Nesta sexta-feira (22/7), o caderno Pensar, do Estado de Minas, publica uma entrevista com Maria Inês de Almeida, professora aposentada na UFMG, professora visitante na Universidade Federal do Acre e uma das organizadoras, com Ailton Krenak, do dossiê 'Poesia indígena de Minas Gerais'.
A sogra de Bruno Pereira, indigenista assassinado na Amazônia, critica a postura do governo brasileiro com relação aos povos indígenas.
Qual é a situação dos indígenas sob o governo Bolsonaro?
Outro grito de alerta que precisamos prestar atenção. O governo Bolsonaro, acompanho de perto o caso dos indígenas do Acre, onde estou vivendo atualmente, está colocando muito dinheiro na mão de missionários evangélicos e de políticos do interior para o convencimento, compra de votos e de apoio das lideranças indígenas.
Muitos estão sendo enganados para entregarem suas terras. Estão tentando convencer os indígenas de que vida boa é dentro da sociedade de consumo. Que os modos de vida tradicionais significam pobreza. E o que estão fazendo? Tentando convencer os indígenas que devem trocar as suas terras por mercadorias, que devem deixar a exploração de minério, de madeira, acontecer dentro dos seus territórios.
O que determina mesmo o ser índio é estar na sua terra. Se conseguirem manter as terras, acredito que essa questão das missões vão e vêm. Os indígenas já tiveram tanto assédio de missionários religiosos de várias seitas e muitas vezes isso não afeta tanto, desde que a política do Estado não os leve a perder os seus costumes e a sua língua. Mas o problema é que estamos tendo assédio massivo dos missionários evangélicos e a política de arrasar tudo do governo Bolsonaro. Se esses povos perderem as suas terras, vão para as cidades virar favelados.
Vão deixar de ser índigenas As próprias lideranças indígenas dizem: as formas de vida dos povos indígenas têm a ver com os seus respectivos territórios. O Huni Kuin não vai conseguir viver como Huni Kuin fora da floresta amazônica, onde está o rio que alimenta há séculos os seus ancestrais.
A senhora é sogra do indigenista Bruno Pereira. O que representa para o país o assassinato brutal de Bruno e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari?
Como a maioria das pessoas, reitero que esse assassinato representa para o Brasil inteiro, para nós todos, independentemente de trabalharmos com indígenas ou não, um sinal de alerta muito forte: nós não estamos prestando atenção no que os governantes, no que o Estado brasileiro, está fazendo com a sociedade e com os nossos biomas.
Pois não é só a Amazônia, mas também o cerrado, a Serra do Curral, a Serra do Cipó... Todos os biomas brasileiros estão ameaçados e todas as lideranças, como foi Bruno, que mantêm atividades de defesa desses biomas, estão sendo mortas de uma forma ou de outra, assassinadas a mando do próprio Estado, pois se não é a mando, é por falta de proteção, o que dá no mesmo.
Então, representa sinal de alerta que ou mudamos nossa vida, no sentido de levar a sério a questão ambiental, ou então esse caos social que estamos vivendo vai crescer e ficar insustentável. Como dizem os mitos indígenas, o mundo acaba mesmo, o nosso mundo dos humanos, a nossa civilização está entrando em colapso.
E a morte do Bruno foi tão sentida, pois todo mundo escutou esse grito de alerta. E por outro lado, foi lindo o que ficou da imagem dele, o que legou aos meus dois netinhos, que vão ter é o canto dele na floresta. São duas crianças, de 2 e 4 anos.
O que representa para a literatura indígena o dossiê temático da revista da Academia Mineira de Letras, que, sob o título “Poesia Indígena de Minas Gerais”, integra a edição comemorativa dos cem anos da revista?
Um marco histórico da abertura da Academia Mineira de Letras para o que chamo em meus estudos de textualidades indígenas: não se trata apenas da escrita, mas sobretudo dos textos que tradicionalmente, desde tempos imemoriais, os indígenas vêm produzindo e transmitindo, os textos orais, os cantos, as danças, as pinturas, os grafismos, as formas não alfabéticas de escrita.
Tudo isso compõe o que eu chamo genericamente de literatura indígena. Isso representa não apenas abertura da academia para povos indígenas – que aliás acaba de eleger um acadêmico indígena –, como também para outras linguagens que não a escrita erudita. A academia está se expandindo, para além de seus próprios muros, ampliando a sua abrangência social. Não é mais uma instituição da elite intelectual, mas uma instituição do povo mineiro, em sua diversidade.
Como foi o seu trabalho neste dossiê?
Procuramos frisar, desde o título “a poesia indígena de Minas Gerais”, ao invés de “a poesia indígena em Minas Gerais”, que há uma poesia indígena que é exalada da própria paisagem mineira, que vem da Mata Atlântica, dos rios, que vem do cerrado, que vem das Gerais, da quase caatinga do Norte de Minas. Essa poesia que vem da paisagem está nas línguas dos povos originários, que nasceram nestas paisagens.
E, por isso, a poesia é de Minas Gerais, é da paisagem e é transmitida pelas línguas e linguagens indígenas. Estamos falando do sentido amplo do termo poesia, não apenas de versos, mas da poética. Convidei Ailton Krenak para organizar esse dossiê comigo. Felizmente, ele aceitou, até por causa de nossa história de trabalhar há muitos anos juntos, por exemplo, nos “Diálogos Interculturais”, em 2006, e, antes, no programa de implantação das escolas indígenas de Minas Gerais.
Retiramos, para a Revista da Academia, Ailton e eu, uma antologia das publicações de livros escritos pelos indígenas de Minas Gerais. Desde 1996, nós, pesquisadores da UFMG, no núcleo de pesquisa Literaterras, da Faculdade de Letras, estamos editando e publicando livros de autoria indígena nas várias línguas. Eu mesma coordenei, entre 2005 e 2013, um projeto financiado pelo FNDE/MEC de produção, edição e distribuição de obras de autoria indígena no Brasil inteiro. Publicamos cerca de 130 títulos de autoria de indígenas de todas as regiões do Brasil.
Ailton Krenak assina, nesta revista, o texto inédito “O livro da Vó Laurita”. O que Vó Laurita representa para a literatura indígena?
Eu sabia que Ailton Krenak tem este livro inédito, escrito há alguns anos, o “Livro da Vó Laurita”. Ela foi uma figura representativa da poesia indígena de Minas Gerais, uma das guardiãs da língua Krenak.
Era professora de cultura, ensinou a língua para os mais jovens e foi muito importante no processo da implantação da escola indígena na Terra Indígena Krenak, no município de Resplendor. Achei que era uma oportunidade de homenagear essa figura histórica, importantíssima para Minas Gerais. Temos de reconhecer, que Laurita, ao falecer, é como se tivesse fechado uma grande biblioteca.
Ela é sogra do Ailton, mãe da Irani, e como nas famílias indígenas a matriarca assume o papel de mãe de todo mundo, também era mãe do Ailton, no sentido de família extensa. Então, era uma pessoa muito importante para todos os Krenak, era a grande referência, como percebi ao trabalhar, por muitos anos, na formação dos professores e na implantação da escola Krenak.