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Estado de Minas ULYSSES, 100

Ensaio: 'Ulysses' traz um sopro de vida em cada página

Aos 100 anos de idade, 'Ulysses' ainda é visto por muitos como uma obra ilegível, inabordável ou dificílima, noções de quem não leu o romance de James Joyce


28/01/2022 04:00 - atualizado 27/01/2022 22:16

Bernardina Pinheiro
Bernardina Pinheiro traduziu 'Ulysses' na primeira década deste século (foto: agêcnia estado)

Aos 100 anos de idade, “Ulysses” ainda é visto por muitos como uma obra ilegível, inabordável ou dificílima. Noções desse tipo são, em geral, compartilhadas por pessoas que não leram o romance de James Joyce, e que carecem de disposição, senso de humor e/ou inteligência para encará-lo. Não afirmo que é uma tarefa fácil, por certo, sobretudo em se tratando de uma primeira travessia.



Mas, por outro lado, e não obstante eventuais dificuldades, a leitura é muito divertida, revigorante e transformadora. Ninguém é o mesmo após palmilhar por Dublin com Leopold Bloom, encher a cara com Stephen Dedalus e surfar pelo espírito livre de Molly Bloom. Há um sopro de vida em cada página, possibilitado formal e estilisticamente por uma arquitetura capaz de plasmar cidade e personagens, coletividade e indivíduos, mito e paródia, tradição e (re)invenção. Por essas e inúmeras outras razões, “Ulysses” é o romance mais importante do século 20.

Aos passeadores de primeira hora, sugiro que recorram à tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro, lançada pela Objetiva/Alfaguara na primeira década deste século. Além de contar com uma boa introdução e ser amparado por uma infinidade de notas, as quais esclarecem as referências, inversões, paródias e citações que pululam nas páginas, o livro tem um apêndice no qual a tradutora explica a que episódios da “Odisseia”, de Homero, cada passagem remete, oferecendo uma visão panorâmica de todos os capítulos.

Pinheiro, professora e pesquisadora falecida no ano passado, também é responsável pela melhor tradução de que dispomos de “Retrato do artista quando jovem”, edição que a Alfaguara faria muito bem em recolocar nas prateleiras.
 
Antônio Houaiss
Antônio Houaiss: pioneiro na tradução da obra de James Joyce (foto: reprodução)
Já a tradução de Caetano W. Galindo para “Ulysses”, que ganha agora uma edição especial da Companhia das Letras, captura com criatividade o fraseado e os humores de Joyce e seus personagens. As liberdades que toma são, nesse caso, adequadas ao espírito da obra original. E ele entende do riscado como poucos, tanto que escreveu o guia de leitura “Sim, eu digo sim: Uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce” (Companhia das Letras) sucinto, didático e inestimável para os recém-chegados ao grande livro.

Por fim, temos a tradução pioneira de Antônio Houaiss, ainda em catálogo pela Civilização Brasileira. Por ser o trabalho de um filólogo, é verdade que essa versão tende a ser menos amistosa para com o leitor de primeira viagem do que as outras duas; mas, pelo mesmo motivo, talvez seja a mais inventiva, aquela que traz algumas das melhores soluções para diversos neologismos e construções do autor. Tenho um carinho especial por ela. Um aviso importante: a edição mais recente dessa tradução de Houaiss traz um guia de leitura coalhado de erros e imprecisões; assim, sugiro que os interessados procurem nos sebos por edições anteriores. Foram mais de duas dezenas nas últimas décadas; ninguém terá dificuldades para encontrar um exemplar em bom estado, a um preço que Leopold Bloom aprovaria.

* André de Leones é escritor, autor dos romances “Abaixo do paraíso” e “Eufrates”


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