Em princípio, Dom Pedro acalentou um projeto político não de emancipação total do Reino do Brasil em relação a Portugal, mas de “independência moderada”. Com a narrativa de que Dom João VI estaria “refém” das Cortes Constituintes, Dom Pedro buscava uma solução em que pudesse romper com estas, sem contudo fazê-lo com o rei. Nesse sentido, o príncipe regente convocou, em 3 de junho de 1822, a Assembleia Constituinte própria para o Reino do Brasil, ato que, naquele primeiro momento, mirava a busca de conciliação entre as diferentes visões das províncias, que variavam entre a centralização e a descentralização do poder no Reino do Brasil.
“O momento da efetiva ruptura com Lisboa não foi necessariamente planejado. A questão que se coloca, a partir da convocação da Constituinte brasileira, é como aquela ideia de independência moderada defendida por José Bonifácio, em que se mantinha fidelidade ao rei ao mesmo tempo em que se rompia com as Cortes, derivou para a ideia de emancipação total”, considera Hélio Franchini Neto. Segundo ele, o passo da independência mo- derada para a soberania definitiva do Brasil ocorreu entre julho e agosto de 1822, com a agudização do conflito com as Cortes, a tal ponto que, mesmo não desejando a separação, este destino se tornou inevitável. A guerra civil na Bahia foi, nesse sentido, variável determinante, principalmente com a recusa do governador de Armas leal a Lisboa, o brigadeiro Ignacio Luiz Madeira de Mello, de acatar ordem de Dom Pedro para que embarcasse com as suas tropas para Portugal. Em resposta ao desacato, Dom Pedro enviou do Rio de Janeiro forças mi- litares para atacar as tropas europeias aquarteladas na Bahia. Assim, deu mais um passo para a ruptura com Portugal.
Dias antes de partir em viagem do Rio para São Paulo, em 14 de agosto de 1822 – para pacificar divergências entre conservadores e liberais, integrantes da junta do governo provisório e consolidar apoios ao seu projeto de emancipação –, José Bonifácio redigira um manifesto dirigido às nações estrangeiras, que dava o tom do que estava por vir. “Nesse manifesto, ele procurava legitimar o Brasil dentro do concerto de nações, fazendo com que os outros Estados enviassem representantes diplo- máticos, cuja presença era mais um símbolo do reconhecimento da Independência política brasi- leira”, avalia o historiador Hélio Franchini Neto.
Nos 12 primeiros dias de viagem, Dom Pedro percorreu 634 quilômetros, alcançando, em 24 de agosto, a Penha de França, último pouso antes de entrar em São Paulo. Seguiu para Santos, onde inspecionaria as fortalezas e visitaria pessoas da família de José Bonifácio. De regresso a São Paulo, no sábado, 7 de setembro, por volta das 16h, quando Dom Pedro e comitiva se encontravam no alto de colina próxima ao riacho do Ipiranga, foram alcançados pela correspondência real: o major Antônio Ramos Cordeiro e Paulo Bregaro – hoje Patrono dos Carteiros – trazia diversas cartas, entre as quais da esposa, Leopoldina, e de José Bonifácio; duas de Lisboa – uma de seu pai, Dom João VI, e outra, com instrução das Cortes, exigindo o regresso imediato do príncipe e a prisão e processo de José Bonifácio.
Escreveu-lhe dona Leopoldina: “As notícias de Lisboa são péssimas: 14 batalhões vão embarcar nas três naus, mandou-se imprimir suas cartas e o povo lisboense tem-se permitido toda a qualidade de expressões indignas contra sua pessoa, na Bahia entraram 600 homens e duas ou três embarcações de guerra”. A esposa, que, na ausência de Dom Pedro presidia as reuniões do Conselho de Estado, trabalhava política e intelectualmente pela formação de um Império brasileiro. Essa Habsburgo nascida nos estertores do absolutismo e sob a razão do Iluminismo, argumentava ao marido: “O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece”.
Integrante da comitiva, o padre Belchior Pi- nheiro deixou o seu testemunho do 7 de Setembro:
“Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os, deixou-os na relva (então não estava sobre o ca- valo). Eu os apanhei e guardei. Depois, virou-se para mim e disse: ‘E agora, padre Belchior?’. E eu respondi prontamente: ‘Se V. Alteza não se faz rei do Brasil será prisioneiro das Cortes e, talvez, deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação’. Dom Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro, Carlota e outros, em direção aos animais que se achavam à beira do caminho. De repente, estacou já no meio da estrada, dizendo-me: ‘Padre Belchior, eles o querem, eles terão a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações; nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal.”
Há controvérsias em relação às exatas palavras empregadas por Dom Pedro em relação à cor- respondência das Cortes Constituintes portuguesas, registra o historiador Hélio Franchini Neto, lembrando que Francisco de Castro Canto e Mello, au- xiliar de Dom Pedro que o acompanhava na via- gem, sustentou que o regente, após ler os despachos do Rio de Janeiro, teria gritado: “É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de Portugal!”.
Mesmo com a proclamação da independência, Dom Pedro manteve o título de regente do Reino do Brasil até 12 de outubro, quando foi oficialmente aclamado imperador do Brasil; a coroação seguiu-se em 1º de dezembro. Efetivou-se, assim, a constituição de uma nova unidade soberana. Ali nascia o embrião do Império de dimensão continental, um projeto anunciado por Dom Pedro em manifesto ‘aos povos deste Reyno’, datado de 1º de agosto de 1822: “Não se ouça pois entre vós outro grito que não seja – união do Amazonas ao Prata – não retumbe outro écho que não seja – INDEPENDENCIA. – Formem todas as nossas províncias o feixe mysterioso, que nenhuma força póde quebrar”. Foi nas guerras que tal propósito se consolidou.