falando sobre a questão da violência contra as mulheres; e Conceição Evaristo sobre o amor aos livros. No escopo da programação estão conversas também com Monja Coen, Danilo Miranda, Sérgio Abranches, Heloisa Starling e Miriam Leitão, entre mais autores. E, para o encerramento, os convidados são Ailton Krenak e Valter Hugo Mãe.
Entrevista
Pedro Drummond
'Trabalhar com o legado do meu avô é uma forma de atenuar a saudade'
Como foi a sua relação pessoal com o seu avô e que tipo de compromisso assumiu com o legado de Carlos Drummond de Andrade?
Nossa relação sempre foi ótima. Carlos foi um avô muito carinhoso e dedicado aos netos. Nosso compromisso é o de seguir seu exemplo e a orientação que ele mesmo nos deu pouco antes de morrer. Trabalhar com seu legado é uma forma de atenuar a saudade.
Você mencionou, em entrevista em 2019, que tinha o desejo não realizado de “publicar em forma cronológica todas as crônicas que Carlos escreveu; concluir e montar o musical que Carlos deixou inacabado (mas com um final definido), usando textos dele próprio, e publicar a correspondência entre Carlos, mamãe e papai. Sei que isso ainda vai levar um tempo e muito trabalho…” Esses projetos serão levados à nova editora? O que mais deseja editar?
À medida que haja interesse, o que for do âmbito editorial poderá ser conversado com os editores; ainda há muitas crônicas inéditas em livro que podem ser objeto de pesquisa. Ontem mesmo, o poeta e professor Gilberto Mendonça Teles comentou sobre sua vontade de publicar a correspondência dele com Carlos e as dedicatórias que recebeu de meu avô.
O que achou da decisão da Companhia das Letras de colocar em liquidação, a R$ 9,90 cada título, os livros de Drummond que ainda estão no catálogo da editora?
Acho que é uma boa oportunidade para os leitores. Decidir o preço dos livros é uma prerrogativa dos editores.
Quais os critérios que utilizará para escolher uma nova casa editorial para a obra de Drummond?
Nossa intenção sempre foi preservar o legado e difundir a obra de CDA da melhor maneira possível.
O que a obra de Carlos Drummond tem a dizer, em sua avaliação, sobre o tratamento dispensado à cultura, literatura e arte pelo governo federal no Brasil de hoje?
Obviamente, tanto na sua obra como em seu trabalho de funcionário público, Carlos sempre apoiou a educação e a cultura.
1º Flitabira
Primeiro festival literário internacional de Itabira. De 27/10 a 31/10. Formato híbrido, com transmissão 24 horas pelo YouTube. Confira programação acessando o site .
Primeiro festival literário internacional de Itabira. De 27/10 a 31/10. Formato híbrido, com transmissão 24 horas pelo YouTube. Confira programação acessando o site .