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Estado de Minas

Poemas reunidos - Miriam Alves


15/04/2022 04:00 - atualizado 14/04/2022 19:14

Revanche

Fiz do chicote um laço
    das chicotadas pelourinho
Enforquei feitores
chicoteei capitães do mato
Ceguei retalhei sinhozinhos 
        Refugiei-me nas emoções
         Sou impune
                     livre.
 
Parto

Uma batida surda
dói ouvir
Viver viver
presa na gaiola
pássara
Já vi o infinito
fui constelação
Agora asteroide vagando
Estrela cadente
dividi-me em duas
Dividida para não ser subtraída
Fiquei inteira amolgada em cada pedaço
Chorei porque eu nascia. 
 
 
Vida

O nosso medo a noite engoliu
elaboramos nossa fome
lambendo delícias de groselha e creme

Banhamo-nos na manhã
vestimos nossas máscaras risos
ficamos insatisfeitas.
 
 
Canto de um grito
             Para Conceição Evaristo  

Tenho histórias
E urgências
Na insurgência das horas
Sei que a fome não espera
E doces de algodão de vento
Não saciam
Anseiam
A fome dói
Estômago vazio não se engana
Ronca em grito surdo
A alma fica tensa
Tesa para o ataque

– Grito –

E as horas passam
A dor não espera a cura
Reivindica

Algodão-doce de vento não engana
A fome não se alimenta de vento
Uso as palavras como tambores
Para soar ao vento vozes em gritos:
“A dor não espera” – Dói –
“A fome não espera” – Mata –  
 
 
É tanto querer

Eu quero a paz
De meus versos
Eu quero um instante
Um instinto um momento
O silêncio
As horas
O lugar.

Eu quero um instante
O instinto guardado no útero do tempo
A luz refletida no olhar
Um sol e uma lua com uma estrela cintilando
No meio da testa.

Eu quero a liberdade
Os cabelos anelados
Esvoaçando com o vento.
Eu quero o azul
Ar entrando pelas narinas
E depois deitar na praia
Comendo goiabada.
 
 
Desespero nas cidades

Abrigar ideias e ideias
Trago no bolso os estudos herdados
atrás do muro da noite
a rever olhares
reler trajetórias
Escapar da mira da bala perdida
perdida pedida
urdida num extermínio constante
insiste em me achar
onde quer que eu me encontre
mesmo que eu me abrigue no colo da pátria amada
que diz que minha mãe é gentil.
 
 
Miriam Alves
(foto: Amanda Neri/Divulgação)
 
 
Sobre a autora

Nascida em São Paulo, em 1952, Miriam Alves integrou, nos anos 1980, o coletivo Quilombhoje Literatura, responsável pelos “Cadernos negros”, publicação na qual fez sua estreia como poeta e contista, em 1982. Entre outros livros, ela escreveu “Momentos de busca” (1983), “Estrelas nos dedos” (1985) e os romances “Bará: na trilha do vento” (2015) e “Maréia” (2019).  “Poemas reunidos” comemora os 40 anos de atividade poética da autora. Ao apresentar a edição do Círculo de Poemas (clube de assinaturas resultante de parceria das editoras Fósforo e Luna Parque), Heleine Fernandes destaca: “Miriam Alves constrói uma poética dos ventos que, no ritmo do ilú de Oyá, reordena a memória e a história, abrindo no horizonte amanheceres, novas possibilidades de futuro para aqueles cujo destino, neste país, é desaparecer.” 
 
 
“Poemas reunidos”
De Miriam Alves
Edição Círculo de Poemas/Luna Parque/Fósforo
384 páginas
R$ 84,90; e-book: R$ 44,90 


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