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Estado de Minas PENSAR

Mônica Ojeda: 'Sistema educacional é espaço primitivo de trauma e terror'

Escritora equatoriana detalha a criação de 'Mandíbula', terceiro romance dela e primeiro a ser lançado no Brasil


24/06/2022 04:00 - atualizado 23/06/2022 23:52

 Mónica Ojed
A equatoriana Mónica Ojeda, nascida em Guayaquil, em 1988: ''É uma cidade muito violenta, tinha medo de estar na rua'' (foto: gianella silva)

“O medo não é o quê, mas o como”, define Mónica Ojeda na última página de “Mandíbula” (Autêntica Contemporânea), terceiro romance da escritora e o primeiro a ser lançado no Brasil. Nascida em Guayaquil, em 1988, a equatoriana mora em Madri e escreveu ainda os romances “La desfiguracíon Silva” e “Nefando”, além do livro de poemas “A história do leite” (Edições Jabuticaba). 

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Mais do que cenas explícitas de violência ou horror, em “Mandíbula” interessa à escritora explorar diversos recursos narrativos para impulsionar uma trama a respeito de obsessões, desejos e tensões no relacionamento conflituoso de uma professora e um grupo de alunas adolescentes de uma escola católica. Como nas idas e vindas de um trem fantasma, cada capítulo de “Mandíbula” pode oferecer uma surpresa e um susto. E, sempre, o desejo de avançar. A seguir, a entrevista de Mónica Ojeda ao Pensar.  
 
 
Qual o ponto de partida para “Mandíbula”?
O ponto de partida foi o meu desejo de explorar o medo do desejo e das relações entre as mulheres. Comecei a ler coisas assustadoras quando estava construindo os personagens, histórias que circulam em fóruns na internet (creepypastas), a maioria escritas por adolescentes fascinados pelo horror. Senti que eu tinha que entrar mais em seus mundos, em como o terror é vivido na internet.

Você afirmou em uma entrevista que todos nós temos um lado monstruoso, e esta parte monstruosa é onde mora a condição humana. Como transformar esses monstros em literatura?
Acho que a literatura tem sido responsável por fazer isso ao longo da história da humanidade, e também pintura e música e cinema e teatro e dança. Fazer arte significa voltar ao símbolo, e o símbolo é o que é misterioso, ameaçador e evasivo. O símbolo grita em sua mente, e a partir daí o mito surge. Não estou dizendo que somos monstruosos, mas que carregamos dentro de nós o que consideramos monstruoso e é por isso que o reprimimos (ou não).

Um dos personagens de “Mandíbula” cita um psicanalista que afirma: escrever é um lugar de revelações. Também é assim para você? Ler também é revelador?
Eu certamente acho que é aí que a escrita e a leitura se conectam. Quando se escreve é a língua que é despida nua, a palavra é liberada. Quando um lê, acontece o mesmo, mas por meio da linguagem do outro: a língua do outro é despida nua na minha frente, sua palavra é liberada e, portanto, incita minha palavra para fazê-lo também.

Por que o medo “não é o quê, mas o como”, como você afirma no final do livro?
O que nos faz ter medo na literatura e na vida não é o objeto, mas o desejo que colocamos no objeto; não é o que é dito, mas como ele é contado. Lovecraft disse que o horror não era o que era contado em uma história, mas a atmosfera que foi gerada com essa história. A atmosfera de um romance, por exemplo, é a língua, é a palavra. As histórias que trabalham no tema do medo não se preocupam apenas pelo que narram, mas como a palavra se torna um labirinto que leva o pensamento ao abismo.

