Jornal Estado de Minas

Primeira leitura

Mariana Paz


ao atravessar o veio da folha 
viu-se partir o orvalho 
o piscar de uma pálpebra 

caíam dentro de si todas as coisas 

brotando em lâminas 
o fundo musical infinito 

corro para não ver tudo, 
as sementes caem frágeis, engravidam 
batem os meus pés

*

o suor corta o peito 
os cabelos escurecem atrás

*
a respiração mergulha 
aprendo dela a fala 

estrelas 
descuidadas descem 
tocam a areia fina 
estão dentro, cabem 

o papel, minha mãe, escuro éter 

usufruo da verdade dinamitada

*
desceu o homem 
para dizer nas mãos 
os olhos pousados entre chamas 

desceu às circunstâncias exatas 
plissado, jardim sujo 

era a cidade

Hoje a vida me rói a beira, 
sopra o vento de um riacho inexistente 
de uma casa inexistente 
onde eu era feliz na televisão. 





Tudo aqui dentro em quadros. 
Não sou como aquela atriz 
que corta do script as cenas incoerentes. 
A incoerência me lambe os dedos: 
como um gato, passeia no quintal.

*
Salgar os dedos 
molhados na língua. 
O corpo curva-se. 
Comove 
em perguntas mudas. 

Não posso esticar-me tanto, 
preciso da rede para nadar.

*
O poema, 
ladrilho fino, 
rejunte da cerâmica sob os pés, 
barra trançada da rede, 
linha onde sobe o maracujá.

*
A espuma do mar 
cobre minha cabeça, 
bate no peito. 





Travamos uma batalha consentida – 
tudo em mim existe.


Sobre a autora
Nascida e criada em Belo Horizonte, Mariana Paz é formada em artes plásticas pela Escola Guignard. Os versos acima fazem parte dos livros “A matéria mais suja do dia” e “Verbo do Rio”, da Editora Nós, que serão lançados em edição especial do Sempre um Papo na próxima terça-feira (7/12), das 19h às 21h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, Belo Horizonte). 



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