As guerras que se seguiram à proclamação da independência constituíram o instrumento para a consolidação territorial do Império do Brasil em sua dimensão continental, em princípio, do Rio da Prata ao Rio Amazonas. Entre 1822 e 1823, os confrontos mobilizaram mais de 60 mil soldados e levaram à morte de 3 mil a 5 mil pessoas, segundo registra o historiador Hélio Franchini Neto, especialista nesses teatros de guerra, detalhados na obra “Redescobrindo a Independência – Uma história de batalhas e conflitos muito além do 7 de Setembro” (Benvirá, 2022).
Disputadas entre Brasil e Portugal, as guerras concentraram-se em três grandes porções do território, estratégicas para a navegação. A primeira, na Província da Bahia, ao centro da costa litorânea, da qual as embarcações transitavam ao norte e ao sul. A segunda, na Província Cisplatina (atual Uruguai) e do Rio Grande, foco de disputa secular (1680-1828) com a Espanha, desembocadura de três grandes rios, entre os quais o Prata, forma mais eficiente de se alcançar as províncias centrais do Mato Grosso e Goiás, além do Pacífico, evitando-se o Estreito de Ma- galhães. E a terceira, ao Norte (atual Norte-Nordeste), por onde se chegava a Lisboa mais rapidamente do que a Salvador; cinco províncias se envolveram diretamente nas guerras: Ceará, Piauí, Pernambuco, Mara- nhão e Grão-Pará.
Diferentemente do que se passou na Bahia, em que as batalhas se mantiveram nos limites das províncias, no Norte, a dinâmica foi outra, conforme aponta Hélio Franchini Neto. “Após ter se iniciado no Piauí, os combates se espalharam pelas fronteiras, numa dinâmica marcada pela disposição das então províncias do Grão-Pará, Maranhão e alguns grupos do Piauí, defensores do Vintismo, terem empregado o uso da força para defender a causa de Lisboa”, afirma Franchini Neto. Em contraposição, os grupos que gradualmente passaram a apoiar Dom Pedro não eram fortes o suficiente para se impor apenas no plano político. “A guerra entraria, então, em cena a partir do Piauí”, considera o historiador.
Território em disputa com a Espanha, com presença constante de tropas portuguesas, que procuravam garantir a instável fronteira sul, a Cisplatina foi um teatro bem distinto daquele que se desenhou no Norte-Nordeste ao longo do processo de independência do Brasil. “Era zona permanentemente em conflito, precariamente vinculada ao Reino do Brasil”, aponta Franchini Neto. Foi o mais longo na sucessão de conflitos que se seguiram à proclamação da independência e viria a se transformar na primeira guerra internacional do Império do Brasil, a Guerra da Cisplatina (1825-1828), opondo o Brasil Império às Províncias Unidas do Prata, atual Argentina. Levaria à criação do Uruguai.
BAHIA, CONFRONTO CENTRAL
Tanto para o Rio de Janeiro quanto para Lisboa, a Bahia era consi- derada a mais estratégica das províncias em disputa. Rica, populosa e situada ao centro da costa do Atlântico, Salvador – colônia ultramar entre 1549 e 1763 – era, à época, fundamental para o controle da navegação entre províncias ao norte e ao sul. Na avaliação de Hélio Franchini Neto, caso Portugal tivesse vencido a guerra na Bahia, a formatação continental do Império do Brasil teria sido outra. “Se Lisboa ganhasse a Bahia, conseguiria reverter Pernambuco, que se colocou, naquele momento, condicionalmente ao lado de Dom Pedro. Isso significaria cortar o Norte do Sul do Brasil”, explica ele.
Palco da mais inclusiva das conjurações, a Baiana (1798), e local onde republicanos e federalistas da Revolução Pernambucana de 1817 ficaram presos, na Bahia, a articulação contra o “centralismo” do Rio de Janeiro havia aflorado com força em fevereiro de 1821, quando ali chegou a notícia da Revolução do Porto. Três tendências se afunilam àquela altura contra o Rio de Janeiro: o grupo batizado de “partido eu- ropeu”, que defendia a estreita união com Portugal; e dois grupos, de visões diferentes, formados por senhores de engenho, servidores públicos e eclesiásticos, que se dividiam num partido de inspiração “aristocrata” e outro de viés “democrata”. Enquanto “aristocratas” pregavam um “governo independente de Portugal, com uma Constituição e duas Câmaras” – que poderia ser uma república ou monarquia constitucional, o segundo, defendia o federalismo, expresso em “governos pro- vinciais independentes”.
Entretanto, o curso dos acontecimentos na Bahia favorável a Portugal se alteraria em fevereiro de 1822, quando Manoel Pedro de Freitas Guimarães, personagem-chave do movimento em defesa das Cortes Constituintes de Portugal, foi substituído em benefício de Ignacio Luiz Madeira de Mello no importante cargo de governador das Armas da Bahia. O Rio de Janeiro soube explorar a dissensão interna do movimento baiano, que emergiu fortemente com o preterimento de Manoel Pedro de Freitas pelo além-mar. Com a promessa de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, Dom Pedro atraiu os partidários dele. Um ano antes, Manoel Pedro de Freitas Guimarães, então governador, declarara na Câmara Municipal em Salvador o auto de aceitação do sistema constitucional proposto por Lisboa. Dessa forma, aquela que nascera como uma guerra civil local entre dois grupos partidários de Lisboa, incorporou a dimensão nacional das guerras de Independência que se armaram entre o Rio de Janeiro e as Cortes Constituintes de Portugal.
Houve um cenário militar específico da cidade de Salvador e a disputa acirrada pelo controle da Baía de Todos os Santos, com Lisboa enviando tropas regulares e, da mesma forma, o Rio de Janeiro, afirma o historiador Hélio Franchini Neto.
Pierre Labatut, militar francês veterano das guerras de libertação espanhola, assumiu a organização do chamado Exército Pacificador de Dom Pedro. “O Rio de Janeiro conseguiu o apoio de batalhões pernambucanos, uma companhia da Paraíba que tinha soldados mineiros e soldados do Espírito Santo. Em 1823, o batalhão do imperador, com 200 soldados, foi enviado do Rio de Janeiro”, descreve Hélio Franchini. Foi um teatro de operações muito intenso e equilibrado, entre novembro de 1822 e 2 de julho de 1823, até a decisiva Batalha de Pirajá, quando uma nova esquadra organizada pelo Rio de Janeiro rompeu a comunicação por mar das forças de Lisboa, com o desenlace do impasse e a fuga das tropas portuguesas.
Para saber mais
Redescobrindo a Independência – Uma história de batalhas e conflitos
muito além do 7 de Setembro
Autor: Hélio Franchini Neto
Editora: Benvirá, 2022
Páginas: 384
Preço: R$ 50,92
A outra Independência – Pernambuco 1817-1824
Autor: Evaldo Cabral de Mello
Prefácio: Heloísa M. Starling
Editora: Todavia, 2022
Páginas: 288
Preço: R$ 94,90 E-book: R$ 54,90
Ser republicano no Brasil – A história de uma tradição esquecida
Autor: Heloísa Starling
Editora: Companhia das Letras, 2018
Página: 376
Preço: R$ 77,90 E-book: R$ 39,90
Independência do Brasil – As mulheres que estavam lá
Organizadoras: Heloísa M. Starling e Antonia Pellegrino
Editora: Bazar do Tempo, 2022
Páginas: 224
Preço: R$ 62,90
O sequestro da Independência – Uma história da construção do
mito do Sete de Setembro
Autores: Carlos Lima Junior, Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Klück Stumpf
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