A descrição do sistema educacional em uma escola particular para adolescentes é particularmente corrosiva. A escola pode ser uma fonte de medo e trauma? A adolescência também é assim?
Acredito que o sistema educacional em geral é um dos espaços primitivos de trauma e terror, com suas exceções. São espaços competitivos, que não respeitam a diferença e são alienantes para todos (professores). Em “Mandíbula”, além disso, os protagonistas estão em uma escola Opus Dei, o que torna tudo muito mais traumático e violento, pois recebem uma educação muito rigorosa e limitadora. A adolescência me parece uma fase interessante da vida: seu corpo muda e outros mudam com você. Os adultos temem isso porque a sombra do sexo surge na adolescência e o sexual perturba: é o fim da infância. Essa é uma fantasia social, é claro, porque meninos e meninas sempre foram sexuais, mas há um discurso em torno da adolescência como o momento na vida em que o sexo se torna parte do jogo, um momento em que você pode torcer, se perder, tomar caminhos sinuosos. Não é apenas na adolescência que experimentamos os maiores traumas e medos; infelizmente, isso acontece ao longo de nossa vida. Estar vivo é ser vulnerável e temer. O medo é necessário para sobreviver.
 
O ponto de partida de “Mandíbula” lembra “Misery”, o romance de Stephen King. Você gosta dos livros do escritor? De quais outros autores você gosta?
Na verdade, li muito pouco de King, quase nada. Não sou uma grande leitora de literatura de terror. Claro, eu li Lovecraft, Poe, Perkins, Jackson, Chambers, etc..., mas não é o gênero que eu leio mais. Estou interessada no medo mais como um tema filosófico do que como um formato. Sou uma leitora principalmente de poesia e romances, e os temas e formatos que me interessam são tão variados e diversos que não saberia por onde começar. Gosto de David Foster Wallace, Pascal Quignard, Marguerite Yourcenar, Yukio Mishima, Raúl Zurita, Edmond Jàbes, Blanca Varela, Marosa di Giorgio etc. Nunca acabaria.

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Um dos destaques do livro é a alternância de vozes e a forma de narrar ao longo dos capítulos. Como chegou a essa solução?
Jogando. Encaro a escrita como um exercício lúdico, gosto que as coisas surjam assim. Claro, trabalho muito para fazer tudo se encaixar, mas tento não me limitar ao escrever. Gostei da possibilidade de contar a história do romance pulando do presente para o passado e mudando de ponto de vista dos personagens, como um quebra-cabeças. Acho que isso vem do cinema, de todos aqueles filmes nos quais o espectador vai ligando os pontos enquanto é apresentado a uma série de sequências com grandes elipses entre elas.

Você nasceu e cresceu em Guayaquil. Que histórias mais a assustaram quando era criança? O real ou o sobrenatural?
O sobrenatural e o real. Guayaquil é uma cidade muito violenta; então, desde criança me ensinaram a ter medo de estar na rua. Passei muito tempo em casa e li tudo, até literatura de horror. Lembro-me de ficar em pânico com a história de La Llorona, sobre uma mãe que matou seus filhos e cujo fantasma assombra as casas, soluçando, para roubar os filhos de outras pessoas. Também me lembro do medo de crocodilos (ainda os temos e, ao mesmo tempo, eles me fascinam) porque eles entraram na cidade quando as chuvas transbordaram os rios.

“História do leite”, livro de poemas, também está sendo lançado no Brasil. O que você precisa dizer por meio da poesia que não pode ser dito em contos ou romances?
“História do leite” é um livro híbrido, algo como a história de Caim e Abel em uma chave feminina. É um livro que trata da origem da violência e do amor. Para mim, escrever um romance ou poesia é quase o mesmo: mudam a estrutura e o processo, mas não a relação que procuro ter com a linguagem. Busco uma relação musical, rítmica e perturbadora.

A que atribui o fato de tantas escritoras terem se destacado na América Latina nos últimos anos?
Os tempos mudaram. Agora estamos lendo mais mulheres escritoras do que antes. Mas é uma mudança na recepção, não na qualidade. Escritoras latino-americanas sempre produziram trabalhos brilhantes.

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O que você sabe sobre literatura brasileira ou cultura brasileira? Nosso país desperta mais medo ou fascínio?
Certamente, fascínio. Li muito pouco literatura brasileira, mas amo Raduan Nassar, Clarice Lispector e Rubem Fonseca. O Brasil nos forneceu joias cinematográficas e musicais: Caetano Veloso, João Gilberto, Os Mutantes... Eu quero visitar o Brasil em algum momento. Espero que seja em breve!


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