A curitibana Mariana Sanchez é jornalista, tradutora e pesquisadora da literatura latino-americana, em particular da produção contemporânea do Cone Sul. Ela integra a curadoria e coordenação editorial da Coleção Nos.Otras, da Relicário Edições. Entre as obras traduzidas estão “Salvatierra” (Todavia), romance do argentino Pedro Mairal, o mesmo de “A uruguaia”; “O nervo óptico” (Todavia), contos de María Gainza, e “Impossível sair da Terra” (Moinhos), de Alejandra Costamagna. A próxima publicação traduzida por Sanchez, no prelo, é a não ficção “A irmã caçula” (Relicário), ensaio de Mariana Enriquez, dos romances “As coisas que perdemos no fogo” e “Este é o mar”, sobre a escritora Silvina Ocampo (1903-1993), autora de “A fúria”.
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O que une e o que diferencia as autoras latinas?
Na verdade, as únicas coisas que as unem são o fato de serem mulheres e de escreverem neste território gigantesco que é a América Latina. Fora isso, praticamente tudo as diferencia; afinal, autoria literária é feita disso, de singularidades. Cada autora trabalha seus temas e formas de um modo bastante original, e é isso que nos interessa em relação a elas. Há muitos modos de produzir literatura, assim como há muitos modos de ser mulher na América Latina. No caso da coleção Nos.Otras, nosso recorte é o de não ficção, por isso é natural que privilegiemos um gênero como o ensaio. Mas até nisso as autoras da coleção se diferenciam, porque cada uma tem seu estilo e sua sensibilidade próprios ao abordar os assuntos e as estéticas de suas obras.
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Como é o seu processo de tradução?
Depende muito do projeto em questão, mas geralmente faço uma primeira tradução mais rápida, preservando o ritmo e a musicalidade que me chegaram do original. Depois, vou trabalhando o texto num nível mais “fino”, atenta aos detalhes que passaram e a problemas de estilo, coerência e eufonia. Essa é a parte mais deliciosa da tradução, porque é quando você verdadeiramente se sente como autor do texto.
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Você entende que há diferenças na tradução de escritores homens e de escritoras mulheres?
Nenhuma. Homens e mulheres podem escrever sobre o que quiserem e em qualquer registro, até porque uma das maravilhas da literatura é precisamente esta: a possibilidade de ser outro, de viver a alteridade. Sara Gallardo, autora de “Eisejuaz”, contava que seu pai costumava elogiar seus livros porque “não pareciam escritos por uma mulher”. Um elogio bastante torto e machista, induzido pelo velho estereótipo de uma certa autoria feminina confessional, dócil, contida, menos experimental – e que espelhava o espaço reduzido da mulher na sociedade de décadas atrás. Mas nem esse estereótipo condiz com a realidade, pois sempre houve escritoras radicais, audazes, brilhantes, com tanto ou mais arrojo literário do que alguns escritores – penso em Ursula K. Le Guin, Clarice Lispector, na uruguaia Armonía Somers, na argentina Silvina Ocampo. Não acredito que um tradutor – ou qualquer leitor – possa diferenciar a autoria masculina da feminina, porque isso nem existe. Autoria é autoria e ponto final. (MMC)